quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

2009


Não me lembro de iniciarmos um novo ano com tão poucas expectativas positivas sobre o futuro. Existe uma crise de confiança: não acreditamos que os políticos se preocupem com os menos poderosos; não confiamos nas instituições (políticas, económicas, religiosas); os bancos não confiam uns nos outros para emprestar dinheiro nem nós neles para o gerirem conscienciosamente; enfim, não confiamos na evolução da história e que com ela venha o progresso, a igualdade, a paz, a vida com qualidade.
Sem confiança o que é que poderemos fazer? Nada. As relações não são possíveis, o desenvolvimento integral não acontece, a vida não é doada e não nasce, o amor é uma miragem.
Que resposta temos nós os cristãos para este tão entranhado sentimento? Que atitude apresentamos nós ao mundo descrente, sem esperança e temente do amanhã?
Como sempre temos a Palavra que nos inspira e fortalece: “deram-lhe (ao menino de Belém) o nome de Jesus” que quer dizer Deus salva. E isso é o que temos a dar ao mundo de hoje. Deus não é um problema, não é mais uma preocupação a juntar às muitas da vida quotidiana, Deus é a base de onde partimos para um novo ano. Isto é, Ele já nos salvou, Ele é por nós e está connosco, Ele é a garantia que estamos salvos a seus olhos e, por isso, iniciamos 2009 com a certeza mais fundamental e encorajadora: não estamos perdidos no meio dos problemas e das angústias legítimas dos dias que temos mas encaramos os seus dramas e dores com a certeza de que O sentimos a nosso lado não a vigiar as nossas acções mas a inspirá-las, não a censurar as nossas palavras mas a fazer que elas edifiquem, não à espera de uma recaída mas a estender-nos a mão para nos levantar.
Que a alegria profunda e seguradora de nos sentirmos salvos nos empurre a arrancar da amargura quem nela cresce, a amar quem nunca se sentiu amado, a mostrar como se pode viver diferente, a partilhar o pouco que se tem com quem muito perdeu.
Que 2009 nos realize.

domingo, 28 de dezembro de 2008

A Família

Acabo de chegar da eucaristia do domingo dentro da oitava do Natal, em que se celebra a solenidade da Sagrada Família de Jesus, Maria e José. E como sempre lá tiveram os cristãos que escutar os terríveis diagnósticos eclesiásticos sobre o estado da família; as loas ingénuas ao exemplo da família de Nazaré (?); o anúncio carregado de “novidade” sobre a crise da instituição familiar. Enfim, o habitual chorrilho de lugares comuns ou de piedades pífias ou de lições de quem não faz a mínima ideia do que é hoje ser pai e mãe de família.
O que é mais grave é que muitos desses pregadores não se detenham a reflectir sobre o verdadeiro pensamento de Jesus sobre a família, sobre a sua relação com a sua família, sobre o tipo de família que é consequência do discurso cultural e religiosamente revolucionário de Jesus. Isso sim seria muito mais útil, evangélico e, de certeza, mais escutado.
Para Jesus a família é o local onde sou chamado a aprender a viver em família com uma família maior, a humana. Como diz Bento Domingues hoje no Público: “O que Jesus diz aos seus é muito simples: aprendam a fazer família com quem não é da família”. Isto sim é uma nova notícia. Isto sim é cristianismo. Isto sim é novidade de Natal.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Aniversário


Hoje a minha mãe faz anos. Este é o dia mais importante da minha vida. Sei que é um lugar-comum um filho elogiar a mãe mas não é comum ter uma mãe como eu tenho. E nós, os seus quatro filhos bem sabemos como é verdade o que acabo de escrever.
Neste dia de S. João Evangelista, que a tradição diz ser o discípulo que Jesus amava, celebro o amor, que não é uma história de encantar, mas que não me deixa de encantar quando o encontro encarnado na minha mãe.
Para ela vai hoje e sempre todo o meu afecto.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

"Alegrai-vos. De novo vos digo: Alegrai-vos"


Diz Sophia de Mello Breyner Andresen, no seu poema “A Estrela”:

“E eu espantada vi que aquela estrela
Para a cidade dos homens nos guiava”.

Realmente o Senhor encontra-se aí no meio dos homens, nas suas cidades, nos seus prédios, nos seus bairros, nas suas vidas aparentemente tão sem sentido, na crise que monopoliza todas as conversas. É aí nos homens que Ele nasce.
Por isso, com Paulo digo: “Alegrai-vos. De novo vos digo: Alegrai-vos” porque não há distinção entre sagrado e profano, entre Deus e os homens, entre espírito e corpo, entre céu e terra. Desde essa noite o homem não é rival de Deus, mas o grande local da manifestação de Deus; desde essa noite o nosso corpo não é pobre matéria em consumação mas matéria elevada por Deus para ser seu veículo de revelação e local de salvação; desde essa noite a nossa carne não é sinal de pecado mas sinal da profunda “humanidade” de Deus que por isso nos entende, ama e acarinha; desde essa noite o mundo não é oposto de Deus, mas o local onde Deus nasce e caminha com o homem para o tornar, a partir do seu interior (no seio de cada um) mais humano, próximo e irmão.
Ele está tão próximo de nós que nem queremos acreditar.
Onde está o nosso Deus que acaba de nascer? (Cf. Mt 2, 2) Olha à tua volta… olha para os que contigo hoje se sentam à mesa… olha para ti… Aí está Ele, onde tu menos esperavas…

Um Santo Natal

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Uma Música de Natal

Neste ano, toda a minha reflexão sobre o natal que se aproxima como celebração está assente na necessidade que Deus tem de que cada um com o seu corpo, o seu sorriso, as suas mãos, o seu coração, o seu sim, a sua acção torne possível hoje o seu nascimento nos homens e entre os homens.
E hoje abeiro-me desta janela para vos mostrar um vídeo que não conhecia mas que me veio ter ao computador como um sinal eloquente de tudo o que tenho reflectido. É o relato de Matt Harding, que durante 14 meses viajou por 42 países…a dançar. É nestes que Deus nasce, foi para eles que ele veio e neles que ele vem, é nesta alegria multifacetada que Ele encarna. É por isto que Ele tanto gosta de nós.
Não resisto em oferecer-vos desde já este presente de Natal que para mim já começou há muito. Aí está uma verdadeira música de Natal sem lamechices. É só clicar

ondeElenasce

domingo, 21 de dezembro de 2008

Gero em mim


Depois de vigiar, abrir o meu castelo e deixar que ele seja invadido por todos, o que me falta? O que me falta para que Ele venha e acampe no nosso meio?
Não devo esperar uma vinda esplendorosa, cheia de luz, efeitos especiais e espaciais. Mais. Não devo esperar uma vinda fora de mim, distante do meu castelo interior e longe da minha colaboração, ajuda e decisiva palavra afirmativa.
Leiamos com atenção esse texto a que chamamos anunciação: os verbos das palavras do anjo estão na sua maioria no futuro porque a realização de tudo depende decisivamente da palavra e da acção de Maria, da sua atitude e da sua busca, da sua fé e da sua ajuda. Quando Maria terá percebido que realmente estava grávida do Filho de Deus? Quando ajudava a sua prima Isabel, depois de ter percorrido uma longa e perigosa viagem pelas montanhas.
Neste último domingo de advento compreendo que a possibilidade de Jesus vir à minha vida, à dos meus e à do mundo depende da minha fé-serviço, da minha confiança-ajuda, das minhas palavras-activas. Não somos simples observadores da gestação maternal de Maria. Esse tempo já passou há muito. Hoje em nós ou cresce ou esse menino nunca será realidade, só história. Hoje não é em Maria que se gera o filho de Deus. Ou é em nós, na nossa vida, no nosso serviço, no interior mas recôndito do nosso castelo ou não se gera, não cresce nem nunca nascerá por mais luzes que acendamos, cânticos que cantemos, missas que celebremos, prendas que troquemos. O cristão não anda a recordar e a celebrar um passado, mas a actualizar e a dizer faça-se em mim, em nós segundo o Teu sonho. Não estamos em época de anjos nem de castelos encantados mas no tempo em que a salvação vem e passa por nós ou não deixará de ser um conto de crianças em que já nem elas acreditam.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Ao encontro

Hoje inicia-se a minha época de exames. Dia cinco de Janeiro realizarei o meu primeiro exame da licenciatura em filosofia. Devia desde já começar a estudar os filósofos pré-socráticos. Mas não o vou fazer porque existem coisas muito mais importantes. Não, não são as compras de última hora para a noite de natal, mas são os amigos que há tanto tempo não vejo e que recordo todos os dias diante de mim e de Deus.
Hoje é um dia para os amigos. Daqui a pouco conversarei com uma amiga que há anos não vejo mas que não deixou que as pontes caíssem entre nós. Depois rumarei até Santo Tirso onde se situam alguns dos lugares humanos mais dóceis para o meu coração. Pessoas agarradas ao chão da vida e por isso de porta aberta para espalhar o seu amor sem esperar retribuição a não ser a da minha presença, a do meu abraço, a da minha palavra e a da minha pobre e tão distante amizade.
Quem sou eu? Sou os meus amigos.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Enublaram o meu Advento


Não estou a falar do tempo, que é como é e nunca será grande tema de conversa ou reflexão. Estou a falar da notícia que li sábado passado que demonstra, mais uma vez, o autismo, a insensibilidade, a desumanidade e o desfasamento de uma parte (infelizmente, muitas vezes a mais visível) da Igreja de que faço parte.
A Congregação para a Doutrina da Fé publicou uma instrução sobre diferentes assuntos relacionados com a biotecnologia onde faz uma longa lista de actos condenáveis que mistura tudo com uma linguagem lamentavelmente desfocada e desfasada da melhor teologia moral católica. Coloca desde já imensos casais cristãos que não têm culpa de serem doentes (a infertilidade é uma doença) numa posição de praticantes de ilícitos morais. Atente-se nisto: “é moralmente ilícito usar uma técnica que se realiza fora do corpo dos conjugues, mediante gestos de terceiros” que é usada, por exemplo, nos problemas de fertilidade masculina. Mais: condena o diagnóstico genético (vejam, o diagnóstico!) pré-implantatório para evitar defeitos genéticos dos embriões (são muitos os casos em que mudando o sexo de uma criança se a salva de doenças congénitas ou até que este diagnóstico salva vidas humanas). É triste e contraditório porque, graças ao Espírito, muitos sacerdotes e cristãos adultos já nem ligam a esta surdez e indiferença romana aos gritos de tantos “Bartimeus” que à beira do caminham não deixam de clamar por salvação.
Ponderei muito se havia de escrever este texto, mas é preciso que o mundo saiba que nem todos os católicos são retrógrados e cegos como alguns no nosso meio teimam em ser. Vem-me à memória aquele texto do evangelho (ah o evangelho tão longe de alguns corações!) em que Jesus dizia aos fariseus: “Se fosseis cegos não teríeis pecado; mas dizeis: ‘Nós vemos!’ O vosso pecado permanece” (Jo 9, 41).
É triste mas as nuvens deste advento vieram donde menos se esperava.

domingo, 14 de dezembro de 2008

"Quem és tu?"


Uma casa cheia é uma casa inundada de alegria. O castelo da nossa vida encontra a alegria na sua capacidade de vigiar, de abrir as suas portas e, principalmente, em se deixar invadir por todos os que fazem parte da nossa vida. Que as nossas portadas jamais se encerrem a alguém mas pelo contrário deixemos que todos os recantos do nosso castelo (ameias altivas, pátios interiores, redutos defensivos, etc) se abram a todos os homens.
A pergunta ao baptista hoje se nos impõe: quem és tu? A nossa resposta cristã só pode ser a de João. Não sou o detentor da verdade mas a testemunha humilde e pobre da Verdade; não sou o zeloso defensor de Deus mas a expressão vivida da sua bondade; não sou o profeta iluminado de desgraças e castigos, mas da boa notícia de um amor sem limites; não sou alguém cheio de mim, mas alguém que esvazia o seu castelo interior para deixar entrar os outros pois é no meio deles, é neles que está Aquele que tão mal o conhecendo o julgamos, muitas vezes, fechado em templos, palavras, céus ou dogmas. Neste advento tenho aprendido que quanto mais me esvaziar de mim e me preencher da presença dos outros descobrirei o nascimento real e diário de Jesus em mim e no mundo que me rodeia.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Duas Colunas de Uma Vida


Devo uma desculpa a todos aqueles que pacientemente, ao longo desta semana, procuraram novas neste blog. Só ontem à noite, desde sexta-feira passada, estive em casa e porque foi desmarcada uma reunião do grupo que trabalha na elaboração dos novos manuais de EMRC para o ensino secundário.
Destes dias não posso deixar de destacar a Ceia de Natal dos estagiários da Paróquia de Santo Tirso.
Desde 1979 que a paróquia de Santo Tirso, na pessoa do seu pároco, Padre Celestino Ramos, recebe no seu seio um diácono para aí realizar o seu ano de estágio pastoral antes do sacerdócio. Tive o privilégio de em 1995 começar a fazer parte desse grupo. Depois do ano de estágio fui ordenado sacerdote e continuei a viver na comunidade sacerdotal de Santo Tirso até 2003 porque paroquiei as comunidades de Lamelas, Reguenga e Refojos durante esse período.
Na noite de quarta-feira passada revivi um dos poucos e verdadeiros espaços de fraternidade sacerdotal existentes e recordei os melhores anos da minha vida: foi em Santo Tirso, num contexto de comunidade sacerdotal (éramos três padres de três gerações diferentes e sempre com um estagiário mais novo) e no ambiente simples, feliz e renovador das três comunidades paroquiais que conduzia, que eu não só aprendi a ser homem, padre e amigo como também me libertei dos preconceitos conservadores e alheados da realidade com que tinha saído do seminário.
Foram oito anos em que tentei, penso com pouco sucesso, aprender e assimilar a solidez, a perseverança e a abertura à novidade do Padre Celestino. E a serenidade, a bondade extrema (nunca a encontrei assim em nenhuma outra pessoa) e a amizade fiel do Padre Manuel Torres. A eles daqui presto o meu mais profundo agradecimento e manifesto a minha mais orgulhosa admiração.

domingo, 7 de dezembro de 2008

"Abri... Uma Estrada..."


Com este segundo domingo de advento entendo que não chega ficar a olhar o horizonte vigiando e esperando quem mais desejamos. É preciso fazer algo mais: abrir as portas do castelo, fazer descer sua pesada ponte levadiça que permita transpor o fosso que cavamos em relação aos outros. O apelo é claro: preparai…, abri…, endireitai… Isto é, Cristo só vem pelos caminhos que nós prepararmos. Deus só entra pelas portas que abrirmos. Não é possível que Ele nasça, cresça, irradie sua luz se não abrirmos o nosso castelo a todos os que vêm ao nosso encontro, a todos os que se cruzam connosco, a todos os que esperam o nosso acolhimento.
Não chega vigiar, é necessário abrirmo-nos a todos os que se abeiram de cada um de nós porque será por aí que Ele virá. Nesta semana estarei vigilante ao horizonte mas também disponível à minha porta aberta de par em par porque tenho esperança de que por lá entrarão os sinais, os sacramentos da sua presença…

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

“A vigia desejosa e esperançada pelo amigo que não vemos há muito”

Assim escrevia eu no domingo passado reflectindo no tempo do advento que estamos a viver. Pois nos últimos dias tenho-me cruzado, em diferentes circunstâncias e por diferentes meios, com pessoas com que ao longo dos anos, nas diferentes actividades e terras por onde passei, tive o privilégio de me cruzar. Algumas têm me dito palavras de saudade e admiração que não mereço, outras oferecem-me presentes que me desconcertam e outras sentam-se atenciosa e amigavelmente para escutar a torrencial chuva de histórias que habitualmente os amigos que há muito não se vêem têm sempre para contar.
Nesta manhã chuvosa de Dezembro vivi um desses momentos com o padre Joaquim Santos (meu colega de curso), no Seminário Maior do Porto. Regressar aquela casa, descer aquelas escadas, vislumbrar o rio daquelas janelas e entrar silenciosamente na naquela capela (belamente remodelada) é como que olhar de frente as raízes mais profundas, mais verdadeiras e mais sólidas da minha vida. Muito do que sou devo às pessoas de que cada recanto daquela casa é sacramento.
Foi uma conversa entre dois amigos que há muito não se viam. Foi uma conversa com um dos (poucos) grandes amigos que tenho e de que sinto já saudades. É que como dizia S. Bernardo: “Sabemos que a felicidade que nos vem do facto de termos encontrado o objecto da nossa procura não apazigua os santos desejos, antes os faz mais vivos. A plenitude da alegria não é a extinção do desejo, mas como o azeite ao fogo, o que o faz arder ainda mais. Porque o desejo é uma chama. E é assim que, mesmo sendo completa a alegria, não traz consigo o fim do desejo, nem, por consequência, o termo da procura”.
Por isso, continuo do meu castelo vigiando procurando. Continuo em advento.

domingo, 30 de novembro de 2008

Advento: Do Meu Castelo... Vigio

Neste advento proponho-me a imagem do castelo que é cada um de nós. Dizia Santa Teresa de Ávila que somos como que um castelo medieval cheio de recantos e passagens secretas. Mas o Advento não é um tempo para nos fixarmos penitencialmente no nosso interior. Este é o tempo para usarmos o nosso castelo para olhar para fora, olhar o horizonte, subir à torre de menagem e vigiar. Não uma vigia assustada pela possível chegada do inimigo, mas a vigia desejosa e esperançada pelo amigo que não vemos há muito, pelo filho que estuda a semana toda fora, pelo marido que vem das obras em Espanha, pelo amado ou amada que sempre nos faz esperar mesmo quando chega a horas, pelo filhos em geração no seio de sua mãe…
Quem espera seja quem for, incluindo o nosso Deus que tantas vezes desejamos que rasgue o céus e desça, não adormece no passo rotineiro dos dias e das relações mas perscruta todos os sinais em redor tentando discernir já a sua presença. Eduquemos o nosso olhar para aprendermos a ver ao longe e ao largo Aquele que vem e está sempre…
Não o sentimos nós quando esperamos o que amamos já tão vivo e presente em nós? Perguntemos às mães e elas nos ensinarão a vigiar.

sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Sintra V - Quinta da Regaleira

A quinta da Regaleira é uma obra mistérica, fantasiosa, simbólica e, por vezes, fantasmagórica. O Palácio, a capela e os jardins espelham um plano rigoroso idealizado pelo seu proprietário, António Carvalho Monteiro, e pelo arquitecto Luigi Manini (Palácio do Buçaco). Dizem os estudiosos que todo o conjunto revela a ideologia e a estética do seu proprietário influenciadas (romantismo) por mitos templários, maçónicos e gregos.
Um dos mais impressionantes e enigmáticos espaços do jardim é o poço iniciático: uma escadaria em espiral afunda-se na terra (27 metros) e ao longo do seu percurso saem túneis escuros que vão ter a lugares simbólicos do jardim. Há uns anos tinha-se que percorrer esses túneis na escuridão completa, guiados pelo vento e pela ténue luz da sua saída.
Qualquer que fosse a intenção dos seus autores, este poço faz-me recordar o Homem que é chamado a percorrer o seu interior até ao mais profundo e escuro de si próprio para aí encarar corajosamente os seus fantasmas, as suas facetas mais tétricas, os seus medos mais enraizados. Só assim, se compreenderá e descobrirá que é na assunção do que é que se pode descobrir a largura e a profundidade do amor de Deus. De lá de baixo, olha-se o céu e, percebendo-se a distancia a que estamos d`Ele, descobrimos a falta que a Sua luz nos faz e de que, ainda assim, Ele nos ilumina e encaminha para o alto ou para o “jardim” que é o mundo (a vida) que ele nos deu.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Sintra IV - Parque e Palácio de Monserrate

O parque e o palácio de Monserrat são criações românticas levadas a cabo por Francis Cook, um milionário inglês apaixonado pelo encanto de Sintra. Em 1856, este comerciante têxtil fez deste espaço a sua residência de férias.
Os jardins estão cheios de espécies de todos os lados do mundo e de pequenas construções (capelas, arcos, casas, estufas) e recantos (cascatas, relvados, jardins temáticos) que fazem lembrar um parque de diversões oitocentista. Mas surpreendente é o palácio de estilo neogótico inglês com fortes influências hindus e árabes. O interior, em restauro, é um cenário cinematográfico que nos inspira todo o tipo de romances.
Vinte e quatro horas depois de mais um atentado terrorista perpetrado por fanáticos islâmicos contra turistas ocidentais, em território indiano, conjecturo como seria diferente este nosso mundo se houvesse um arquitecto superior que, como o James Knowles (arquitecto do palácio), pegasse no melhor destras três culturas e edificasse, como por magia, um mundo de harmonia e salutar convívio. Mas não pode ser assim porque nem estamos num conto de fadas ou de deuses antigos nem os homens são como as pedras ou a madeira que tão maravilhosamente se deixam moldar e transformar pelas mãos dos artistas.

quarta-feira, 26 de novembro de 2008

Sintra III - Convento dos Capuchos

O convento dos capuchos foi edificado em 1560 e constitui o mais surpreendente e menos conhecido monumento de Sintra. Não tem nada a ver com os grandiosos conventos seus contemporâneos, de estilo bem demarcado e de afirmação do poder e da riqueza da Igreja de então. É pequeno (oito celas), arquitectonicamente anónimo, com uma pequena e simples capela (ainda assim o edifício mais “solene”), um refeitório com uma laje de pedra a servir de mesa. Para entrar nas celas os monges tinham que ajoelhar-se dado o tamanho minúsculo das portas. O único luxo é o uso da cortiça dos sobreiros da cerca para isolamento de algumas divisões.
Um exagero de austeridade? Talvez. Mas é a reacção de uns poucos cristãos escandalizados pela então ostentação escandalosa da Igreja. Assim funciona o Espírito: não deixa de suscitar na sua Igreja homens e mulheres que indo contra a corrente dominante, desafiam as hierarquias e as regras vigentes por fidelidade à Palavra. Por isso, nada nos deve perturbar nem espantar nem desanimar diante da incompreensível cegueira de alguns incapazes de perceber os sinais dos tempos. O Espírito de Jesus Ressuscitado é como o convento dos capuchos: não se dá por ele, esta oculto no meio do mundo, é humilde e simples, quase ninguém o visita. Mas quem o descobre jamais o esquece.

terça-feira, 25 de novembro de 2008

Sintra II - Castelo dos Mouros

O castelo dos mouros actual é fruto de mais uma reconstrução romântica liderada pelo rei mentor do palácio da Pena, D. Fernando II. Esta fortificação é de origem muçulmana e terá sido edificada no século IX. A sua função seria de atalaia da linha da costa e de Lisboa.
Eis uma bonita imagem do tempo do advento que se aproxima: vigiar. Eis uma bonita ideia para desenvolver nestes dias antes do natal. A vigilância cristã é ter a capacidade de subir ao alto dos nossos dias, dos nossos problemas e das nossas dores (e subir é sempre difícil) para nos deixarmos fascinar pela vista balsâmica, inspiradora e original da presença quotidiana do nosso Deus. Nestes quatro domingos vou tentar erguer a bandeira da esperança e da confiança n`Aquele que acampou entre nós.

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Sintra I - Palácio da Pena

Nos próximos cinco dias deixarei aqui algumas das reflexões pessoais suscitadas pelos diferentes edifícios que tive ocasião de admirar neste fim-de-semana em Sintra.
O palácio da Pena é fruto da recuperação romântica (entre 1842-54) do vazio e decadente mosteiro de Nossa Senhora da Pena. O seu grande mentor foi o Rei-Consorte D. Fernando II. Mais que uma obra de beleza impressionante, de dramático enquadramento paisagístico e de loucura figurativa, é expressão da capacidade humana de se reinventar e de não se satisfazer com a reprodução rotineira e estéril de ritos, fórmulas, liturgias e conceitos. Quando assim somos criativos novas cores despertam, sentimentos recalcados se soltam, compromissos se reforçam e os outros agradecem porque lhes damos, não o que eles queriam, mas o que não sonhavam ser possível experimentar.

sexta-feira, 21 de novembro de 2008

Darei notícias na segunda

Daqui a pouco partirei para um fim de semana retemperador e longe do nosso espaço habitual. Vou até Sintra, onde regresso com muita satisfação porque é daqueles lugares que marcam quem lá passa um tempo e, não quem passa por lá.
Por isso, não colocarei a minha habitual reflexão ao evangelho deste domingo. Nem é preciso. Aqui fica a sua primeira parte e reconheçam que nada mais há a dizer... só a fazer.
"Jesus disse: «Quando o Filho do Homem vier na sua glória, acompanhado por todos os seus anjos, há-de sentar-se no seu trono de glória. Perante Ele, vão reunir-se todos os povos e Ele separará as pessoas umas das outras, como o pastor separa as ovelhas dos cabritos. À sua direita porá as ovelhas e à sua esquerda, os cabritos. O Rei dirá, então, aos da sua direita: ‘Vinde, benditos de meu Pai! Recebei em herança o Reino que vos está preparado desde a criação do mundo. Porque tive fome e destes-me de comer, tive sede e destes-me de beber, era peregrino e recolhestes-me, estava nu e destes-me que vestir, adoeci e visitastes-me, estive na prisão e fostes ter comigo.’ Então, os justos vão responder-lhe: ‘Senhor, quando foi que te vimos com fome e te demos de comer, ou com sede e te demos de beber? Quando te vimos peregrino e te recolhemos, ou nu e te vestimos? E quando te vimos doente ou na prisão, e fomos visitar-te?’ E o Rei vai dizer-lhes, em resposta: ‘Em verdade vos digo: Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes.’

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

"Há momentos na vida..."

Nestes dias que passam sem nada que os distinga caiu-me hoje no meu mail um texto luminoso e humano em que me revejo, nestes solarengos mas frios dias. É do padre Tolentino de Mendonça que mais uma vez fala do âmago do coração humano. Aí fica sem corruptores comentários:
"Há um momento na nossa vida, ou há momentos nela, em que fazendo um balanço, sentimos que ficámos aquém dos nossos próprios sonhos. Esperávamos isto e aquilo que não aconteceu. Desejávamos uma plenitude e temos uma estreita e estranha normalidade. Sentimo-nos, sem saber bem como, a viver sob tectos baixos. Há uma espécie de doçura prometida que nos escapa, que fica adiada, que começamos talvez a julgar inacessível. Por vezes, este sentimento vem aos 70 ou aos 40 anos. Mas também surge aos 20 ou aos 30. Não dependem propriamente da idade, os Outonos interiores que atravessamos.
Existem é modos diferentes de encarar essa experiência, que, no fundo, nos é tão intrínseca e comum. Podemos desistir simplesmente de esperar, e largamos a vida no parque de estacionamento do pragmatismo mais raso. Podemos trocar a doçura que não conseguimos, por um tipo de acidez quotidiana, que se vai espalhando, entre a ironia e o desalento. Ou podemos, e esse é o olhar da Fé (e esse é o olhar mais necessário), perceber que «a doçura que se não prova/se transfigura numa doçura/muito mais pura/e muito mais nova»."

José Tolentino Mendonça
20.11.2008

domingo, 16 de novembro de 2008

Parabéns


Hoje é o aniversário da minha irmã Inês. Mais uma oportunidade para nos reunirmos todos. Mais uma oportunidade para lhe dizer como gostamos dela, como dela precisamos e como dela esperamos o espírito resoluto dos filhos da revolução (1975).
Para a Maria Inês desejo que este ano a ajude a definir-se como pessoa, mulher e cristã. Para que a casa que está a construir seja espaço familiar de realização e afirmação verdadeira dos seus mais profundos sentimentos. Feliz Aniversário.

sábado, 15 de novembro de 2008

"Senhor, eu sabia que és um homem severo" Mt 25, 24

Confiado naquilo que sabia o servo de um só talento nada fez. Ele que só tinha visto a face dura do seu senhor, desconhecia a largura do seu coração. Ele que o confundira com um rei qualquer, esquecera-se que para Deus pior do que se enganar ou errar ou pecar é nada fazer, é comodamente permanecer no seu egoísmo fechado à novidade, ao outro, ao Espírito.
Todos temos muitos talentos (um talento correspondia a seis mil dias de trabalho!): a confiança ilimitada, livre e libertadora do Pai; o tempo oferecido em cada manhã e agradecido ao adormecer; o que cada um é, na sua originalidade única, indispensável, criadora e cheia de sonhos, vontades, desejos, ideias, utopias; a comunidade onde nascemos, crescemos, estudamos, trabalhamos e nos divertimos. Com tudo isto somos chamados a arriscar em vez de conservar; a olhar em frente em vez de chorarmos o passado; a não confiar num deus aprendido mas a arriscar ir ao Seu encontro e, numa relação pessoal quotidianamente alimentada, perceber a Sua criatividade amorosa; a não ter medo de se fazer ao largo da vida e no mundo porque não temos o direito de não nos darmos a conhecer, de não proporcionar aos outros o nosso abraço, de recusar o nosso sorriso e, para nós cristãos, de não doarmos esta alegria e tesouro de sermos totalmente amados e queridos por um Senhor que, afinal, não é tão terrível como tínhamos imaginado ou nos tinham contado.

quinta-feira, 13 de novembro de 2008

Estamos sempre a aprender


O meu cunhado Ricardo ganhou na passada segunda-feira, num concurso radiofónico, dois bilhetes para o musical “Um Violino no Telhado”. Como não podia ir, perguntou-me se queria ir ver a encenação de Filipe La Féria. Aceitei desconfiado e, diga-se, com o distanciamento do preconceito. Acharia que não iria gostar de uma coisa tão popular e, ainda por cima, um musical. Mas lá fui porque a “cavalo dado não se olha ao dente”.
Pois meus amigos que bela bofetada recebi ontem à noite no esgotado Rivoli. O espectáculo é vistoso, grandioso, bem interpretado, bem cantado e dançado, e consegue agarra-nos e deitar por terra todas as manias intelectuais que por vezes nos assaltam. Gostei e gostei muito. E recomendo.
O musical é a história de uma família judaica que vive numa aldeia de judeus na Rússia dos czares. A tradição religiosa é a grande segurança dos seus habitantes, particularmente do protagonista (um soberbo José Raposo) que aos poucos a terá que ir abandonando por causa dos amores das suas filhas. Este pai pobre cederá ao casamento da filha mais velha com um pobre alfaiate; ao casamento da segunda filha com um revolucionário professor bolchevique; mas não cederá ao casamento secreto da terceira filha com um soldado cossaco e cristão ortodoxo. Não contarei o final da peça, apenas recordo o belo diálogo final daquele pai com o seu Deus: “Ó Deus se existes, quem és tu? Mas, se não existes, quem somos nós?”
Na verdade, na dor e na injustiça a pergunta do homem crente pelo seu Deus é indispensável, humana, decisiva, é condição para a fé. Mas sem ele qual o sentido de tudo, do nascer e do morrer, do lutar e trabalhar, do amar e sacrificar?
Confesso, não me entendo nem compreendo sem Ele.

segunda-feira, 10 de novembro de 2008

Um Domindo à moda antiga


Ontem foi um domingo à moda antiga. Eu e os meus irmãos à volta da nossa mãe realizamos um almoço de domingo em família que há muito era desejado e não concretizado por desencontro de horários profissionais. Mas ontem tal foi possível para alegria e benefício de todos. Estes almoços são míticos na nossa casa: à volta da mesa conversa-se toda a tarde dos mais variados assuntos, os mais novos mantêm-se no convívio com os mais velhos, a televisão permanece desligada todo o dia, ninguém dá pelo passar do tempo.
Quando temos estas reuniões de família dois sentimentos me assaltam quando regresso a casa.
O primeiro é que, por defeito de formação e das anteriores actividades profissionais, tenho sempre a sensação de que falei muito, que monopolizei as conversas e que dei pouco espaço à serenidade firme e inteligente do Nuno, à atenção maternal alargada a todos da João, à imensa disponibilidade generosa da Inês e à solidez sofrida mas firme da nossa mãe coragem. É que se aprende muito quando se escuta…
O segundo sentimento é de orgulho porque, num respeito sagrado pela liberdade de cada um, raiz de qualquer amor oblativo, construímos uma família onde a diferença é valorizada, a vida celebrada e acolhida como mistério e sagrado.
Foi um verdadeiro dia do Senhor. Obrigado a todos.

sábado, 8 de novembro de 2008

Jesus fez um chicote...


Como é estranho para nós cristãos ver Jesus de chicote na mão, cheio de zelo, a expulsar com violência os comerciantes, os cambistas e toda a sua quinquilharia “religiosa”! Não estamos acostumados, mas se lermos com atenção o Evangelho verificamos como Jesus era violento, como se indignava e entristecia com todos aqueles que pervertiam e usavam para benefício próprio a fé das pessoas: fariseus, sacerdotes, doutores da lei eram presenteados com epítetos de duros de coração, hipócritas, sepulcros caiados cheios de podridão, insensatos e cegos. (Cf. Mt 23)
Esta é a reacção de Deus quando fazemos da Sua casa uma casa de comércio e não de oração; é a reacção de Deus diante dos manipuladores do sagrado; é a reacção de Deus diante dos que fazem dos templos espaço de divisões sociais e escaparate de posses supérfluas; é a reacção de Deus diante de cultos vazios, palavrosos e distantes da dura realidade social dos homens e mulheres do nosso tempo.
Nos primeiros séculos do cristianismo a Igreja era a comunidade dos discípulos de Jesus presente em cada cidade. Hoje teoricamente também o é. Mas é necessário que isso se note nas nossas celebrações, nas palavras humanas lá emitidas, nos gestos e símbolos lá executados. Aí é necessário que se celebre que o lugar privilegiado do encontro de Deus com cada um é o coração de cada pessoa humana. Por isso, é urgente que os nossos templos sejam espaços onde se celebre alegremente a vida; se sinta a familiaridade dos crentes; se reconheça o valor de cada um, independentemente do seu estado; se use a música, a arte, a tecnologia, as luzes, os símbolos que digam algo de novo ao homem de hoje; se motive e se crie condições emocionais, afectivas, espirituais e racionais para que o culto em espírito e em verdade (Jo 4, 23) se torna uma realidade tanto no templo cristão como no mundo secular.
Que a celebração da dedicação da Basílica de S. João de Latrão seja uma oportunidade para todos, leigos e clero, termos a coragem de colocar em exame as nossas celebrações, os nossos ritos e a nossa vivência cristã litúrgica e temporal.

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Que semana!


A semana que está a chegar ao fim foi uma semana de acontecimentos auspiciosos. Terminei o meu caderno de actividades para a unidade lectiva que elaborei para os alunos do ensino secundário de EMRC. Essa unidade lectiva 7 , Ciência e Tecnologia, acabou de ser publicada (a imagem é da capa, com a devida vénia ao coordenador deste trabalho, José Rui Teixeira).
Também recebi boas novas da faculdade de filosofia: tive equivalência a nove disciplinas, o que equivale a cinquenta e quatro créditos. Ficam assim a faltar cento e vinte e seis créditos para terminar a licenciatura, o que penso conseguir até 2010. E estou convencido que ainda vou ter equivalência a algumas disciplinas de opção. São de facto excelentes notícias. Assim já me inscrevi a duas disciplinas do segundo ano: Estética I e Filosofia das Ciências I. Não vai ser fácil apanhar este comboio em andamento mas tenho que fazer este esforço para colocar a render o mais depressa possível os meus saberes.
Nestas alturas é um imperativo de consciência agradecer a todos aqueles que tornaram possíveis estas sucessos e nunca deixaram de me apoiar e ajudar para a sua consecução. Agora há que continuar a trabalhar: existem mais três unidades lectivas para elaborar e, claro, uma licenciatura para completar.

domingo, 2 de novembro de 2008

Entre flores e luzes


Nestes dois primeiros dias de Novembro a nossa sociedade é obrigada a olhar para aquela realidade que tenta ocultar e ignorar permanentemente: a morte. Mas essa é a grande realidade da vida e tentar negar isso além de ser uma alienação, é também o medo de não ter nada a dizer sobre o sentido da existência humana.
O que mais me impressionou durante muitos anos de vida pastoral foi saber que para muitos cristãos o cemitério é realmente o fim daqueles que mais amavam. Recordo aqueles pais em que a dor insuportável da morte mais inaceitável (um filho) os levou quase à loucura ou ao vazio. Recordo aqueles que vi morrer à minha frente com uma serenidade misteriosa impondo o silêncio misterioso que levanta a questão misteriosa: que instante é esse em que se deixa de pertencer ao mundo e ao tempo? Ninguém sabe o que é morrer.
Mas nós os crentes temos que afirmar algo que por muito que custe é urgente sublinhar: nos cemitérios não está lá ninguém, somente os que lá vão homenagear os seus mais queridos que perdendo tudo o que tinham, acreditamos que continuam a ser. A sua personalidade, o seu ser mais profundo, aquele ser pessoal que nós amamos em vida, está inscrito no coração amoroso de Deus. Por isso, não rezamos pelos mortos mas com os mortos.
Se não houver ressurreição dos mortos Deus não existe. Exigi-o a morte das crianças, dos jovens, dos filhos, dos inocentes, de Cristo.

sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Reflectindo numa fila

Ontem tive que cumprir uma das muitas inutilidades burocráticas que o estado nos impõe: fui apresentar-me na junta de freguesia porque, como desempregado, o tenho que fazer de quinze em quinze dias. Quando lá cheguei estavam cinco homens, na mesma situação social, à minha frente. Mais velhos, nitidamente cansados (eram nove da manhã) e os seus gestos lentos e pesados denunciavam uma extrema desesperança. Era o último daquela fila e era o último a chegar ao convívio dos dispensáveis, dos excedentes, dos que a sociedade já não precisa.
Não pensem que estou desanimado, pelo contrário, estou muito feliz porque nunca estive tão perto dos homens e mulheres do nosso tempo. Antes tinha uma casa oferecida, agora luto por pagá-la ao banco; antes não me preocupava com a comida, agora aponto o que gasto em alimentação; antes era simples encontrar quem me resolvesse qualquer percalço, agora tenho que pagá-lo; antes era uma figura pública, agora sou mais um na massa humana. Nunca como hoje estive tão perto (mas tão longe, meu Deus) dos que têm fome e sede de justiça, dos que choram, dos que são perseguidos, dos pobres.
Nestes dias em que muitos olham os mortos, não se esqueçam dos vivos. Para ajudar, por favor, carreguem neste link: http://www.youtube.com/watch?v=D4vl33tjmLE

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Alguns amigos

Os últimos dias têm sido muito intensos e têm me mantido afastado deste espaço. As aulas e os trabalhos na faculdade de filosofia, a elaboração do caderno de actividades da unidade lectiva que criei para o novo manual de EMRC para o secundário (e ainda me faltam três) e uma persistente e irritante dor de garganta fazem com que chegue ao fim do dia demasiado cansado para partilhar os meus olhares.
No entanto, não têm faltado razões para deste espaço me abeirar. Partilho hoje três dessas razões.
Ontem recebi uma notícia auspiciosa de um casal de Refojos de Riba de Ave, Santo Tirso, Susana e Bruno Lírio, que fizeram parte dos grupos de jovens que criei, no passado, naquela paróquia. Vão ser pais. Além de inspiradora, esta notícia trouxe-me à memória amigos que jamais esquecerei: a sua fidelidade, fé, constância e persistência são uma memória e um exemplo exemplares.
Por falar em amigos, convido-vos a visitar os blogs (equinociodeoutono.blogspot.com e labirinto-jrt.blogspot.com) daquela pessoa que nos últimos anos tem sido uma brisa de esperança: o meu amigo José Rui Teixeira. Fiquei aí a saber como tem sido reconhecido como um poeta com muito valor. E ele bem o merece.
Finalmente, uma referencia à minha ida ao Santuário de Fátima no Domingo passado. Não sou um grande devoto das suas manifestações, mas reconheço a sua importância para muitos homens e mulheres. E respeito todos os caminhos que nos conduzam ao Pai. Mas Fátima tem agora algo que vale a pena contemplar: o Cristo crucificado da nova basílica da Santíssima Trindade. É uma obra notável. Naquele olhar semita recordei que só foi do alto da cruz que Jesus nos olhou de cima. Sem paternalismos, sem condenações, sem piedoso devocionário. Deus e Homem. “Segue-me”.

sábado, 25 de outubro de 2008

"Mestre qual é o maior mandamento da lei?" Mt 22, 36

No tempo de Jesus, eram tantas as prescrições e as proibições da lei judaica que se discutia apaixonadamente quais seriam as mais importantes para se ser um bom crente. Ser religioso era cumprir a lei tal como estava formulada e interpretada pelos chefes religiosos.
Também hoje o cristão se sente perdido e confuso no meio de tantas regras, leis, cânones (1792 no código de direito canónico!) e exigências que os seus pastores lhes impõem ou apresentam. Algumas das muitas proibições, que não se encontram em nenhuma página do evangelho ou dos escritos apostólicos, intrometem-se na consciência individual e inviolável de cada homem e cada mulher.
Aos doutores da lei de ontem e de hoje Jesus responde com uma atitude existencial, com o núcleo da fé cristã, que não é uma manta de dogmas, de moral ou de mandamentos. Mas que se resume à atitude primordial: amar. E amar a Deus naqueles que trazem em si a Sua imagem: cada homem e cada mulher.
Nisto se resume tudo: o amor a Deus é o fundamento e a origem do amor ao próximo; o amor ao homem concretiza e determina o amor a Deus. O amor entre os irmãos (àquele que se cruza comigo e necessita de ajuda) é a condição imprescindível para se ser cristão.
Desde o início os cristãos tiveram bem presente esta verdade: “nisto conhecerão que sois meus discípulos, se vos amardes” (Jo 13, 35); “o que ama cumpre toda a lei” (Gal 5, 14); “ama e faz o que quiseres.” (Santo Agostinho); “ao cair da tarde seremos julgados sobre o amor” (S. João da Cruz).
No discurso hodierno dos cristãos por onde anda o amor? E a misericórdia? E a liberdade?

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Aniversário

Faz hoje uma semana que iniciei este espaço. Muitos amigos por aqui passaram e fizeram-me chegar as suas opiniões.
Nos meus amigos incluo a minha família, os meus colegas de faculdade, os muitos amigos das paróquias por onde passei, os meus ex-alunos e colegas professores. Para eles vai esta surpresa porque foram e são eles que me ajudam a carregar a vida.
http://www.youtube.com/watch?v=3pTUzTdPVgo

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

A dimensão sanante da fé?

Hoje li um artigo interessantíssimo no site do Jornal Público da passada segunda-feira. Um teólogo português, Miguel Farias, investigador da Faculdade de Teologia da Universidade de Oxford, publicou na última edição da revista Pain um trabalho de uma equipa de crentes e não crentes que demonstra que as pessoas com fé toleram melhor a dor do que as não religiosas.
A experiência consistiu em comparar a actividade cerebral de um grupo de doze crentes com outro de doze não crentes para ver como reagiam a estímulos dolorosos. Assim os dois grupos observaram durante trinta segundos um quadro de cariz religioso e de seguida, ainda com o quadro projectado, cada pessoa recebia na mão, durante doze segundos, uma série de impulsos eléctricos. Ao mesmo tempo era registada a actividade cerebral de cada paciente pela técnica da ressonância magnética funcional. O mesmo processo foi aplicado no visionamento de um quadro de cariz neutro.
Da análise dos registos cerebrais conclui-se que as pessoas religiosas apresentaram níveis mais elevados de actividade do que as outras, numa região do cérebro, o córtex pré-frontal, que tem a ver com os processos cognitivos, isto é, conscientes. "A sua experiência religiosa também foi afectiva, mas não só", frisa Miguel Farias, citado pelo jornal.
Mais interessantes foram as diferentes respostas de cada elemento dos grupos à questão sobre a utilidade das imagens para lidarem com as dores: os crentes sentiram, diante do quadro religioso, menos dores que os não crentes; e diante do quadro laico referiram níveis de dor comparáveis. “O que aconteceu, afirmam os investigadores, foi que as pessoas religiosas conseguiram diminuir a associação dor/sofrimento activando processos cerebrais que tornaram a dor subjectivamente mais suportável. O processo de crença religiosa altera o estado de consciência, neste caso a percepção da dor”.
Outras questões são levantadas no referido artigo que valem a penas ser lidas, basta ir o site http://www.publico.pt/.
Este post já vai muito longo mas não resisto em colocar, sem mais comentários, as imagens que serviram de estímulo à referida experiência.
Vergine Annunciate de Giovan Salvi. Século XVII
Dama do Arminho de Leonardo da Vinci. Século XV

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Há que nascer de novo (Cf. Jo 3)


“Margarida agora és uma nova criatura, estás revestida de Cristo. Esta veste cristã seja para ti símbolo da dignidade cristã. Conserva-a imaculada até à vida eterna”. Assim se dirigiu o sacerdote à minha nova (e única) afilhada pouco depois de lhe ter derramado sobre a cabeça o símbolo da Vida nova e ressuscitada de Cristo (a água), que o Pai lhe ofereceu muito antes que ela saiba sequer balbuciar a palavra pai.
Nessa hora veio-me à memoria a dignidade que trago em mim (e todos trazemos), fruto da absoluta liberalidade do nosso Deus que oferece a todo o Homem a Força que o faz vencer todo o egoísmo, a Vida que lhe oferece a eternidade e o Companheiro que lhe ensinará tudo.
Aos pais da Margarida (a Maria João, minha irmã, e o Ricardo) agradeço a sua escolha, numa altura em que alguns não me reconhecessem idoneidade cristã. Tentarei estar à altura, com a ajuda de Deus, de tão grande missão.

sábado, 18 de outubro de 2008

"Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus" Mt 22, 21


Esta frase tem servido para sublinhar a separação do poder político das questões de Deus como se a fé fosse simplesmente uma questão espiritual que nada tivesse a dizer sobre as relações humanas, a justiça do mundo, a vida prática das pessoas.
No entanto, não é assim. Se César tinha os seus direitos, quais os direitos de Deus, isto é, o que é que é de Deus? Melhor, se a moeda era de César porque tinha a sua imagem, quem é que tráz a imagem de Deus para poder reclamar por Ele como seu?
Cada homem e cada mulher trazem em si a imagem de Deus, por isso nenhum poder, nenhuma autoridade política pode exercer domínio sobre o Homem. Nem aqueles que se dizem voz de Deus na terra ou se sentem por Ele eleitos podem fazer do outro seu domínio, seja domínio de consciência seja domínio de acção. A dignidade de um homem ou de uma mulher não depende de nenhum senhorio humano nem de nenhuma lei por mais iluminada que ela possa parecer.
Por tudo isso, o político não pode nunca ser um domínio interdito ao crente, pelo contrário tem que ser o seu espaço de acção quando o Homem é humilhado, censurado na sua opinião, quando lhe é negada a sua subsistência, a sua liberdade de consciência, a sua autonomia, o seu direito a uma vida digna.
A crise económica que estamos a viver foi criada por aqueles que desvalorizam a força do trabalho duro como verdadeira origem da riqueza, que desvalorizam o valor da paciência para se criar um património e que preferem a riqueza rápida e não produtiva. Num tempo assim é urgente que o cristão se levante e diga que não podem ser os mais pequenos a pagar pelos pecados da ganância não produtiva, do tudo querer sem olhar a quem, do todos esmagar em vista de objectivos desumanos. Deus exige-nos que lhe demos a felicidade dos seus filhos mais predilectos: os deserdados, os pobres, os pais que temem o futuro, os trabalhadores que temem pelo seu posto de trabalho. E para esses não se falam de planos de recuperação.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Primeiro Passo

Começar é sempre difícil. Esses primeiros momentos de qualquer decisão são dos mais definidores de quem somos: se desistimos à primeira ou se nos levantamos as vezes necessárias para transpor o obstáculo; se nos desculpamos ou assumimos as consequências do risco; se nos revoltamos estilhaçando as palavras ou se confiamos em quem nos rodeia.
Neste primeiro olhar, avisto mais os dias que por aí se aproximam do que o que vai declinando. É que a Margarida (a minha sobrinha) será baptizada no próximo domingo e eu serei o padrinho.
São muitos inícios que me recordam descomplexadas palavras que um dia rezei com muitos:
Levanta o olhar
Sai das tuas certezas, dos teus esquemas envelhecidos,
Das tuas seguranças, rotinas, medos e intolerâncias.
Sai de ti mesmo!
Levanta o olhar e abre as tuas portas a quem chama e pede o teu amor.
Sê acolhimento, libertação, comunhão e esperança!
Oferece o teu amor e darás e terás razões para a alegria!