quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

O Tempo

Além dos encontros familiares e das celebrações religiosas, estas férias de Natal caracterizam-se por muito trabalho individual. Finalmente comecei a escrever a minha última unidade lectiva para os manuais de EMRC, organizo apontamentos para começar a estudar para os exames da faculdade e planifico o meu segundo período no colégio. Ontem tive reunião, no Porto, toda a manhã, com a equipa de elaboração dos manuais e à tarde regressei aos meus apontamentos sobre a Igreja, tema da referida unidade lectiva.

Neste último dia do ano, gostaria de deixar aqui uma pequena reflexão sobre o tempo. Os gregos tinham duas formas de falar de tempo: cronos e kairós. Cronos, na mitologia grega, é o tempo e a divindade que mutila o pai e devora os filhos, desligando-se do passado e dizendo não ao futuro, respectivamente. Assim, cronos é o tempo do momento, fragmentado, sem sentido, sem liberdade, sem história. O cronos é como esses não-lugares que pululam nas cidades: o átrio da estação por onde todos passam, mas que nada é como lugar de encontro, de urbanidade, de relações; as salas de espera de uma qualquer repartição de finanças ou loja do cidadão; essas praças centrais por onde todos passam mas ninguém se vê e permanece. Cronos é o tempo da solidão, do vazio, do isolamento na história e no mundo, onde nada acontece, onde tudo passa inexoravelmente. O passado não existe nem se lê nem se valoriza e o futuro é o que for, nada se aforra, nada se prepara, nada se espera. Por isso, é que o fim-de-ano me incomoda. Primeiro, porque parece que o Natal já era (e não, amanha faz oito dias que aconteceu e para os crentes ainda é dia de Natal) e depois e por isso, há que arranjar depressa outra festa, outra celebração porque não aguentamos o tédio que é viver e a percepção de que tudo passa tão depressa. Então lá surge este dia, como outros ou como o fim-de-semana, em que há que voltar a subir as sensações, as experiências, os êxtases para que as emoções à flor da pele nos impeçam de pensar os dias, olhar o tempo e procurar o sentido de um tempo que nos parece trazer presos na sua voracidade e circularidade.
O kairós é o tempo como momento oportuno, oportunidade, o tempo aberto à surpresa e ao mistério do outro em toda a sua originalidade e dramaticidade. É o tempo de Deus e do Homem, o tempo do Natal e da Páscoa, o tempo em que se assume o que se foi, é e perspectivasse e constrói-se o que se será. O kairós é o momento de fazer o amanhã, aprendendo com o ontem. É o tempo como local de salvação, isto é com sentido e não à deriva. É o tempo não como prisão, mas como oportunidade a ir mais além.
Assim, entro no novo ano com uma tranquilidade absoluta e uma esperança resoluta no futuro. O que será 2010? Uma oportunidade à vida e ao outro. O resto serão acontecimentos com que tentarei ler e significar a história. Como vou passar o ano? Com aqueles que mais me são significativos porque o tempo é lugar de encontro e de partilha. E não algo que se consome e me consome. Deixa marcas? Ainda bem, são sinal de vivi e vivo a vida...
Um bom 2010.

segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Sagrada Família de Jesus, Maria e José

Que pode a família de Nazaré dizer às famílias de hoje? Que sinais orientadores encontramos neste Evangelho, conhecido pela perca e encontro do menino Jesus no templo de Jerusalém?
Um grande sinal: um filho é sempre desconcertante. Para os pais e para o mundo. Sei que o texto é uma construção de Lucas que já nos apresenta Jesus como sinal de contradição entre o poder religioso e o poder paternal e prenúncio da relativização que Jesus fará da família carnal, diante da possibilidade da abertura à família humana (Quem são a minha mãe e os meus irmãos? Aqueles que escutam a Palavra de Deus, dirá Jesus). Mas, penso poder dizer que Jesus é o iluminador da família cristã actual, na medida que consiga fazer passar no seu seio dois valores fundamentais: a liberdade e o saber viver como irmãos.
A liberdade que nos vem de Jesus é a liberdade que não se deixa manietar pela incompreensão e o fechamento à novidade das estruturas de poder que nos rodeiam socialmente. A família também pode ser uma ignóbil e injusta estrutura de poder se servir de abrigo a violências, a injustiças, a descriminações, a manipulações psicológicas, à perpetuação de estratificações sociais e económicas. Por vezes, na justa ânsia de defender a família temos tendência em ocultar dramas e prisões que ela muitas vezes legitima. Na família inspirada pela família de Jesus a liberdade de quem sabe que existem valores maiores que a carne e o sangue leva a que vejamos todo o outro como irmão e, por isso, aquela família será sempre um espaço de liberdade e de encontro voluntário, onde todas as diferenças têm lugar, tal como (deveria ser) a Igreja de Cristo.
O caminho dos filhos nem sempre coincide com o dos sonhos dos pais. Nem com o que a sociedade tinha estipulado. Assim, também o de Jesus. E isso, hoje, tal como então, provoca incompreensão ("Mas eles não entenderam as palavra que Jesus lhes disse"). A questão está em saber como agir com tal incompreensão. E aí Maria e José dão-nos mais uma lição: diante do mistério maior que temos entre mãos (um filho) só temos que o acompanhar a crescer, transmitir serenamente o que acreditamos e deixar que cresça em autonomia pessoal, intelectual e espiritual. E que cresça com e nunca contra.
Assim, a partir do evangelho de hoje, a família cristã deve ser um espaço que promove a autonomia adulta, a liberdade responsável, o compromisso social pelo outro e a abertura à novidade misteriosa que é cada ser humano. Só se assim for, vale a pena lutar pela tão referida família.

domingo, 27 de dezembro de 2009

Mãe

Por feliz coincidência, este ano, o dia de aniversário da minha mãe calha neste domingo da Sagrada Família (amanhã colocarei aqui o meu comentário ao Evangelho) o que me provoca imediatamente algumas reflexões, que aqui deixo com todo o meu ser.
A minha mãe é a nossa família: por ela existimos, com ela crescemos, graças a ela ganhamos vigor, educação, um curso, um lugar na sociedade; à sua volta nos reunimos, é ela, por ela e com ela que nos juntamos, enfim se somos família foi e é porque ela nunca nos abandonou, mesmo quando não nos compreendia, mesmo quando a fazíamos sofrer, mesmo quando contrariávamos a sua vontade e os seus sonhos. Nós não somos uma sagrada família, longe disso, mas Ela é sagrada para a nossa família.
No Evangelho de hoje, Maria vira-se aflita, triste e até zangada para o seu filho fugidio e pergunta-lhe: "Filho, porque procedeste assim connosco?" A nossa mãe quantas vezes o disse a cada um de nós? E disse-o na primeira pessoa do singular porque nos ergueu só e corajosamente singular. Quantas vezes nos vem à memória as muitas vezes que a fizemos chorar solitariamente e sofrer com uma dignidade típica das mães? E melhor: quantas vezes a vimos e a vemos a reerguer-se quando já ninguém esperava e confiava na sua força, na sua capacidade de erguer a cabeça diante da sociedade, quando já ninguém suspeitava que tivesse lucidez e vontade para voltar a começar. Neste último ano, observamos como ela consegue viver diariamente sozinha, pela primeira vez em quase 40 anos, e, surpresa, consegue-o com uma garra, uma vontade e uma profunda confiança em si e na nossa companhia, reagindo vigorosamente às contrariedades.
E nesta solidão percebo o Evangelho quando diz que Maria "guardava todos estes acontecimentos no seu coração": assim vejo a minha mãe, no entardecer dos dias, por vezes suspirando por um mero telefonema dos filhos, a recordar (trazer ao coração) como era cada um de nós ao seu colo, como reagia cada um de nós ao seu chamar, como tudo começou, como nos criou a todos, trazendo à memória centenas de histórias em que partilhamos protagonismo com ela e como chegou agora a um tempo em que parece que é ela que está dependente dos filhos. Mas não. Cada dia que passa, mais te queremos agarrar, proteger, fazer parar o passar inexorável do tempo porque sentimos e sabemos que somos nós que não sabemos viver sem ti. Não te esqueças, quando nasci já tu vivias há muito. E vivias sem nenhum de nós. Nós é que não sabemos viver sem uma mãe. Nunca assim vivemos. E, quando um dia aprendermos a viver sem ti, foi sempre graças a tudo o que nos ensinaste.
Por tudo isto, estás e estarás sempre de parabéns.

sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

Dia de Natal 2009


No coração do mundo como um fogo. No íntimo de cada um de nós em favor de todos. Um Significativo dia de Natal para todos.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Natal 2009

Eis chegada a hora de Maria e de José. Em obediência à vontade imperial de ver inscritos todos os súbitos, Maria e José vão proporcionar todas as condições possíveis para que Deus inscreve-se para sempre a sua decisiva marca na história. Quando o imperador espalhava a sua pax romana assente na força, no domínio, no poder, eis que Deus sorrateiramente propõe, por Maria e José, a sua forma de construir a paz. Na obscuridade da noite judia, longe das cidades onde as luzes humanas dispensam a luz interior e abafam convenientemente todos incómodos choros infantis, Deus aproximou-se dos pobres e cercou-os de luz ("O Anjo do Senhor aproximou-se dos pastores e a glória do Senhor cercou-os de luz"), graças a Maria e José. Graças a estes dois loucos de amor e de fé um pelo outro eis que Deus nos diz como andamos enganados: não, não sou um Senhor, mas um menino; não, não quero temor, mas carinho; não, não me ergo sobre o Homem, mas dele necessito para me tornar realidade vivente no mundo; não, não nego a humanidade, mas sou humanidade e o caminho para Deus é a humanidade.
Nesta noite, não estamos de esperanças, somos a esperança porque Deus oferece ao Homem o único caminho para a paz, para a luz, para uma nova história com sentido. Só depende de nós, de cada um de nós que Ele nasça hoje e sempre à nossa mesa, no nosso lar, no nosso trabalho, na nossa terra, na nossa paróquia, na nossa oração, na nossa vida. Este é o meu lema para esta noite: Ele precisa de ti para nascer Hoje. Dores? Sacrifícios? Lágrimas? Stress? Tudo isto são dores de parto que antecedem a alegria de erguer nos braços a razão e o sentido das nossa decisões, dos nossos passos, do nosso amor, do nosso viver.
Um santo Natal para todos os que daqui se abeiram. Deixem-se cercar e cerquem os outros daquela Luz.

quarta-feira, 23 de dezembro de 2009

Gestos

Finalmente me abeiro desta janela sobre os dias. Foram dez intensos dias que apanharam toda a terceira semana de advento (Gestos) e o início desta quarta semana de advento que amanhã, pela meia-noite, se encerrará com a celebração do nascimento de Jesus. Foram dias carregados de reuniões de avaliação (bons resultados os dos meus alunos. A maioria está de parabéns à minha disciplina e às outras) e, principalmente de gestos manifestadores daquela presença tão viva como tão discreta do amor encarnado do nosso Deus, Jesus. É da enumeração desses gestos que caíram tão fundo e tão fertilmente na minha vida que constará este post.
Na segunda-feira, dia catorze de Dezembro, começamos as orações de advento para os alunos do segundo, terceiro ciclos e secundário na capela de colégio. Sobre o lema Estar de Esperanças, cada turma, na hora lectiva de EMRC, sentou-se no chão, leu a Palavra de Deus, rezou com Santo Anselmo e S. Tomás de Aquino e reflectiu sobre o tesouro que trazem em si, para salvação do mundo. Foram momentos emocionantes, íntimos e reveladores que as novas gerações não estão tão insensíveis às vozes do espírito (sempre o soube, o disse e assim agi). Foram os seus gestos comprometidos que me encheram de esperança. Obrigado alunos de EMRC.
Na terça-feira seguinte não esqueço o gesto do aluno Luís Costa, que faz parte do grupo que prepara no colégio o encontro ibérico de Taizé, que me deu generosamente e mal me conhecendo, a ouvir (ainda não parei, desde então) o novo cd dos Muse, The Resistance, de que brevemente aqui terei que falar. Foi um gesto gratuito que me encheu de admiração. Obrigado Luís.
Na quarta-feira vivi esse momento anual inesquecível e carregado de história(s) que é a ceia de natal dos estagiários de Santo Tirso, presidida por essa figura inigualável (um pai para mim) que é o Padre Celestino Ramos. Mas essa noite ficará marcada para sempre pelas palavras que o meu amigo padre José Nuno, dedicado e magnífico capelão do hospital de S. João, me presenteou num livro em que faz o seu testemunho sacerdotal. Escreveu ele: Fernando Mota, a vida muda-nos, mas o essencial permanece. Não consigo dizer muito mais, apenas que este gesto de comunhão me encheu de grato orgulho por partilhar, com tão grande fé e ministério, o essencial. Obrigado Nuno.
Na quinta-feira, como sempre neste primeiro período, pelas 8,10h lá me dirigi para a capela do colégio para rezar as Laudes com os alunos que assim o desejem (são sempre mais de duas dezenas deles). Para minha surpresa, tinham organizado o espaço e a oração de maneira diferente, significando assim as nossas últimas Laudes em conjunto de 2009. Tudo por sua livre iniciativa. Devia-lhes ter aberto o meu coração e agradecer-lhes o serem meus companheiros de caminho. Não consegui, mas daqui lhes digo: esse vosso gesto de fidelidade e compromisso rejuvenesce a minha resposta diária ao Pai. Obrigado companheiros de oração.
Ainda nesse dia, o meu grande amigo José Rui ofereceu-me um lindíssimo presépio e um fortíssimo abraço tão sentidos que só fui capaz de suster as lágrimas porque este gesto de amizade profunda me encheu de um sentimento de gratidão tão grande como de tão consciente indignidade da minha parte por ser alvo de tanto. Obrigado José.
Na sexta celebramos a Eucaristia com os alunos do segundo ciclo: simples, mas participado; ritual, mas significativo; uma aposta ganha pelo entusiasmo criado em todos. Ainda na sexta e no sábado, por entre reuniões de avaliação, foi-se solidificando um sentimento de que falarei daqui a pouco.
No domingo, a minha mãe convidou-me para almoçar e de tarde fomos, com os meus tios Luís e Té, à Casa da Música ver o concerto de Natal da Orquestra Barroca e do Coro da Casa da Música que interpretaram temas de Purcell e o Dixit de Haedel. Foram mútuos gestos de carinho familiar que me enchem de segurança e felicidade. Obrigado a todos.
Ontem, fui o debutante da ceia de Natal do Colégio. Ao longo do dia fui sendo presenteado por colegas que vencendo a minha timidez e o desconhecimento de quem sou, sem nada perguntarem e nada esperarem, me acolheram como um com eles. E esse foi o grande gesto que fui sentindo ao longo destes dias e que ontem se ergueu festivamente, na referida ceia: ser acolhido. Quem não gosta de ser acolhido? Reconhecido? Reabilitado? Foram palavras, sorrisos, gestos, pequenas lembranças, trabalho, alimento e bebida partilhados que me encheram de uma vontade tão indomável como inexprimível de os abraçar a todos e a cada um com um pobre, mas sentido obrigado. Só quem já esteve por terra compreenderá o valor de uma mão estendida...
Caro leitor, se aguentou heroicamente até aqui, compreenderá facilmente donde me vem a confiança tão enraizada de que o Senhor vem todos os dias pelos gestos humanos dos outros. Neste final de advento presenteado por tantos e tão diferentes só posso erguer os braços para o Pai e balbuciar-lhe: Tudo é dom teu.

domingo, 20 de dezembro de 2009

4ª Semana de Advento: Ao Encontro

Neste domingo contemplamos duas mulheres de esperanças: Isabel e Maria, mas Maria é o protótipo do advento cristão. Para o perceber coloquemos estas duas mães em paralelo: uma habita uma cidade de Judá, perto da capital e do templo, a outra habita numa cidade da Galileia, mais perto dos gentios; a gravidez de uma é anunciada no templo a Zacarias, o anúncio, a Maria, é feito directamente à mãe, ainda em Nazaré; uma fica grávida e permanece recolhida em sua casa, enquanto Maria coloca-se entusiasmada e rapidamente a caminho da casa de Isabel, como quem anuncia uma grande notícia que pede generosidade. Isto é, Maria já age como um discípulo, já age como o verdadeiro discípulo de Jesus (anuncia e serve) e, por isso, será bendita porque acreditou em tudo o que lhe foi dito da parte do Senhor, diz-lhe Isabel. Aqui se encontram as atitudes básicas do advento cristão: acreditar na Palavra, esperar no Senhor e sair ao encontro do outro. É uma fé e uma esperança activas, desinstaladoras, não rotineiras, nem individualistas, nem inconsistentes, mas companheiras do Homem concreto de hoje.
Nesta última semana de advento, tal como a grávida prepara, ansiosa e e entusiasmada, tudo para o primeiro encontro com o seu filho, nós somos chamados a ir ao encontro dos presépios vivos e actuais das nossas terras, aldeias, cidades, empresas, escolas, famílias, etc. A ir ao encontro do outro, que também é o que partilha a mesa da consoada connosco. E vamos para seguir o exemplo de Maria: cheia de Cristo, grávida de dias, com todos os riscos que isso implicava, bem como ir para a montanha, ela parte ao encontro do irmão e lá chegada saúda e louva a Deus. Que trajectos teremos esta semana? Caminharemos para onde? Por onde se lançarão nossos passos? E lá chegados saudaremos, abençoaremos, louvaremos e contagiaremos todos de alegria?
Estamos grávidos de Jesus. Somos seus portadores. Estamos a caminho do outro. Com ele nos sentaremos à mesa. Nascerá ele dos nossos gestos, palavras e celebrações? Como saberemos? Se saltarem à nossa volta de alegria, como João, no seio de sua mãe. Contagiemos de vida o mundo das trevas... Mas contagiemos, não con anátemas, mas com saudações abençoadamente proféticas.

domingo, 13 de dezembro de 2009

3ª Semana de Advento: Gestos

Recordo que neste advento estamos de esperanças, isto é temos seguido a nossa reflexão como se estivéssemos a viver uma gravidez. De facto, estamos grávidos de Cristo desde o nosso baptismo; trazemos em nós o próprio Jesus e o mundo anseia pelo seu nascimento definitivo e sofre as dores do parto ansiando essa alegria completa. O advento ensina-nos a aprofundar a esperança que nos faz senti-lO junto a nós, mas, ao mesmo tempo, ainda tão distante.
Nesta terceira semana, seguimos a mãe já na passagem do segundo trimestre da sua gravidez para o terceiro trimestre. Duas constantes ganham forma nesta fase: a vida que traz dentro de si manifesta-se de forma bem evidente (está praticamente toda formada e já se sente a mover-se e a dar pontapés) e os que se cruzam com a mãe já a reconhecem como uma grávida porque o volume da sua barriga assim o denuncia. Nesta fase, não só se torna pública a vida em gestação como também já são necessárias mais preparações para o grande dia.
Assim, para esta terceira semana de advento proponho como lema: Gestos porque o que pedem a João Baptista são acções (Que devemos fazer?) e a brevidade do nascimento pede-nos actos concretos.
O que o evangelho desta semana nos pede é que tornemos a nossa gravidez cristã, as raízes da nossa esperança e da nossa alegria bem visiveis no mundo. Não podemos ocultar nem silenciar esta vida que trazemos em nós cada vez mais viva e formada. E porque não podemos esconder a luz debaixo do alqueire nem calar a alegria que brota por O sentirmos dentro de nós, só podemos fazer a pergunta que faziam as pessoas que se deixavam tocar pelo profeta João, nas margens do Jordão: Que devemos fazer? Como mudar o mundo e como mudar a nossa incapacidade para a conversão? Como transformar a terra que caminha para a catástrofe? Como ignorar a nossa capacidade para uma justa redistribuição da riqueza? Como aceitar que ainda hoje existam tantos presépios humanos de miséria e abandono? Nós, os de esperanças não podemos achar que nada há a fazer, não desistimos nem caímos na impotência de dizer: o que podemos nós, tão pequenos, fazer. Não, nós os cristãos não vamos por aí. Pelo contrário perguntamos ao profeta radical: Que devemos fazer?
E se no evangelho a pergunta foi feita por três grupos diferentes (multidões, cobradores de impostos e soldados), proponho que nos sintamos esses três grupos porque, na verdade, eles estão vivos em nós: somos a multidão, mexemos com o dinheiro (publicanos) e temos sempre posições de poder (soldados). Assim, os que vivem de esperanças também têm um código ético, não porque está escrito em tábuas da lei, mas porque a vida que trazemos em nós depende desses gestos éticos para vingar, para iluminar, para se fazer ouvir e para se tornar uma realidade hoje no mundo e na história que são os nossos.
Esse código é simples: o que tem "duas túnicas reparta com quem não tem nenhuma e quem tiver mantimentos faça o mesmo", isto é o cristão partilha, não acumula, sente que se tem a mais é para ter a oportunidade para dar, sabe que o que tem é tudo dom para se fazer de novo dom. Vós que mexeis no dinheiro: "não exijais nada além do que vos foi prescrito", isto é não procureis lucros fabulosos sempre à custa de perdas terríveis para os outros; não chantageeis, não exturcais, não exijais do dinheiro aquilo que ele não pode dar. Vós que exerceis algum poder: "não pratiqueis violência com ninguém nem denuncieis injustamente; e contentai-vos com o vosso soldo", isto é patrões, gerentes, chefes de produção, chefes de pessoal, etc. que a vossa conduta e as vossas palavras não humilhem, não firam, não sejam agressões; pais, professores, médicos, juízes, forças policiais, etc. procurai a verdade que ergue, a justiça que dignifica, a dignidade daqueles que estão nas vossas mãos com amor; colegas de turma e de faculdade, companheiros da noite e da festa, amigos de longa data nunca deixem que a presunção e as diferenças sociais, intelectuais e ideológicas provoquem superioridades e inferioridades.
Tal como a grávida espraia vida e não só sente os gestos dessa vida, como também tem gestos que preparam a libertação dessa vida, nós os crentes, para que a vida que trazemos em nós se torne credivel, visivel e santificadora, temos que ter gestos de dignificação do outro e de promoção do outro. O caminho da esperança é a justiça. O caminho para Jesus é a dignidade do outro.

Que devo fazer, Senhor?
Diante da grandeza problemática do mundo e da minha insignificância,
Diante da sedução do ter e da minha fragilidade,
Diante dos critérios do poder e do sucesso e da minha vontade de os seguir,
Diante da boa onda do superficial e da minha vontade em estar na moda,
Diante do ruído que distrai e da minha vontade em permanecer descomprometido,
Diante da azafama destes dias e da minha incapacidade em os organizar.
Que devo fazer, Senhor?

Senhor, tal como a mãe espera que tudo corra bem com o seu filho escondido no seu seio,
Assim eu me entrego a ti na esperança que sejas o oleiro dos meus dias
o guia dos meus passos
a luz nas minhas trevas
a Palavra no meio das palavras
a pá que limpa e joeira a eira dos meus dias atulhada de tanta coisa sem valor.
Senhor, ajuda-me a fazer o que devo para tu vivas e cresças no mundo.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O Regresso de Mafalda

Hoje, a uma semana do final da Cimeira de Copenhaga sobre as alterações climáticas, que como todas estas cimeiras parece ir dar em muito pouco, decidi regressar à minha amiga Mafalda. Aqui deixo mais duas tiras como sempre oportunas.
Bom fim-de-semana.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Uma Bela Peça de Teatro

Ontem, à noite, fui ao Teatro Nacional de S.João ver a peça de Gil Vicente, Breve Sumário História de Deus, encenada magistralmente por Nuno Carinhas. Naquela bela sala já vi grandes momentos de dramaturgia, mas nunca tinha assistido a uma encenação do novo director, Nuno Carinhas que, respeitando o texto original do grande dramaturgo português, fez vir ao de cima a profunda formação espiritual e teológica do seu autor, bem como a sua aguda visão sobre a humanidade e a sua história que é de salvação.
O espectáculo é magnífico e altamente recomendável. Diria que é imperdível, num tempo em que parece que a discussão sobre Deus se vai, progressivamente, impondo. Parece-me que para o seu encenador, a questão não é de menor importância nem um exclusivo de especuladores filosóficos, pelo contrário é uma questão onde se joga uma outra feita por Primo Levi, depois da experiência dos campos de concentração nazis: O que é o Homem? Não será por acaso que toda a peça se desenrola, numa espécie de dormitório judeu, naqueles campos da morte. Parece claro que o mundo é o local da história de Deus, da história do Homem. Da história de uma relação.
Gostaria de destacar diferentes momentos, mas vou terminar porque tenho escrito textos demasiado longos, mas não posso deixar de citar um dos textos que o encenador, em feliz hora, acrescentou à peça: um poema de Ruy Belo, penso que declamado pela personagem de Adão, que entrega a Cristo a cruz redentora de toda a espécie de homens. É uma texto de advento (tal como toda a peça que nos lê cristãmente o tempo como kairos, isto é tempo de salvação, de oportunidade, não de prisão cíclica nem de destino amaldiçoado), em que se reafirma este hoje que é onde Deus habita... connosco.

Amei a mulher amei a terra amei o mar
amei muitas coisas que hoje me é difícil enumerar
De muitas delas de resto falei
Não sei talvez eu me possa enganar
foram tantas as vezes que me enganei
mas por trás da mulher da terra e do mar
pareceu-me ver sempre outra coisa talvez o senhor
É esse o seu nome e nele não cabe o temor
Mas depois deste sonho sou obrigado a cantar:
Eis que o senhor está neste lugar
Porquê não sei talvez uma pequena haste balance
talvez sorria alguma criança
Terrível não é o homem sozinho na tarde
como noutro tempo de esplendor cantei
Terrível é este lugar
Terrível porquê? Não sei bem
Talvez porque o senhor pisa esta terra com os seus pés
(lembro-me até que mandou tirar as sandálias a moisés)
Levanto os dois braços aos céus
Aqui - mulher terra mar -
Aqui só pode ser a casa de deus.

segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Um texto para ler e meditar

Abeiro-me esta manhã daqui, para deixar ainda com as mãos trémulas um maravilhoso texto de um homem de fé, António Lobo Antunes, na verdadeira acepção da palavra. É um pouco longo. Se não tiverem tempo, leiam quando tiverem. E saboreiem as palavras. Que belo início de semana em advento.

De profundis

O meu pai tinha quatro irmãs mais novas e um irmão que morreu pequenino, de meningite, por volta da idade em que tive essa doença. Parece que comecei com muita febre e horas depois estava em coma. Inexplicavelmente sobrevivi. Há de certeza pessoas que, pelo que vou dizer, me acharão tonto, mas ninguém me tira da cabeça que Santo António me salvou. E lá me levaram, aos sete anos, a Pádua, tocar no túmulo do Santo e fazer a primeira comunhão. A minha relação com Deus tem sido sempre tumultuosa, cheia de desacordos e discussões: longos períodos em que me afasto, alturas em que me aproximo, amuos, quase insultos, discussões. Creio firmemente que, nos livros que escrevo, é Ele que guia a minha mão e não passo de um instrumento da Sua vontade. Quantas vezes me vem à cabeça aquele pequenino poema de Sebastião da Gama: a corda tensa que eu sou o Senhor Deus é quem a faz vibrar; ai linda longa melodia imensa: por mim os dedos passa Deus e então já sou apenas som e ninguém se lembra mais da corda tensa. É que não escrevo assim tão bem, trabalho sem plano e quase me limito a assistir ao que vai ficando no papel. O meu único mérito é fuçar o dia todo, até ser apenas som. Componho-os numa espécie de febre, no fundo de um abismo em que me perco, cego e surdo, não resultam nunca de uma deliberação mental, um propósito, um plano definido. Não concordo com Jean Daniel, quando afirma que a única desculpa de Deus é não existir: há alturas em que o sinto tão fortemente em mim, alturas em que o sei tão longe. O cancro, por exemplo: o Henrique, que é um homem de Fé, diz que me salvei porque nasci com um sistema imunitário fenomenal. Palavras dele. No meu modesto entender esse sistema imunitário fenomenal tem um nome, e esse nome entendeu que eu ainda era necessário aqui. Para escrever, julgo, porque fora dos livros nada valho: os meus defeitos e as minhas imperfeições são enormes. Tão inteligente para umas coisas e tão estúpido para outras, espantava-se a minha mãe. Aborrece-me admitir que é uma excelente definição do António. Nunca fui uma criatura estruturalmente má: na verdade não passo de um aselha, um parvo, incapaz de lidar com as coisas mais simples do quotidiano, um imbecil desamparado. Se os meus amigos não tomassem conta de mim com tanto desvelo não estava aqui a escrever isto, pedia esmolas nos semáforos. Regressando ao princípio o meu pai teve um irmão que morreu pequenino, de meningite. Contou-me certa vez uma coisa que não esqueci nunca: era criança e tinha ido com o pai buscar os exames do irmão. Meningite tuberculosa, sentença de morte. Vieram para casa com o meu avô a guiar o automóvel, e o meu pai, sentado ao lado do meu avô, via as lágrimas descerem pela cara impassível. Todos os dias, na esperança do filho se salvar, a minha avó ia a pé das portas de Benfica à capelinha da Senhora da Saúde, o que nessa época, e com o estado das ruas de Lisboa, exigia um esforço enorme. Depois dos meus avós morrerem as minhas tias encontraram toda a roupa do irmão guardada num armário: não foram capazes de se desfazer dela, não quiseram desfazer-se dela. Já nenhuma das pessoas de que falei se encontra neste mundo: os meus avós, o meu pai, as minhas tias. Sobro eu e, em certo sentido, enquanto cá estiver eles continuam. Para quem pensam que escreve o imbecil desamparado? Para as lágrimas de um homem pela agonia do filho, para uma mulher a caminhar diariamente quilómetros na esperança de que Deus o curasse. No jazigo dos meus avós lê-se

Ao nosso Antoninho

e, de vez quando, vou lá às escondidas. Podem pensar na minha cretinice, não me rala, sinto-me bem junto deles. Os meus livros são isso: as lágrimas daquele homem, os passos daquela mulher. No caso de se aproximarem mais das páginas é o que realmente verão, em lugar de palavras impressas. E talvez vejam também o cretino a espreitar, comovido, pelas grades da porta.

domingo, 6 de dezembro de 2009

2ª Semana de Advento: A Realidade

O Evangelho deste segundo domingo do Advento começa com uma aparentemente simples informação geográfica e política do início da pregação de João baptista. Nessa informação aparecem os nomes dos grandes daquele tempo: o imperador Tibério, em Roma, o seu procurador Pilatos, em Jerusalém, os filhos de Herodes, o grande, governadores do norte e do leste da Palestina e "amigos" do império e, claro, o poder religioso de Anás e Caifás, também ele comprometido com o império. Ora, é neste contexto histórico que Deus se manifesta. Deus não é um ser impávido e fora do tempo, distante e esquecido do homem. A sua encarnação é histórica e autêntica. Tem um espaço e um tempo. É no meio do homem.
Mas aquela informação diz-nos algo mais: Deus e a sua palavra não passam pelos poderosos nem pelos locais mais "in" da política, da economia e do social. Deus passa ao lado do centro do mundo, Deus não se revela nos grandes, dos que ofuscam o Seu brilho, o brilho da sua estrela, com os holofotes da fama, do domínio e do sucesso. Jesus aí não está nem vem. Assim, lemos que a palavra de Deus foi dirigida a um pobre e louco João, perdido, lá, longe de tudo, onde as riquezas só pesam e atrasam: no deserto distante. E aí, onde só vai quem se sente atraído pela Palavra, ouve-se uma voz: Preparai o caminho...
Proponho que regressemos ao lema deste advento inspirado na mulher grávida: Estamos de Esperanças.
Depois da "Surpresa" da semana passada, chegamos hoje à "Realidade". A realidade de que a Palavra de Deus hoje nos dá notícia é de que o Senhor não está nem em Washington, com Obama, nem em Pequim, Moscovo ou Bruxelas. Não aparece nem nos índices bolsistas de Wall Streett, Tóquio ou Londres. Muito menos faz parte das listas dos famosos de Hollywood ou dos rankings dos mais poderosos da Forbes. A palavra de Deus passa mais uma vez ao lado dos holofotes mediáticos e políticos, para se anichar, como o bebé em gestação no seio da sua mãe, na vida de cada um de nós pretendendo que lhe dediquemos todas as atenções. Tal como a mãe, depois da surpresa inicial, vai retomando as suas lides habituais, sem nunca deixar de estar atenta aos sinais do seu bebé em débil e periclitante crescimento e já preparando algumas coisas para o novo ser que vai sentido em si. Nós os cristãos, grávidos de Cristo, depois da surpresa de nos sabermos portadores de Jesus para o mundo e sentindo que a sua vida em nós é ainda tão pequena, em tão lenta formação e que nos causa ainda tantas náuseas a amarguras, vamos retomando a nossa vida, pressionados pela sociedade e pela crise, mas sempre atentos e em acção para não deixarmos que montes de discórdia se ergam, vales de desigualdade se aprofundem, caminhos tortuosos nos distraiam.
A esperança que temos vem desta realidade: Deus escolhe o mais simples, o mais incomum, o mais silencioso, o mais imponderável para vir e se tornar presente. Foi assim com João baptista, foi assim em Belém, é assim hoje. A grávida sente que traz em si o centro do mundo (mas, meu Deus, como é tão pequeno, indefeso e dependente de tanto)! e, por isso, tudo faz para que ele vingue, desenvolva e fortaleça. Deus escolhe-nos, não porque sejamos os melhores, mas, pelo contrário, porque somos o sítio mais improvável (meu Deus, quem sou eu para que me chames a ser teu!?) para Ele vingar, desenvolver e fortalecer a esperança dos homens num mundo novo. Nesta semana que a nossa "gravidez" seja profética e propiciadora de um novo Caminho. Não num sítio imaginário, mas na Realidade.

Preparai o caminho do Senhor e endireitai as suas veredas: Ajudai-me, Senhor, a ser um bom caminho, um atento guia e um fiel companheiro para todos os que comigo se cruzam.

Toda a ravina será preenchida: Ajudai-me, Senhor, a não fazer distinções entre amigos e pessoas por terem menos posses, por terem menos sucesso, por não partilharem os meus gostos que eu, por não viverem a mesma fé, por não terem um estilo de vida que eu considero o mais certo e digno. Ajuda-me a lutar contra as desigualdades.

Todo o monte e colina serão abatidos: Ajudai-me, Senhor, a deitar abaixo a arrogância, a ambição desmedida, a auto-suficiência que me faz ver os outros ou como rivais ou como objectos.

Os caminhos tortuosos ficarão direitos e os escabrosos tornar-se-ão planos: Ajudai-me, Senhor, a ser carinhosamente verdadeiro e a ser filho, amigo e trabalhador sem qualquer espécie de fingimento.



sábado, 5 de dezembro de 2009

Escolhas

Podem não acreditar, mas cheguei há pouco a casa. Tem sido assim toda a primeira semana de advento: muitas solicitações externas, já algumas compras natalícias, o trabalho a acumular-se na secretária e pouco espaço para partilhar os meus dias, nesta janela sobre o (meu) mundo. Alegra-me que vá cumprindo com as responsabilidades assumidas e que muito do meu tempo fora de casa tenha sido vivido em convívio familiar e amigo. E isso é o mais importante.
Deixo aqui uma notícia curiosa que me chegou pelo site do secretariado da pastoral da cultura. O MySpace pediu a várias personalidades para contribuírem com as suas «playlists» para o MySpace Music. Este novo site, que foi lançado no dia 3 de Dezembro no Reino Unido, faz «streaming» de músicas e vídeos, sendo totalmente financiado por publicidade. Na contribuição do Vaticano, compilada pelo Pe. Giulio Neroni, podem encontrar-se artistas tão variados como Mozart e os Muse. E aqui é que queria chegar. Sou há muitos anos uma apaixonado pelos Muse: rock(?) original, trabalhando diferentes influências e numa constante reinvenção da sua música. Fico abismado e orgulhoso que no Vaticano se admire música tão alternativa (?), mas tão significativa para tantos. Também por aqui se pode e deve dialogar com o mundo de hoje. A música escolhida pelo padre Giulio foi Uprising do último álbum que ainda não ouvi com atenção: Resistance.
Como estamos em tempo de esperança e de fortalecermos resistentemente o nosso acreditar em que é possível, juntos (Deus e o Homem), fazer nascer um novo mundo que, estando há mais de dois mil anos em gestação, nos chama agora, a nós cristãos da última hora, a um protagonismo fraterno e corajoso, para que cada vez mais se torne realidade. Por isso, deixo aqui Invincible dos Muse. Porque só juntos, Homem e Deus, somos invencíveis. Sim, parece que estou a abusar do sentido da letra da música, mas uma obra de arte é-o porque está sempre aberta a todas as leituras. Aqui fica a minha, nesta adoptada música de advento. Um bom domingo.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

Advento

Proponho que neste advento coloquemos de lado aquela forma infantil de o descrever e de o propor como vivência: preparar o nascimento de Jesus, como se Ele já não tivesse nascido, como se Ele não caminhasse todos os dias ao nosso lado, como se Ele não fosse uma realidade hoje, no nosso mundo. O advento não é preparar o natal. Para isso, as tradições e a pressão social já nos empurram. Então, para que é o advento?
Para aprofundar diferentes dimensões da proposta de vida cristã que, por vezes, com o passar dos dias, se vão diluindo e dissolvendo. Este ano centro a minha reflexão na Esperança. Não aquela esperança resignada à espera de dias melhores. Não aquela esperança do jogador do euromilhões que acha que esta semana é que vai ser. Não aquela esperança da criança que anseia ser grande, do adulto que sonha sentir-se realizado ou do velho que pede um pouco mais de repouso. A esperança de que falo é a esperança cristã que é diferente porque é animada por uma certeza: já está em realização, isto é Jesus - a nossa esperança - já está no meio de nós, é connosco, habita em nós.
Por isso, a proposta sobre a esperança terá que ser a partir daquelas que esperam naquele e com aquele que já é uma realidade: as mães. Elas esperam algo que já é vida, que já está em crescimento, que já está em caminho no mundo, que já estabelece relações pessoais com os outros no mundo, que já é presença. Ora, é idêntica a esperança do cristão. Também nós esperamos activamente que Jesus se afirme na vida e no coração dos homens de uma forma plena, que nasça no mundo. Mas o que é certo é que Ele já está no meio do mundo, no coração dos homens. Ele já está em crescimento, em gestação no seio do anseios da humanidade que espera por tempos de paz, justiça, fraternidade, amor. O tempo que vivemos é um tempo grávido de Cristo e este advento ajuda-nos a perceber os movimentos de Deus na história e impele-nos a agir para que Deus se fortaleça e se torne realidade na nossa história. Para que nasça.
Assim, o meu lema deste advento é Andar de Esperança porque, tal como a grávida traz em si o seu filho vivo, cada cristão traz em si Jesus de Nazaré. E por isso, tem que estar atento à sua presença, ao seu crescimento dentro de si, aos seus movimentos, aos seus pontapés que avivam a vida de cada dia e que nos falam da sua presença viva. O cristão tem que estar atento à suas opções para não deixar que este menino que traz em si não desfaleça por falta de cuidados, atenção e carinho. O cristão tem que estar sempre alerta para ao primeiro sinal não deixar de acolher alegremente a vida como um dom.

Esta primeira semana de advento tem como lema: A Surpresa. A surpresa de Maria diante do anúncio incompreensível do anjo, diante do sentir-se grávida de Deus, diante da simples percepção de gerar em si a esperança do mundo. A mesma surpresa da mãe que recebe a notícia de que está grávida, notícia que tudo transforma e que a faz olhar a vida, o amanhecer e o entardecer com uma nova esperança. A surpresa que apela, tal como Jesus, à vigilância e à oração. À vigilância porque todos os cuidados são poucos diante de uma vida tão frágil e tão dependente dos nossos cuidados. E tudo sem nada vermos, sem nada tocarmos, apenas confiando que aquela pequena célula irá crescer imparavelmente até se tornar pessoa autónoma e livre. À oração porque quando nada podemos fazer, quando nada dominamos, quando toda a técnica e saber humanos aparecem impotentes diante do rumo que a natureza (e Deus?) decidem tomar, só nos resta colocarmo-nos nas mãos do Pai, como e com Maria ("Eis a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a tua palavra"). Orantes e vigilantes, erguemo-nos e levantamos a cabeça porque somos portadores da vida, do amor e nada poderá separar-nos do amor de Deus feito carne.
Nós os cristãos por mais pequena que seja esta vida que trazemos em nós, Jesus, o Salvador; por mais lento e imperceptível que seja o seu poder renovador e vital só podemos colocarmo-nos no caminho, o caminho que é Cristo, o caminho do homem para que o homem vença como irmão e filho, como a obra prima de Deus.

Senhor,
Sinto que em mim és muito pouco e quase imperceptível,
Sinto que não sou digno que te alojes no mais profundo do meu ser,
Sinto que não estou preparado para fazeres da minha vida uma vida contigo.
Mal te conheço, pouco te amo, menos confio.
As preocupações da vida tornam pesado o meu coração,
A embriaguês do sucesso e do ter ocupam as minhas forças,
A devassidão da riqueza e do meu egoísmo monopolizam os meus dias.

Mas mesmo assim, contra todas a expectativas, tu vieste e estás comigo.
Surpreendentemente dizes-me que me amas, que esperas muito do meu caminho
E que o mundo anseia que lhe mostre a Tua face, a face do Amor
Pelas minhas palavras que aprendi de ti
Pelos meus gestos que recebi de ti
Pelo meu amor que do teu lado aberto jorrou sobre a minha vida
Pelo meu espírito de esperança que do teu suspiro recebi.
E pedes-me que grite com voz de profeta: Deus habita no meu de nós, deixai-o existir.

sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Também é notícia

O tempo não me tem deixado vir até aqui partilhar os meus dias. Nem sei se terei tempo de até domingo, abrir a minha reflexão para o advento. Mas prometo que a farei, nem que seja nos dias seguintes, em que tenho uma ponte nas aulas do colégio.
Apenas deixo uma pequena reportagem, que me chegou pelo site do secretariado nacional da pastoral da cultura, sobre um padre que, além de pároco de Vilar de Andorinho, é capelão do centro hospitalar de Vila Nova de Gaia. É que é sempre bom ter consciência que a maioria do clero vive fielmente o seu ministério e que também isso (e não só quem não o faz) é notícia.
Para ver, clicar aqui.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Um Fado

Estou rodeado de enunciados de testes corrigidos e a corrigir. Estou embrenhado em concorrentes leituras para a elaboração de uma dinâmica de advento que, no colégio, nos ajude a viver o natal; em leituras para a unidade lectiva sobre a Igreja que tenho que escrever para os manuais do secundário de EMRC; em leituras para o curso de filosofia que me vai passando ao lado; em leituras para pequenos e estimulantes trabalhos que me foram pedindo ultimamente. O tempo vai-se esfumando, mas não me sinto nem em pânico nem deprimido, mas simplesmente feliz e acompanhado.
Não sou um entendido em fado e o aprendi a escutá-lo com um grupo de fadistas amadores mas irrepreensível e inesquecível que conheci há anos, na minha paróquia da Reguenga. Mas, hoje, na viagem para o colégio, de manhã bem cedo, recordava, pela rádio, este momento emocionante de Mariza. Parece contraditório com o meu estado de espírito, mas não o senti assim. Senti-o como que um deixar-me cair em mim, para melhor saborear os dias. Como que um ir às raízes do que sou e perceber como elas se lançam sobre muitos momentos de uma beleza inaudita, habitados por tantos de ontem e de hoje. Trago-os a todos hoje aqui.

domingo, 22 de novembro de 2009

Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo

Não deve existir nenhuma religião que, no dia em que celebra a solenidade do seu Deus como rei do universo, coloque como texto central da sua liturgia um interrogatório em que o poder político julga o próprio Deus, desconfiando não só do seu testemunho mas também da sanidade de tudo o que diz e faz.
Ora, ao escutarmos hoje Pilatos, numa aparente posição de superioridade, a interrogar Jesus sobre se ele é rei podemos ser levados a pensar, tal como o procurador romano pensava, que o mundo e os seus poderes julgam Jesus. Mas não. Quem está a ser julgado é Pilatos pois a decisão que tomar revelará o seu coração, colocará a nu aquilo que é, manifestará o que o move. E na verdade, na resposta final que dará a Jesus (omitida no Evangelho de hoje) - "Que é a verdade?" - Pilatos demonstra que em nada acredita, que a nada de maior entrega o seu coração, que em nada investe o seu poder, o seu sentido de justiça, a sua vida a não ser na perpetuação do seu poder tão vazio e corruptível como todos os poderes deste mundo. Pilatos mais não é do que a imagem de tantos de nós, que hoje não acreditamos que a verdade existe, não cremos que vale a pena lutar por valores maiores, que relativizamos tudo pensando que tudo tem o mesmo valor, que desisitimos de lutar por um reino sem guardas, sem senhores, sem poderosos, sem juizes que dispõe da vida do outro, sem desigualdades que alimentam rancores e projectos de vingança.
Assim, nós os cristãos, sabendo que o nosso reino não sendo do tipo dos deste mundo em que vivemos, somos chamados a construir um outro reino, o reino de Deus onde Jesus inspira, guia, acompanha os nossos passos com a sua palavra e com a sua presença. E não importa que poucos nos acompanhem, que muitos zombem de nós e que acabemos mortos sem ver o seu sucesso porque o que fazemos e construímos todos os dias é para a glória e salvação de todos os homens. Não é nem para os obrigar a aceitar Aquele que é a verdade nem para instalar uma teocracia cristã. Não, infelizmente esses já foram erros que cometemos no passado. O que fazemos é aproximar cada vez mais o reino anunciado por Jesus onde todos os de coração aberto à novidade e à alegria, à paz e ao acolhimento, ao perdão e ao amor terão lugar.
"Sou Rei" e venho para quem quiser escutar a minha voz. Eis a nossa missão: escutá-lo activamente, Hoje, aqui, na realidade dos nossos dias. E só assim Ele se tornará rei da nossa vida e do mundo à nossa volta. E assim aos poucos, ao sabor da história dos corações acolhedores de cada homem o reino do Senhor será uma realidade.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Selecção

Quem me conhece sabe que sou um apaixonado pelo futebol e um portista inveterado. Nunca falei aqui de futebol, mas faço uma excepção para manifestar a minha satisfação pela vitória de ontem da selecção e pela sua consequente qualificação para o mundial da África do Sul. E aí vai mais uma tira oportuna da Mafalda.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Filosofia(s)

No curso de filosofia estão bem latentes duas formas de abordagem da realidade: a da filosofia anglo-saxónica e a da chamada filosofia continental. A primeira segue os grandes mestres Ingleses (Hume, Locke, Russel, etc.) e é hoje a mais trabalhada nas grandes faculdades de filosofia dos E.U.A. e tem cada vez mais seguidores entusiastas no meio docente da nossa academia. No entanto, nota-se entre os alunos que comigo estudam um certo mal estar pela (aparente?) cedência da filosofia às ciências e à sua tentativa de se legitimar diante delas adoptando uma linguagem e uma relação pouco consentâneas com aquilo que deve ser o seu objecto e o seu método.
Em reacção a isto li no imprescindível blog do bispo D. António Couto um excerto de um livro de Edgar Morin em que ele reage contra o dogma da simplificação que ele considera consubstanciado nesta frase de Hobbes: "tudo o que existe tem três dimensões, a saber, comprimento, largura e altura, e aquilo que não tem três dimensões não existe nem está em parte alguma". Morin reage assim: "O dogma da simplificação que contém a morte continua a impor-se por aí como verdade científica (…), e continua a rejeitar para fora do saber aquilo que resiste ao seu controlo. E os defensores deste dogma vêem-nos como miseráveis, pedintes, esgadanhando os dejectos das suas lixeiras". E acrescenta depois de forma contundente: "Num sentido, eles têm razão: nós queremos recuperar e reciclar os dejectos que a sua ciência expulsa: não apenas o incerto, o impreciso, o ambíguo, o paradoxal, a contradição, mas também o ser, a existência, o indivíduo, o sujeito. Julgam deitar fora os excrementos do saber: não sabem que atiram para o lixo o ouro do tempo".
Na verdade, o que parece incomodar-nos, a nós meros aprendizes de filósofos, é a superficialidade de um certa filosofia e a sua cedência ao ar dos tempos que tenta reduzir o homem àquelas três dimensões, como se tudo fosse uma questão de posse ou de domínio. Parece-me que uma filosofia, tal como um olhar, que não ultrapasse o evidente não tenta conhecer a realidade.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

O Regresso

Nesta semana começaram as fichas de avaliação de EMRC para os meus alunos e alguns dos resultados são animadores. Vamos ver qual vai ser o panorama geral. Nele se espelhará o qualidade do meu trabalho e... do deles.
Hoje reuni pela primeira vez com parte do grupo que vai participar no encontro ibérico de Taizé que se vai realizar no Porto, em Fevereiro próximo. Estou com grande expectativa e espero estar à altura do seu entusiasmo e da sua generosidade. Para semana voltaremos a reunir e espero que seja um onda em crescendo. Vou fazer tudo por isso.
Mas vim hoje aqui para celebrar com a amiga Mafalda o sol que nesta tarde deu um ar da sua graça.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Aniversário da Inês

Há trinta e quatro anos nasceu a minha irmã Inês. Lembro-me muito bem da minha primeira reacção quando soube que tinha mais uma irmã: fiquei rigorosamente zangado porque já me chegava a irreverente e irritante João, que, além de me ter tirado grande parte das atenções, tinha o tremendo vício de mexer nas minhas coisas. Assim, lá fui relutante à maternidade Júlio Dinis, ver a mãe e a minha nova irmã (e claro lá ia ao meu lado aos saltos e sempre a falar a inevitável João) e, tenho que reconhecer que diante da bebé deitada no pequeno berço ao lado da cama da minha mãe não fui capaz de reafirmar a minha repulsa por mais uma irmã. Como sempre os meus acessos interiores de fúria (ok, por vezes também eram exteriores) transformaram-se em conformação perante a inevitabilidade e perante a possibilidade (remota porque era uma menina) de esta nova irmã ser diferente da João e, quem sabe, minha aliada. Estávamos em 1975, em tempos que depois descobri serem conturbados e, conta a minha mãe, a Inês nasceu ao som de atentados bombistas e de muita confusão política que viria a culminar e a acalmar no 25 de Novembro.
Talvez por tudo isto (ser o terceiro filho, a segunda rapariga, tempos revolucionários em que muitas coisas ocupavam as preocupações das pessoas), a Inês teve que ser uma mulher de conquistas. Teve que conquistar a vida (porque no início não estava a ser fácil); teve que conquistar espaço e lugar para a sua personalidade desde sempre resoluta e decidida; teve que conquistar a sua liberdade, descobrindo que ela tem muitos preços; teve que conquistar confianças perdidas; teve e tem que conquistar o dia-a-dia ainda repleto de sonhos por concretizar. Como todas as lutadoras, esconde debaixo da sua energia forjada nas refregas destes trinta e quatro anos, uma desconcertante fragilidade sentimental que nos vem confirmar o que sempre suspeitávamos: que no peito dos grandes guerreiros bate um enorme coração.
Sabem, este é um privilégio dos irmãos mais velhos: ver crescer a nosso lado seres humanos maravilhosos. Parabéns sinceros para a minha irmã Maria Inês.

domingo, 15 de novembro de 2009

XXXIII Domingo do Tempo Comum

O estilo apocalíptico, ao contrário do pensamento judeu, nos anos prévios e posteriores a Jesus, tem um escasso eco nos escritos cristãos. Além do último livro da bíblia, encontramos nos evangelhos um ou dois capítulos marcados por aquele estilo. Hoje, com o chegar do fim do ano litúrgico, lemos um excerto do discurso apocalíptico de Jesus, no evangelho de Marcos.
É preciso deixar desde já bem claro que a fé cristã (apesar, de um prática secular de anúncio aterrador e terrorista do fim castigador do mundo) não tem na sua raiz nem na sua génese a visão de um deus que, cansado pelas maningâncias dos homens, descarrega a sua ira e a sua vingança sobre o mundo e que retribui a cada qual a sua merecida e justa herança, seja ela a glória ou o eterno sofrimento. Pensar num deus vingativo ou até vê-lo por detrás das mudanças climáticas ou da expansão de diferentes epidemias ou dos perigos dos desenvolvimentos tecnológicos é uma contradição insanável com o núcleo mais elementar e mais sólido da fé cristã. Deus não pode servir para amedrontar nem para manipular mentalidades, comportamentos e olhares sobre a realidade (sempre negativos e suspeitos) porque um deus assim não é o de Jesus Cristo.
Então que dizer diante de um Evangelho como o de hoje?
Antes de mais, impõe-se um questão: segundo o anúncio de Jesus quem é que vem? "O Filho do homem sobre as nuvens". Logo, vem o amor; vem aquele que é amor; vem aquele que dá a vida pelos que ama. Recordo, que esta mesma expressão usará Jesus diante do Sinédrio para afirmar a sua divindade. Isto é, eu sou Deus, sou o Filho de Deus, mas ao contrário do que pensais não venho com o poder dos exércitos, dos castigos, das vinganças, mas venho até vós pelo amor que não se impõe nem impõe, que redime e perdoa, que levanta e é dador de vida. Portanto, o fim do mundo não será de terror mas de amor, não será aterrador mas liderado pelo amor. Tu que crês em Jesus, estás a vê-lo a vir como quem castiga, expulsa destrói?
O que se assistirá é a uma grande aflição para os poderosos, para os astros e as estrelas do nosso tempo que sustentam o seu brilho e a sua superioridade na injustiça, no poder, na corrupção, na fome e no desemprego de muitos, na pobreza e na ânsia de ter de tantos, naquilo que tem um fim, naquilo que perece e acaba e não na Palavra que não passa, que é a Palavra feita carne, amor em acto, Jesus de Nazaré.
Assim, o cristão que aposta toda a sua vida na forma de viver de Jesus não desespera diante da aparente vitória dos poderosos, mas espera activa e comprometidamente na transformação do mundo porque sabe que Ele vem e vem todos os dias. Assim, o cristão que segue o Caminho não se sente órfão por caírem ou desaparecerem os líderes de opinião, de estilos de vida, do espectáculo ou da política (cada vez mais espectáculo) porque sabem que o Filho do homem está mesmo à porta, à porta de qualquer desconhecido, mesmo desse grande desconhecido que é a morte, para entrar e fazer comunidade à volta de uma mesa onde todos têm lugar. Assim o cristão sabe que toda a vã maneira de viver, mesmo que carregada de honras, reconhecimentos e posses, está condenada a desaparecer, por entre as nuvens de pó da sua autodestruição, para dar lugar, não ao vazio, mas ao amanhecer de um novo céu e uma nova terra onde todos são reconhecidos e amados pelo que são e não pelo que têm. Ah, assim vale a pena esperar e gritar: Vem Senhor Jesus.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

História(s)

Mais uma semana a chegar ao fim. E ontem à noite, durante aquele cair em mim que todos os dias acontece quando apago a luz e me declino na almofada nocturna, desabafei para comigo e para com Ele: Nunca, como nestes três meses, gostei tanto de dar aulas. E, os grandes responsáveis são os meus alunos que se manifestam interessados, empenhados e reconhecidos.
Um dos desafios maiores, nas aulas que tenho dado, é fazer perceber aos alunos do sétimo ano (12 anos, nesta altura) o que é uma tradição oral (por exemplo, a Javista) e como ela foi resistindo ao passar do tempo até ser "passada" para escrito no século X a.c. (no caso em questão). Eles têm que saber isto para perceberem os textos bíblicos da criação e como estes, seguindo um percurso diferente das ciências (que evidentemente não só aceitamos como as ensinamos no início desta unidade lectiva), nos fazem reflectir e conhecer dimensões e valores que não estão ao alcance das ciência físicas ou biológicas.
Recordei aquela dificuldade ao ler a entrevista que o italiano Erri de Luca (escritor, tradutor e leitor não crente da bíblia) deu ao suplemento Ípsilon do jornal Público, na semana passada. Dizia ele que "precisamos de uma geração que conte à geração seguinte a sua experiência. E que conte de viva voz, não com o cinema ou a televisão, mas envolvendo-se com o corpo (...) Hoje, a memória tornou-se uma pílula na televisão para recordar um acontecimento. Isso não é memória, é aceder a um arquivo". Na verdade, falta a estas gerações (será só a estas?) o saber escutar histórias, histórias das nossas vidas, das nossas experiências, dos momentos forjadores dos nossos valores e (se for o caso) da nossa fé. E fazê-lo não como quem lecciona, mas como quem sabe que está com alguém, que lhe dá tempo e que assim partilha o que é um património comum que proporciona identidades e reforça laços. Como lhes explicar, na sociedade da imagem, a importância de uma tradição oral que passava de pais para filhos ou de avós para netos ou de líderes tribais para membros da tribo? Como fazer-lhes compreender que assim se alimenta(va) a fé e um sentimento de povo? Como os fazer acreditar que assim se descobre Deus na vida e que essa descoberta não é algo de morto, no passado, mas algo em permanente revisão/actualização no meu/nosso presente? Como possibilitar-lhes a capacidade de olhar para lá do evidente, para o indivisível (não, não estou só a falar de Deus) senão com as palavras que afectam todo o meu ser?
A fé do homem bíblico e do cristão exige não só a memória que se lê, se viveu e se actualiza, mas também a capacidade de a tornar narrativa que se confronta com o tempo na sua capacidade de se dizer, relatar ao estilo do "Hoje mesmo se cumpriu este passo da escritura" pronunciado por Jesus na sinagoga de Nazaré, após ler o profeta Isaías.
Este contar história(s) é algo de essencial para um povo, para uma sociedade, para uma fé. É uma missão das famílias, dos educadores, da Igreja. Mas temo que tenhamos um problema (espero que não, mas reforço, temo) identificado por de Luca: "Não vejo pais que contem histórias... Talvez não tenham nada para contar, excepto as férias que se fazem e as fotografias que tiraram num passeio de barco. Há um deficit de transmissão, de tempo..." Não será simplesmente um vazio?
Bom fim-de-semana.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A Propósito de Mais um Caso de Corrupção

O economista e membro do conselho de estado Vitor Bento defendeu, numa conferência há duas semanas, que o problema português como do resto do mundo começa com a crise das religiões porque com ela veio a busca pelos interesses imediatos, o desinteresse pelas consequências a médio ou longo prazo e a desvalorização dos valores ou padrões comportamentais. Corroborando esta tese (ao sublinhar a importância do trinómio "valores, atitudes, padrões de comportamento"), na mesma conferência, o economista Hernâni Lopes, apresentou o caso português em que "vale tudo para enriquecer de qualquer maneira e depressa, sem critério" abrindo portas para a "golpadazeca do ordinareco que faz umas jogadas, umas burlas, umas corrupções".
Na semana passada, o sociólogo italiano Francesco Alberoni, descreveu a Europa como um lugar histórico que foi movido pela esperança, inspirada pelo cristianismo, rejuvenescida pelo iluminismo e renovada pelo marxismo, em fazer dos homens todos irmãos. No entanto, essa esperança desapareceu: o comunismo ruiu como uma baralho de cartas, o cristianismo deixa cada vez mais de ser ouvido ou de se fazer ouvir pertinentemente e a moralidade laica vive ao sabor do interesse individual. Assim, pergunta e afirma o sociólogo italiano: "Que acontece quando se esfumam todos os sonhos de perfeição pessoal e social? Quando o ser humano não aspira a superar o seu egoísmo, a melhorar em termos morais, a criar uma comunidade que premeie o mérito e a virtude? Quando não há ideais, para onde se dirige o impulso humano? Apenas para o poder e para o dinheiro". E conclui: "Todos os meios passam a ser lícitos para trepar: acordos transversais, chantagens, sociedades secretas, licenças públicas, subornos internacionais".
No texto de que aqui falei ontem, João Carlos Espada, citava uma conferência do rabi Steinsalts, em que este dizia que o progressivo desaparecimento da visão judaico-cristã do mundo, na Europa, deixou um vazio que tem vindo a ser preenchido por um novo/antigo paganismo em que regressa o deus Mammon (dinheiro e poder), as deusas do sexo (as antigas deusas da fertilidade), a deusa da fama e de ser uma celebridade (a antiga deusa Calliope). O conferencista recusa-se a tomar uma posição sobre qual dos sistemas de valores é o melhor (a visão cristã ou a visão pagã), mas, como diz Espada, os valores como as ideias produzem consequências e essas podem ser conhecidas e avaliadas (as árvores conhecem-se pelos frutos). Podem a democracia, os direitos humanos, a vida como valor, a liberdade, o fazer o bem porque é um bem, o outro como irmão subsistir sem os valores que lhes deram origem?

Nestes três diagnósticos do estado da nossa realidade nacional e ocidental surge uma causa comum: o progressivo definhamento da mundividência cristã. E com ele, a progressiva desvalorização da honestidade, da verdade, da temperança, da bondade, do outro, da generosidade, do amor, da esperança, da utopia. Que dão lugar, respectivamente, à corrupção, à hipocrisia, ao acumular, ao interesseiro, ao egoísmo, à noção de que tudo tem um preço, ao hedonismo, ao cinismo, ao fim do sonho. Diante disto, nós os cristãos temos que estar muito atentos para não embarcar nesta onda e para não deixarmos de afirmar, pelo exemplo e pela palavra, a novidade radical e exigente, mas libertadora, responsabilizadora e civilizacional, dos valores cristãos. Para isso, a Igreja não pode pactuar com que no seu seio permaneçam sinais de corrupção das suas mais genésicas raízes. E não pode deixar de expor, com clarividência, simplicidade, sem se perder no assessório e sem tiques inquisitoriais, as consequências (já bem visíveis) de uma sociedade sem referências maiores, sem valores de cariz judaico-cristã.
E que fique bem claro, ter presentes esses valores não é uma questão de ser crente ou não. São valores civilizacionais que deram origem a sociedades democráticas, livres, sociais, humanistas, não discriminatórias, desenvolvidas. Estou convencido que o regresso ao paganismo nos conduzirá aos regimes políticos que então prosperavam, para desgraça dos mais fracos.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Boas Intenções

Tinha pensado colocar aqui algumas pinceladas sobre uma reflexão, que tem vindo a ocupar-me, a partir de umas declarações do economista Vitor Bento sobre a inexorável decadência portuguesa e até ocidental. Para juntar as essas declarações, li há pouco um texto de João Carlos Espada (gentileza do meu amigo Jorge), que tenho que assimilar para enriquecer o que pretendo escrever. Assim, ainda não será hoje que desabafarei tudo o que me vai no peito (está dramático, mas pareceu-me tão engraçado que não resisti) porque preciso de deixar que as palavras ocupem-me um pouco mais, para melhor exprimir o que penso ser uma das causas profundas do pântano cultural, político e económico em que estamos atolados. Prometo em breve regressar, quem sabe se já amanhã.
Mas deixo a minha querida Mafalda que há muito aqui não vinha.

domingo, 8 de novembro de 2009

XXXII Domingo do Tempo Comum

No texto deste domingo já encontramos Jesus em Jerusalém e a observar profundamente as motivações, os gestos e as palavras daqueles que deambulavam pelo templo. No evangelho de hoje, Jesus pede-nos uma opção entre duas formas de viver a fé ou melhor, pede-nos que nos analisemos e perguntemos o que fazemos quando celebramos e anunciamos a fé: fazemos teatro religioso ou damos a vida toda.
De um lado, temos o escribas e todos aqueles que usam a religião para se distinguirem dos outros, para alimentarem a aparência, para mascararem a fraternidade ("gostam de exibir longas vestes"); que usam a religião para serem reconhecidos pelos poderes instalados, elogiados pela sociedade e colocados em lugares de destaque (gostam "de receber cumprimentos nas praças"); que usam a religião para ocuparem os lugares reservados nas igrejas, ditarem leis nos sermões que mascaram frustrações e obsessões e alimentam vontades de poder e reconhecimento fúteis (gostam "de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas"); que usam a religião para ocuparem lugares em eventos que alimentam desigualdades sociais e que são autênticos escândalos para aqueles que não têm sequer o básico para subsistir (gostam "dos primeiros lugares nos banquetes"); que usam a religião para carregarem as pessoas com regras, obrigações e despesas que servem para alimentar o seu bem estar material e as suas contas bancárias ("Devoram as casas das viúvas com pretexto de fazerem longas rezas"). Deste lado temos o bom teatro religioso: tem sucesso, mas é falso; é aplaudido socialmente, mas é desprezado pelo íntimo dos homens; é devoto e pio, mas não habita o coração do Pai; tem futuro, mas nada dá e o que possui será comido pelos vermes e pelo tempo, respectivamente.
Do outro lado, temos aquela pobre viúva de quem, se a tradução estivesse bem feita, Jesus disse: "Esta pobre viúva deitou na caixa (das esmolas) mais do que todos os outros. Eles deitaram do que lhes sobrava, mas ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, a sua vida toda". Deste lado, numa palavra, temos Jesus que dá o que tem, a sua própria vida para que o outro a tenha e a tenha em abundância.
Não é possível viver a fé cristã sem esta opção entre o teatro religioso e o dar a vida e a vida toda sem reservas. Dar tudo o que temos e somos. O resto, meus pacientes e fiéis leitores, é conversa. E conversa interesseira e interessada. Que Jesus os continue a denunciar...

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Falta de Tempo

Que semana tremenda está a chegar ao fim! As reuniões intercalares tiraram-me tempo para a unidade lectiva sobre a Igreja, que tenho que escrever para os manuais de EMRC, e, principalmente, para o curso e as aulas de filosofia. Acabei de passar os apontamentos da aula, de quarta-feira, de filosofia da linguagem e não tenho dúvida que perder uma sessão, por semana, desta disciplina limita o meu entendimento sobre ela e obriga-me a estudar para passar, o que me deprime.
Foi uma semana em que mal tive tempo de me sentar em frente do meu computador, do mundo, de mim próprio. Mas encontro sempre espaço para um amigo. Assim, hoje de manhã, passei algumas horas com a minha amiga Salete e partilhei fascinado e comovido da sua alegria. Há muito que não estávamos juntos e senti que ambos saímos enriquecidos da arte de cultivar a amizade e de aprofundar a fé que partilhamos e reforçamos mutuamente.
Estou cansado e entristecido por não ter avançado no meu trabalho (uma semana ocupada, mas muito pouco produtiva), mas estou realizado porque O sinto, na aparente ausência, cada vez mais perto. E cada vez mais perto no outro que reencontro ou com quem partilho os dias.
Despeço-me com uma oração de Tagore que o Jorge colocou no seu blog e que encerra plenamente esta semana:

Não ouviste os seus passos silenciosos?
Ele vem, vem, vem sempre,
em cada instante e em cada idade,
todos os dias e todas as noites.
Ele vem, vem, vem sempre,
nos dias esplêndidos do ensolarado Julho,
como na obscura angústia humedecida das noites de Janeiro.
Ele vem, vem, vem sempre.

domingo, 1 de novembro de 2009

Todos os Santos

Este dia em que milhares de pessoas enchem os cemitérios foi sempre para mim um dia muito estranho, principalmente quando comecei a trabalhar nas paróquias por onde passei. Até então era uma dia de missa como o domingo, mas em que o cemitério não era um espaço que a nossa família, mais próxima ou mais alargada, frequentasse, mesmo depois da morte dos meus avós paternos e maternos. Não se pense que já alimentavamos o actual tabu da morte, pois quando os meus avós faleceram as crianças da casa (eu, as minhas irmãs e os meus primos, e depois o meu irmão) lá estivemos na câmara ardente, na missa de corpo presente, no beijo de despedida ao avô ou à avó, na procissão até à Igreja (os meus avós paternos tiveram em câmara ardente na sua casa) e junto ao jazigo onde foram sepultados. Nunca nos esconderam a verdade da vida que é a morte, nunca nos "douraram a pílula" sobre a violência , a dor e a esperança que a morte encerra. E quando o primeiro avô faleceu eu tinha seis anos, a João quatro e a Inês dois anos... Não me esqueço que quando a minha mãe recebeu a notícia de que o meu avô paterno tinha falecido (o primeiro a partir), chamou-nos aos três e de joelhos rezamos ao Sagrado Coração de Jesus: Deus sabe como rezei tão convictamente de que estava a ser escutado e de acreditar que o avô já estava junto do Jesus. Talvez por isso e porque nascemos e crescemos ancorados a uma profunda, sólida e provada confiança na ressurreição de Jesus sempre olhamos este dia como uma celebração da vida e não como uma corrida desenfreada aos cemitérios, lugares de morte e que nada acrescentam à nossa mais profunda convicção: que aqueles que partiram e nos deixaram um profundo sentimento de solidão estão vivos junto do Pai, tal como Jesus, e em íntima união connosco.
Neste tempo em que de todos se esconde a morte, em que se evita que uma criança presencie a morte, em que se chamam psicólogos para aliviar a dor da morte, em que se morre longe da sua casa e dos seus (por vezes, na mais desumana das solidões), em que sempre que se fala de tal, lá se escuta: ah não, por favor falemos de outra coisa. Que horror! Ora, a verdade é que a morte confronta o homem com o nada, o vazio, a questão do sentido. Confronta o homem com a verdade. Na verdade, a morte não mente. Quem mente são os tempos que vivemos, cheios de avanços técnicos, cheios de conhecimento, cheios de poder, mas que têm medo de enfrentar a verdade e enganam-se e enganam. Se a morte voltasse serenamente (não para aterrorizar, mas para construir a esperança) ao pensamento do homem, ela levar-nos-ia à conversão e à transformação do mundo. Assim, como estamos, apenas queremos viver o mais possível, acumular o máximo, ter as maiores e mais originais experiências, mas esquecemos o outro de tão ocupados que estamos em viver a nossa vidinha individualista e fechada sobre si própria. E esquecemos de pensar o sentido de tudo isto.
Por isso, hoje não fui nem vou a nenhum cemitério, mas vou receber na minha casa a minha família para celebrar a vida, recordar os que amamos e que nos amam e que já não partilham o caminho connosco, e beberemos um bom copo de vinho, celebrativo e meditativo, porque sabemos que a morte é dura e dolorosa, mas acreditamos que é apenas a curva do caminho em que deixamos de ver os que vão à nossa frente e em que, os que nos seguem, nos deixam de enxergar. Não, não vou ao cemitério porque lá não está ninguém. Aqui, sentado diante do meu computador, sinto o olhar silencioso do meu avô Guilhermino, o sorriso contagiante da minha avó Rosa, a bondade do meu avô Marques, a fé sofrida da minha avó Glória, a admiração que o meu tio António me devotava. Todos eles estão vivos e rezam por mim, por nós. A eles, os santos de Deus que hoje celebramos, o meu obrigado...

sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Incompreensível

No início da semana fomos surpreendidos pela detenção, para apresentação a um juiz, do pároco de Boticas por uma alegada participação num esquema de tráfico de armas. A questão da justiça deixo-a à justiça e espero que tudo se averigúe e se esclareça nos lugares próprios que são os tribunais.
O que é verdadeiramente incompreensível é que este sacerdote católico não só tenha em casa um verdadeira arsenal de armamento ilegal e com os números de série apagados, mas também se dedique a emprestar dinheiro com 4% de juros, a negócios imobiliários e à compra e venda de automóveis. O que é incompreensível é que tal fosse do conhecimento dos colegas e da hierarquia e nada tivesse sido feito. O que é incompreensível é que este homem tivesse regressado às suas paróquias e se prepare para celebrar as eucaristias deste fim-de-semana.
Poderão dizer-me que o senhor podia ter os seus negócios, fazer do seu dinheiro o que quisesse e ter um gosto especial pelo coleccionismo de armas. Não, não pode. Não pode ser usurário, nem viver para possuir, nem admirar instrumentos de morte, nem dedicar o seu tempo ao dinheiro. E não pode porque é sacerdote de Jesus Cristo que por definição tem que ser pobre, não violento, generoso e viver não para o lucro, mas para a gratuidade.
A Igreja, neste caso a Diocese de Vila Real, não pode pactuar com estes casos nem assobiar para o lado como se nada fosse com ela. E muito menos fazer de conta que nada se passa, esperando que nunca se descubra os podres de alguns dos seus ministros. E porquê? Porque tem que se lembrar daqueles que como pastor, afinal, têm um lobo. Um Bispo, o pastor de uma diocese, tem que proteger o seu rebanho, não os seus "delegados".
Casos como este são um alerta para que a Igreja, nós os cristãos comprometidos não deixemos de denunciar e agir em conformidade diante de situações que são a negação absoluta de tudo aquilo em que acreditamos. O silêncio é uma forma de cumplicidade. Foi uma atitude semelhante que fez com que a pedofilia alastrasse como erva daninha na Igreja americana. É uma atitude semelhante que faz com que a atracção fatal pelo dinheiro de alguns padres descredibilize tudo o que anunciamos. Se a tua mão é causa de pecado corta-a, dizia Jesus há uns domingos atrás no Evangelho dominical. É mais que tempo de cortar pela raiz a figueira que não dá fruto. Sem pruridos, sem falsas compaixões nem desculpas ridículas como a falta de meios humanos.

Deixo mais uma tira da Mafalda que penso ser oportuna. Bom fim-de-semana.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Mafalda

Hoje lembrei-me da Mafalda. Sim, a maravilhosa criatura do cartoonista argentino Quino. Foi no seminário, no sétimo ano, que a descobri pelas mãos do padre Mendes, um homem que me ensinou imensas coisas, entre as quais o gosto pela BD. Alguns meses mais tarde, a minha mãe ofereceu-me um volumoso volume vermelho que tinha por título (se a memória não me atraiçoa), Toda a Mafalda. Hoje desesperei à sua procura e não o encontrei. Queria aqui colocar, a partir de hoje, e quando me apetecesse, uma tira da Mafalda. Socorri-me da internet e aqui fica uma (peço desculpa mas está em brasileiro). Ficam mais prometidas. É fantástica esta Mafalda.
Para conseguir ler, basta clicar na imagem.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Uma Oração

O blog do meu amigo Jorge é sempre um espaço de descobertas. Hoje estava lá esta belíssima oração do bom Papa João XXIII que hoje aqui partilho e que amanhã proporei, aos meus jovens companheiros de Laudes, em substituição de um dos salmos. Penso que não cometerei nenhuma heresia.
Como gostava de ter conhecido este homem e sentido o ar de esperança que a sua abertura trouxe à Igreja em meados do século passado. Vinde Espírito de Amor...

Procurarei viver pensando apenas no dia de hoje, sem querer resolver de uma só vez todos os problemas da minha vida.

Hoje, apenas hoje, terei o máximo cuidado na minha convivência: afável nas minhas maneiras, a ninguém criticarei, nem pretenderei melhorar, nem corrigir ninguém à força se não a mim mesmo.

Hoje, apenas hoje, serei feliz na certeza de que fui criado para a felicidade, não só no outro mundo mas também já neste.

Hoje, apenas hoje, adaptar-me-ei às circunstâncias sem pretender que sejam todas as circunstâncias a adaptarem-se aos meus desejos.

Hoje, apenas hoje, dedicarei dez minutos do meu tempo a uma boa leitura. Assim como o alimento é necessário para a vida do corpo, assim a boa leitura é necessária para a vida do espírito.

Hoje, apenas hoje, farei ao menos uma coisa que me custa fazer; e se me sentir ofendido nos meus sentimentos, procurarei que ninguém o saiba.

Hoje, apenas hoje, farei uma boa acção, e não o direi a ninguém.

Hoje, apenas hoje, executarei um programa pormenorizado. Talvez não o cumpra perfeitamente, mas ao menos escrevê-lo-ei. E fugirei de dois males: a pressa e a indecisão.

Hoje, apenas hoje, acreditarei firmemente - embora as circunstâncias mostrem o contrário - que Deus se ocupa de mim como se não existisse mais ninguém no mundo.

Hoje, apenas hoje, não terei qualquer medo. De modo especial não terei medo de apreciar o que é belo e de crer na bondade.

João XXIII, Papa

terça-feira, 27 de outubro de 2009

House (Correcção)

Ontem começou na Fox a sexta temporada de House. Para quem vai acompanhando esta série americana que segue a retorcida personalidade e genialidade do médico que lhe dá o nome, não pode perder os dois primeiros capítulos desta temporada. São duas pérolas que provam que é possível, em televisão e para televisão, ver e fazer obras de arte. São dois episódios onde acompanhamos o protagonista internado num manicómio, numa inversão de papeis (médico que é paciente) e numa peregrinação interior que o levará a colocar-se em questão e a assumir a sua humanidade, nas suas dimensões mais... humanas.
Mas o que me leva a escrever estas (banais) linhas é que o primeiro episódio de ontem recordou-me uma das bandas que mais admiro e acompanho, os Radiohead, porque o seu genérico foi acompanhado por No Surprises. Só por isso, já teria sido um grande episódio. Hoje, sempre que posso, lá estou a ouvir o The Beste of Radiohead.
Só consigo colocar aqui o vídeo ao vivo, mas é melhor que nada:

domingo, 25 de outubro de 2009

XXX Domingo do Tempo Comum

O caminho de Jesus até Jerusalém (até à cruz) aproxima-se do fim. Ao sair de Jericó (última etapa) e acompanhado por uma multidão de discípulos (que já percebemos ao longo dos últimos domingos não terem a mais pequena ideia para onde o seu Mestre caminha) e curiosos, Jesus coloca-se no caminho e eis que fora do Seu caminho, à margem dos que O seguem, surge um cego. Mas, se nos detivermos a olhar atentamente para o texto de Marcos percebemos que estamos diante de um texto bem diferente do de uma cura. Porque sobre este cego são-nos fornecidas muitas informações pessoais: filho de Timeu, chama-se Bartimeu, está sentado à beira do caminho e pede esmola. Somente nos chamamentos de Pedro e André, Tiago e João e Levi, Marcos nos dá tanta informação sobre as suas personagens, o que nos remete imediatamente não para um milagre, mas para o chamamento deste homem e para a sua conversão ao caminho de Jesus.
Ao ouvir dizer que Jesus passava pela sua vida, Bartimeu não detém nem deixa deter o seu grito por salvação, por alguém que o escute, por sair das margens para que a vida, as suas decisões e a sociedade (religião oficial?) o tinham atirado. Grita porque está longe e aos marginalizados ninguém quer escutar nem quer deixar que eleve a sua voz. Grita como nós no início de cada Eucaristia: Kýrie eléêson que, à letra, pede a Deus que nos pegue maternalmente ao colo, que nos embale com seus braços, que nos sorria com a sua tranquilidade, que nos olhe doce e amorosamente nos olhos. Que Deus ficaria impávido diante do pobre, do só, do esquecido, do fruto da cegueira e da surdez dos outros (e também dos crentes)? E Jesus pára. Pára à nossa porta, à nossa beira, ao grito de dor esperançosa que lhe lançamos. Jesus pára e chama (três vezes Marcos escreve a palavra chamar), chama ao encontro, chama ao diálogo, chama ao chamamento, à vocação. E Bartimeu deixa tudo para trás, deixa o pouco que tem: as suas poucas esmolas caídas no imundo manto que recolhia a caridadesinha alheia. E salta porque nada o faz hesitar, nada o faz pensar duas vezes, é a salvação que o chama, é alguém que o quer ver, falar e aceitar como homem que é em toda a sua dignidade. (Confrontem a atitude deste homem com a do rico que se sentia o melhor homem do mundo).
E eis o diálogo: Que queres que te faça? (a mesma pergunta que Jesus fez no Evangelho passado aos ambiciosos filhos de Zebedeu que não sabiam o que pediam) E Bartimeu pede luz, sentido, um rumo, um caminho, Vida com qualidade (bem diferente dos dois irmãos - poder; e do homem rico - vida eterna). E Jesus só lhe diz: Vai. Sai da margem, ergue a cabeça, és alguém querido e amado, não te coloques nem te deixes colocar à margem, olha como nunca estás só nem quando todos te abandonam e esquecem e marginalizam. E assim percebeu, o filho de Timeu, que só há um caminho, que só há um rumo, que só há uma luz: Jesus caminhando para o gesto maior do amor.
Quantas vezes nos sentimos à margem da vida? Quantas vezes nos envergonham as nossas opções que pensamos que nem Deus nos escuta, embala e olha? Quantas vezes nos deixamos calar pelas multidões e pelos seguidores ignorantes do Mestre que em vez de estenderem a mão nos pontapeiam e enxotam para as margens da vida? Meus amigos gritemos bem alto que afinal na Palavra não são os maus costumes nem a crueldade de Deus (sim, a crueldade dos homens está lá bem explícita) que encontramos, mas o Caminho da Luz de um Deus que se abeira dos mais esquecidos, perdidos e maltratados da vida. Sim, ele é injusto porque esquece, não ouve, deixa partir e condena os cheios de si, carregados de vontade de poder, os que procuram estar acima dos outros, os soberbos.
Senhor Jesus tem piedade de mim...