quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Uma Bela Peça de Teatro

Ontem, à noite, fui ao Teatro Nacional de S.João ver a peça de Gil Vicente, Breve Sumário História de Deus, encenada magistralmente por Nuno Carinhas. Naquela bela sala já vi grandes momentos de dramaturgia, mas nunca tinha assistido a uma encenação do novo director, Nuno Carinhas que, respeitando o texto original do grande dramaturgo português, fez vir ao de cima a profunda formação espiritual e teológica do seu autor, bem como a sua aguda visão sobre a humanidade e a sua história que é de salvação.
O espectáculo é magnífico e altamente recomendável. Diria que é imperdível, num tempo em que parece que a discussão sobre Deus se vai, progressivamente, impondo. Parece-me que para o seu encenador, a questão não é de menor importância nem um exclusivo de especuladores filosóficos, pelo contrário é uma questão onde se joga uma outra feita por Primo Levi, depois da experiência dos campos de concentração nazis: O que é o Homem? Não será por acaso que toda a peça se desenrola, numa espécie de dormitório judeu, naqueles campos da morte. Parece claro que o mundo é o local da história de Deus, da história do Homem. Da história de uma relação.
Gostaria de destacar diferentes momentos, mas vou terminar porque tenho escrito textos demasiado longos, mas não posso deixar de citar um dos textos que o encenador, em feliz hora, acrescentou à peça: um poema de Ruy Belo, penso que declamado pela personagem de Adão, que entrega a Cristo a cruz redentora de toda a espécie de homens. É uma texto de advento (tal como toda a peça que nos lê cristãmente o tempo como kairos, isto é tempo de salvação, de oportunidade, não de prisão cíclica nem de destino amaldiçoado), em que se reafirma este hoje que é onde Deus habita... connosco.

Amei a mulher amei a terra amei o mar
amei muitas coisas que hoje me é difícil enumerar
De muitas delas de resto falei
Não sei talvez eu me possa enganar
foram tantas as vezes que me enganei
mas por trás da mulher da terra e do mar
pareceu-me ver sempre outra coisa talvez o senhor
É esse o seu nome e nele não cabe o temor
Mas depois deste sonho sou obrigado a cantar:
Eis que o senhor está neste lugar
Porquê não sei talvez uma pequena haste balance
talvez sorria alguma criança
Terrível não é o homem sozinho na tarde
como noutro tempo de esplendor cantei
Terrível é este lugar
Terrível porquê? Não sei bem
Talvez porque o senhor pisa esta terra com os seus pés
(lembro-me até que mandou tirar as sandálias a moisés)
Levanto os dois braços aos céus
Aqui - mulher terra mar -
Aqui só pode ser a casa de deus.

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