terça-feira, 10 de novembro de 2009

A Propósito de Mais um Caso de Corrupção

O economista e membro do conselho de estado Vitor Bento defendeu, numa conferência há duas semanas, que o problema português como do resto do mundo começa com a crise das religiões porque com ela veio a busca pelos interesses imediatos, o desinteresse pelas consequências a médio ou longo prazo e a desvalorização dos valores ou padrões comportamentais. Corroborando esta tese (ao sublinhar a importância do trinómio "valores, atitudes, padrões de comportamento"), na mesma conferência, o economista Hernâni Lopes, apresentou o caso português em que "vale tudo para enriquecer de qualquer maneira e depressa, sem critério" abrindo portas para a "golpadazeca do ordinareco que faz umas jogadas, umas burlas, umas corrupções".
Na semana passada, o sociólogo italiano Francesco Alberoni, descreveu a Europa como um lugar histórico que foi movido pela esperança, inspirada pelo cristianismo, rejuvenescida pelo iluminismo e renovada pelo marxismo, em fazer dos homens todos irmãos. No entanto, essa esperança desapareceu: o comunismo ruiu como uma baralho de cartas, o cristianismo deixa cada vez mais de ser ouvido ou de se fazer ouvir pertinentemente e a moralidade laica vive ao sabor do interesse individual. Assim, pergunta e afirma o sociólogo italiano: "Que acontece quando se esfumam todos os sonhos de perfeição pessoal e social? Quando o ser humano não aspira a superar o seu egoísmo, a melhorar em termos morais, a criar uma comunidade que premeie o mérito e a virtude? Quando não há ideais, para onde se dirige o impulso humano? Apenas para o poder e para o dinheiro". E conclui: "Todos os meios passam a ser lícitos para trepar: acordos transversais, chantagens, sociedades secretas, licenças públicas, subornos internacionais".
No texto de que aqui falei ontem, João Carlos Espada, citava uma conferência do rabi Steinsalts, em que este dizia que o progressivo desaparecimento da visão judaico-cristã do mundo, na Europa, deixou um vazio que tem vindo a ser preenchido por um novo/antigo paganismo em que regressa o deus Mammon (dinheiro e poder), as deusas do sexo (as antigas deusas da fertilidade), a deusa da fama e de ser uma celebridade (a antiga deusa Calliope). O conferencista recusa-se a tomar uma posição sobre qual dos sistemas de valores é o melhor (a visão cristã ou a visão pagã), mas, como diz Espada, os valores como as ideias produzem consequências e essas podem ser conhecidas e avaliadas (as árvores conhecem-se pelos frutos). Podem a democracia, os direitos humanos, a vida como valor, a liberdade, o fazer o bem porque é um bem, o outro como irmão subsistir sem os valores que lhes deram origem?

Nestes três diagnósticos do estado da nossa realidade nacional e ocidental surge uma causa comum: o progressivo definhamento da mundividência cristã. E com ele, a progressiva desvalorização da honestidade, da verdade, da temperança, da bondade, do outro, da generosidade, do amor, da esperança, da utopia. Que dão lugar, respectivamente, à corrupção, à hipocrisia, ao acumular, ao interesseiro, ao egoísmo, à noção de que tudo tem um preço, ao hedonismo, ao cinismo, ao fim do sonho. Diante disto, nós os cristãos temos que estar muito atentos para não embarcar nesta onda e para não deixarmos de afirmar, pelo exemplo e pela palavra, a novidade radical e exigente, mas libertadora, responsabilizadora e civilizacional, dos valores cristãos. Para isso, a Igreja não pode pactuar com que no seu seio permaneçam sinais de corrupção das suas mais genésicas raízes. E não pode deixar de expor, com clarividência, simplicidade, sem se perder no assessório e sem tiques inquisitoriais, as consequências (já bem visíveis) de uma sociedade sem referências maiores, sem valores de cariz judaico-cristã.
E que fique bem claro, ter presentes esses valores não é uma questão de ser crente ou não. São valores civilizacionais que deram origem a sociedades democráticas, livres, sociais, humanistas, não discriminatórias, desenvolvidas. Estou convencido que o regresso ao paganismo nos conduzirá aos regimes políticos que então prosperavam, para desgraça dos mais fracos.

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