Mais uma semana a chegar ao fim. E ontem à noite, durante aquele cair em mim que todos os dias acontece quando apago a luz e me declino na almofada nocturna, desabafei para comigo e para com Ele: Nunca, como nestes três meses, gostei tanto de dar aulas. E, os grandes responsáveis são os meus alunos que se manifestam interessados, empenhados e reconhecidos.
Um dos desafios maiores, nas aulas que tenho dado, é fazer perceber aos alunos do sétimo ano (12 anos, nesta altura) o que é uma tradição oral (por exemplo, a Javista) e como ela foi resistindo ao passar do tempo até ser "passada" para escrito no século X a.c. (no caso em questão). Eles têm que saber isto para perceberem os textos bíblicos da criação e como estes, seguindo um percurso diferente das ciências (que evidentemente não só aceitamos como as ensinamos no início desta unidade lectiva), nos fazem reflectir e conhecer dimensões e valores que não estão ao alcance das ciência físicas ou biológicas.
Recordei aquela dificuldade ao ler a entrevista que o italiano Erri de Luca (escritor, tradutor e leitor não crente da bíblia) deu ao suplemento Ípsilon do jornal Público, na semana passada. Dizia ele que "precisamos de uma geração que conte à geração seguinte a sua experiência. E que conte de viva voz, não com o cinema ou a televisão, mas envolvendo-se com o corpo (...) Hoje, a memória tornou-se uma pílula na televisão para recordar um acontecimento. Isso não é memória, é aceder a um arquivo". Na verdade, falta a estas gerações (será só a estas?) o saber escutar histórias, histórias das nossas vidas, das nossas experiências, dos momentos forjadores dos nossos valores e (se for o caso) da nossa fé. E fazê-lo não como quem lecciona, mas como quem sabe que está com alguém, que lhe dá tempo e que assim partilha o que é um património comum que proporciona identidades e reforça laços. Como lhes explicar, na sociedade da imagem, a importância de uma tradição oral que passava de pais para filhos ou de avós para netos ou de líderes tribais para membros da tribo? Como fazer-lhes compreender que assim se alimenta(va) a fé e um sentimento de povo? Como os fazer acreditar que assim se descobre Deus na vida e que essa descoberta não é algo de morto, no passado, mas algo em permanente revisão/actualização no meu/nosso presente? Como possibilitar-lhes a capacidade de olhar para lá do evidente, para o indivisível (não, não estou só a falar de Deus) senão com as palavras que afectam todo o meu ser?
A fé do homem bíblico e do cristão exige não só a memória que se lê, se viveu e se actualiza, mas também a capacidade de a tornar narrativa que se confronta com o tempo na sua capacidade de se dizer, relatar ao estilo do "Hoje mesmo se cumpriu este passo da escritura" pronunciado por Jesus na sinagoga de Nazaré, após ler o profeta Isaías.
Este contar história(s) é algo de essencial para um povo, para uma sociedade, para uma fé. É uma missão das famílias, dos educadores, da Igreja. Mas temo que tenhamos um problema (espero que não, mas reforço, temo) identificado por de Luca: "Não vejo pais que contem histórias... Talvez não tenham nada para contar, excepto as férias que se fazem e as fotografias que tiraram num passeio de barco. Há um deficit de transmissão, de tempo..." Não será simplesmente um vazio?
Bom fim-de-semana.
sexta-feira, 13 de novembro de 2009
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