domingo, 30 de agosto de 2009

XXII Domingo do Tempo Comum

Como gosto desta frase de Jesus, lida no evangelho de hoje: "Vós deixais de lado o mandamento de Deus, para vos prenderdes à tradição do homens". Na verdade, o grande problema de todas as religiões é, ao longo da sua história, irem enchendo a sua doutrina original de tantas novas regras, de tantas novas formulações, de tantas novas liturgias que vão abafando e escondendo o nevrálgico da sua fé. Já os profetas o denunciavam no judaísmo e Jesus cita um texto eloquente de Isaías: "Este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim. É vão o culto que Me prestam, e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos". (Is 29, 13)

Para os judeus qualquer contacto com algo ou alguém que não fosse judeu ou que eles achassem pecador (doentes, publicanos, leprosos, crentes de outras religiões, etc.) tornava-os impuros e obrigava-os a múltiplas formas religiosas de purificação. Mas Jesus é claro: o que torna o homem impuro é o que nasce dentro de si, no templo de todas as suas decisões, no seu íntimo, na sua consciência, no seu coração é aí que ele decide ir contra o outro, invejar o outro, difama-lo, engana-lo, etc. O homem só se separa de Deus se, aí no seu interior, decide não estar com Deus e assim O recusa na relação com os outros. Por isso, a lista de vícios que Marcos coloca na boca de Jesus está totalmente centrada em atitudes e acções que só posso realizar contra o outro, que só posso pôr em prática na relação com o irmão.

A grande questão neste domingo é a exterioridade, é a obsessão pelo parecer. E se é verdade que vivemos num tempo em que os gabinetes de comunicação proliferam na política, nas empresas, nos clubes, etc; se é verdade que a cirurgia estética é cada vez mais solicitada, alimentando o mito da eterna juventude; se é verdade que existe um farisaísmo laico - o politicamente correcto -, não é menos verdade que é na religião, no nosso caso, no cristianismo, que mais o perigo da exterioridade, do predomínio das tradições e da lei sobre o Evangelho mais se coloca. De facto, o farisaísmo, o legalismo e uma certa religiosidade exterior são um problema da Igreja: a recepção social ou preventiva dos sacramentos, a participação na Eucaristia porque a tal o sacerdote exige para baptizar ou casar ou ser padrinho, as festividades exteriores como montras de pequenas vaidades locais e pessoais, os rituais mágicos em nomes de santos ou santas, as missas e orações rotineiras e vazias, os rios de dinheiro que se consomem em pura exterioridade festiva ou arquitectónica, os lugares de destaque para as personalidades civis, a marginalização a que são votados os que ousam criticar e colocar em causa leis e regras não evangélicas, a falta de diálogo e a oposição a mudanças tão necessárias como exigidas, o medo da diferença, a subserviência diante dos poderosos e diante do argumento da tradição, uma comunhão que é entendida como uniformidade, pensamento único e exclusão são sintomas de que as palavras de Jesus ressoam hoje com toda a actualidade e com toda a acuidade profética. Saibamos ser a elas permeáveis.

1 comentário:

Salete disse...

Vivemos envolvidos pelas rotinas e rituais que nos afastam do essencial!
Aquele que apenas exige o nosso amor e entrega não se detém com falsas demonstrações... nem sequer com actos vazios de conteúdo!
Sentir o coração pleno, como que a rebentar, porque preenchido unicamente por Ele, é uma graça que apenas a "sintonia" nos concede!
Que felicidade sentir como são dispensáveis as rotinas... e sentir que já não sou eu que vivo...