No Evangelho de hoje, Jesus esclarece em que consiste a fé cristã: comer a sua carne e beber o seu sangue. Estes dois actos são factor de vida e de vida eterna, são proporcionadores de uma união Mestre/discípulo idêntica à do Pai/Filho. Só que este comer a carne e beber o sangue não é o gesto sacramental da comunhão que se faz na Eucaristia. Esse momento é um segundo momento que vem depois do momento decisivo: acreditar em Jesus de Nazaré em todas as suas dimensões. Comer a sua carne é assumir como seu o estilo de vida de Jesus. Beber o seu sangue é viver a vida como doação e entrega à imagem do sangue derramado na cruz. Comer e beber o sangue é unirmo-nos a Jesus de forma íntima e única em todas as dimensões do seu ser. É dizer sim à sua forma de viver e morrer...
Se esta comunhão com Jesus for real e não alegórica ou simbólica então tem sentido celebrar a Eucaristia e comungar o seu corpo e sangue. Sem nos unirmos vitalmente e totalmente a Jesus, a Eucaristia é uma caricatura. Se não optarmos pela lei do amor, se não lutarmos pela fraternidade, se não apostarmos na tolerância, se não dermos um alimento novo aos outros então a Eucaristia que celebramos não é a ceia do Senhor, a partilha da sua mesa, o convívio com a sua pessoa, com o seu corpo e sangue.
Neste dia reflicto também em como se celebra hoje a Eucaristia: o rito claramente devorou o símbolo. A postura passiva das assembleias, a repetição exaustiva de palavras, fórmulas e gestos incompreensíveis para as pessoas, a distância fria das presidências (que não se resolve com aproximação física das assembleias, mas com posturas e palavras de proximidade), o próprio pão e vinho são tão pouco pão e vinho, o gesto da comunhão não é de partilha da mesa nem do alimento, etc, etc. Há que trazer de novo às nossas Eucaristias a partilha, a igualdade, a fraternidade, o serviço, o convívio, a comunhão de corações, o encontro. Se não o fizermos a Eucaristia não proporciona o encontro com a pessoa, o corpo e sangue de Jesus e, consequentemente, com os outros.
domingo, 16 de agosto de 2009
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3 comentários:
(...) É assumir como seu o estilo de vida de Jesus,(...).
Uma reflexão capaz de deixar qualquer um sem palavras...
No passado Domingo ouvia estas palavras da boca do celebrante e pensava, será que as pessoas percebem a profundidade desta comunhão... será que estão em sintonia com esta verdade... sentem nas suas vidas que têm que ir para além do ritual semanal em que se tornou?
Se fosse possivel cada um ser o reflexo vivo Daquele que convida à comunhão, as nossas assembleias mais do que massa humana, seriam Cristãos em sintonia e a caminho com o Mestre!
Obrigada
Caro amigo,
Antes de mais agradeço-lhe a visita aos meus e as palavras deixadas um pouco mais atrás neste blog. Infelizmente não o encontrei por menos de uma hora, mas acredito que nos encontraremos em breve.
Escrevo-lhe neste post porque tenho tido tempo a mais para ler e pensar e porque a reflexão aqui apresentada por si e um comentário deixado num outro post sobre o problema da existência (ou não) de Deus me lembrou uma troca de emails (deve lembrar-se) em que a discussão ficou em suspenso.
“Comer a sua carne é assumir como seu o estilo de vida de Jesus.”
Esta frase recorda-me as palavras de Wittgenstain segundo quem o crente toma algo como guia de toda a sua vida e é isto e não qualquer intensidade de sentimento que demonstra ou constitui a firmeza da sua crença (algumas citações de cabeça e do inglês podem não ser muito rigorosas). Claro que também é Wittgenstain quem diz que o verdadeiro crente prefere a não existência de evidências favoráveis à existência de Deus já que a existência destas “destruiria todo o assunto”. Ou seja, há uma primazia da fé, da crença e a apologia de que a fé é que é a verdadeira essência da religião, independente da verdade sobre a existência de Deus. Isto um pouco na linha de Kierkegaard que defendia uma forma mais pura de cristianismo, como um facto bruto em si, dispensando qualquer opção racional (mas a este já vamos). E tudo isto abre a possibilidade de religião sem crença (ou uma crença sem Deus como se preferir). Para Braithwaith a crença cristã é constituída na determinação para viver de acordo com a moral cristã e o crente cristão não tem necessidade que as preposições empíricas apresentadas pelas estórias (evangelhos) correspondam a factos empíricos. Como se vê, ainda estamos com a sua frase que citei e já estamos sem Deus, mas ficamos com uma fé que se tem como um fim e que se valoriza numa moral supostamente superior. Há uma corrente ateísta dentro da igreja anglicana que defende esta visão do cristianismo.
Claro que ao incauto parecerá que a simples existência desta fé pressuporá a existência de Deus e que a moral cristã só é superior porque emana de Deus. Lá estamos outra vez com S. Tomas de Aquino, mas é preciso não esquecer as opções alternativas cada vez mais entranhadas no mundo: a naturalista que nos apresenta a existência do mundo como um facto (com necessidade ontológica) e o axiarquismo extremo defendido por Leslie. A primeira opção leva-nos directamente para o ateísmo e sinceramente para o ponto que quero deixar a segunda (que se vê por ai distorcida em muito new age e muitas energias para cima e para baixo) é mais interessante. Leslie, seguindo argumentos da definição platónica do Bem como uma entidade objectiva, define o conceito de necessidade ética e defende que o valor objectivo tanto explica o facto de existirem coisas, como as cria. Abre-se aqui até uma explicação para a existência de Deus, Deus caso exista, existirá porque é bom que ele exista. Ou, caso se prefira, o Bem, serve de substituto de Deus. Trocando pelo que se ouve por ai todos os dias, a “entidade criadora”, Deus, é o próprio bem, a bondade, o amor, a “energia vital”, etc, etc. Mas é bom reparar que estamos a falar, do valor em si, já há muito abandonamos o Deus pessoal defendido tradicionalmente. E, como diz J.L. Mackie, não há razão para chamar Deus ao hipotético princípio de valor criador. Isso corresponderia a uma dissimulação de uma verdadeira mudança de crença (de teologia).
(André)
(continuação)
E vai-me desculpar esta longa digressão para chegar ao ponto fundamental: È a linguagem muitas vezes ambígua e pouco clara (e falo também a nível de rigor linguístico) da Igreja e dos seus teólogos e ministros, a fácil aceitação da inexplicabilidade do “mistério”, que também favorecem esta interpretação e o desenvolvimento de algumas correntes de cristianismo positivista e light que quanto a mim não se distinguem assim tanto de algumas correntes new age. Ou seja, a igreja defende (e tu acreditas?) como uma necessidade de fé a existência de um deus pessoal com os predicados tradicionais da eternidade, omnipotência, omnisciência e infinita bondade? Gostava de lhe ouvir uma resposta clara e não o “enrolamento linguístico” comum dos significados subentendidos e dissimulados (espero que aceite a provocação). E claro que é a esta definição de Deus que o problema do mal coloca mais dificuldades, mas isso fica para uma outra altura depois de uma resposta clara.
A segunda pergunta é para mim ainda mais interessante do ponto de vista cristão, já que acaba por englobar a primeira. Kierkegaard (ca está ele outra vez) diz que “o cristianismo não é uma doutrina, mas o facto de que Deus existiu”. Ou seja, o facto de que Deus encarnou em Jesus. Kierkegaard diz que não há doutrina porque admite como não defensável racionalmente a divindade de Cristo e defende uma fé mais real e de maior valor porque completamente voluntária. Mas é esta também a visão da nossa igreja? Será que defendemos a divindade de Jesus como a encarnação de um Deus pessoal sem subterfúgios, sem palavras bonitas e explicações ambíguas. Gostaria de lhe ouvir claramente que Jesus “é” a encarnação de um Deus pessoal, infinitamente bom, etc.. E já agora, caso o afirme, isto parece-me muito pouco defensável racionalmente (aqui apelo ao filósofo), ou quer adiantar algum argumento? A argumentação teórica pode ficar para outra altura, mas gostava de ouvir se defende esta visão tradicional do Deus cristão.
Isto já vai longo de mais, agradeço-lhe a enorme paciência e a bondade de aceitar esta minha argumentação.
Um abraço e até qualquer dia,
André
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