segunda-feira, 18 de maio de 2009

VI Domingo da Páscoa

Escuto várias vezes nas aulas da faculdade que o critério moral cristão é: amar o próximo como a si mesmo. Ora quem diz isso incorre em duas incorrecções. Por um lado, este mandamento é, na sua origem religiosa, judeu e aparece em Lev 19, 18. Por outro lado, quem afirma tal deve ter ficado pelos três evangelhos sinópticos, na sua leitura do Novo Testamento.
Na liturgia da Palavra de Domingo passado está o cerne, a alma de toda a estrutura revelativa cristã. Mais, está a grande e original intuição cristã que abate todos os conceitos divinos anteriores e posteriores à sua formulação: "Deus é amor". E, consequentemente, quem não ama não está em Deus e Deus não esta nele.
Vede, Deus não é o amor como se esta fosse uma sua característica a juntar à omnipotência, à eternidade, à omnisciência, etc, etc. Não se diz Deus ama, como se o amor fosse uma descrição de uma acção divina, como seria Deus castiga, Deus vê, etc. Não, ao dizer Deus é amor está-se a dizer o seu nome próprio, a sua essência, o seu próprio ser. Mais, está-se a dizer que não é possível conhece-lo, defini-lo, vislumbrar o seu mistério, encetar uma relação com Ele sem amar. E amar quem? O outro, seja ele quem for. E como? Aqui surge a radical novidade cristã: como "Eu vos amei". Não como tu te amas, não como o mundo ama, não como muitos manipulam ou sequestram essa palavra. Mas como "Eu vos amei". Assim permanecemos nEle e Ele em nós. Permanecer em Jesus, tal como a vide permanece na videira, é a condição essencial para o amor cristão. É a possibilidade de amarmos como Ele nos amou e ama.
E este é o seu mandamento: amar. Por isso, é que o cristão não tem lei porque amar não pode ser uma lei senão deixava de ser amor para ser legalidade. Ninguém ama porque assim está escrito. Ninguém ama porque assim tem que ser. Ninguém ama porque assim algo exige. Ama-se porque é um impulso interior que se me impõe e que brota não sei bem de onde. Mas o cristão sabe: do Espírito de Jesus Ressuscitado. Assim quando rezamos, celebramos a Eucaristia, fazemos voluntariado, festa e peregrinação; quando abraçamos, choramos, caímos e nos erguemos fazemo-lo porque amamos o Mestre (O Amigo) e o outro que nunca mais nos pode ser indiferente. Enfim, agir assim não é apenas um imperativo racional porque o amor não é racionalidade. Também não é uma atitude pragmática porque no amor não há pragmatismo. É uma atitude radicalmente cristã. E os que não crêem em Jesus não podem amar assim? Claro que podem, graças ao Seu Espírito que sopra onde o deixam insuflar vida, mesmo que o não conheçam: "Quem não ama não conhece a Deus, porque Deus é amor".

1 comentário:

Salete disse...

"Uma atitude radicalmente Cristã..."
Uma afirmação plena de sentido!
A expressão "amor" foi banalizada, o sentimento destituído de sentido, as muitas formas que tem assumido limitadoras da sua verdadeira expressão...
Os cristãos ainda não descobriram o rosto de Cristo no outro!
Até ser feita esta descoberta, o "amor" continuará a ser confundido com outros sentimentos e Deus amor continuará a ser um Ilustre Desconhecido.
Obrigada pelo seu texto, uma vez mais um convite à reflexão!