quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

Provavelmente Deus não existe?


É provável que no meio de tanta notícia e de tanta não notícia tenha passado despercebida a muitos uma campanha publicitária lançada em Londres e já espalhada por diferentes cidades europeias em que se afirma: Deus provavelmente não existe. Deixe de se preocupar e goze a vida.
O mais interessante desta iniciativa é que ela acaba por ser uma verdadeira aliada de todos os crentes cristãos porque desafia a algo de fundamental para um cristão: pensar e confrontar a sua fé com todo e qualquer edifício intelectual não crente. Daí brota a discussão sã que implica o aprofundamento da fé e das raízes da crença. O cristão não tem medo do ateísmo teórico, reflexivo e sério. O cristão fica desarmado é com a indiferença e o mero encolher de ombros de quem diz: Deus? Nunca coloquei a questão nem parece ser sequer importante colocá-la.
Em probabilidades não sou muito forte, mas percebo que nem o autor desta campanha possa dizer taxativamente que Deus não existe porque a existência de Deus não é objecto das ciências verificáveis experimentalmente. O que também me parece suficientemente aceitável é que, diante da contingência deste mundo, do enigma da existência, da culpa, do sofrimento, da morte, do sentido último da vida é razoável acreditar no Deus pessoal, criador e salvador, de Jesus Cristo, pura positividade amorosa.
Naquela frase, o que é verdadeiramente triste é a sua segunda parte: Deixe de se preocupar e goze a vida. Não vou falar do apelo à irresponsabilidade pessoal e social que ela encerra, como se o outro, o seu sofrimento, a sua dignidade, os seus direitos nada me dissesse (não passa esta crise económica muito por aqui?). Mas o que entristece o crente é a imagem de Deus que o autor desta campanha tem. E a culpa não é dele mas sim da face deformada de Deus que os cristãos têm dado ao longo dos séculos: um deus que não quer o homem feliz, que o vigia continuamente para ver quando vai falhar; um deus que nos ameaça com o inferno, que tolhe a nossa sexualidade, que pede sacrifícios e sofrimento; um deus em nome do qual se perseguiu, matou e anatematizou a liberdade, a ciência, os direitos humanos, a alegria, o amor, a felicidade; enfim, um deus que não é aliado do homem mas seu preceptor e juiz. Diante de um deus assim também eu seria ateu.
Podem perguntar, então como é o Deus cristão? Como já vai longo este texto, apenas encerro com uma frase: é precisamente o contrário do que atrás escrevi. Ou já nos esquecemos do menino de Belém, do Mestre de Nazaré ou do condenado de Jerusalém?

2 comentários:

Unknown disse...

O teu comentário é esclarecedor a vários níveis e a campanha publicitária é de enorme falta de responsabilidade social.
Está na moda chocar as pessoas? Ou ser ridiculo?
Então aqui vão mais umas sugestões:
- Se tens espirito aventureiro e és um tipo radical, não percas as grandes promoções para a Faixa de Gaza!
- Queres ser o centro das atenções? Vai à Somália e faz uma visita turistica, com um saco de arroz ás costas.

Todos nós temos um pouco de palermice, o segredo é termos consciência das coisas e sabermos estar calados no momento exacto.

Unknown disse...

Descobri o Peixe há pouco tempo, mas tenho desde então tentado seguir os seus posts.
Este contudo suscitou-me a vontade de deixar um comentário, até por estar relacionado com algumas discussões que tenho mantido nos últimos dias.
Antes de mais digo que o comentário é referente apenas à primeira parte do post, porque com a segunda concordo plenamente. Portanto vou, de alguma forma, tentar fazer de advogado do ateismo teórico, reflexivo e sério (mesmo não sendo ateu).

Primeiro direi que Deus (e o problema da sua existência) é um objecto da ciência (e nisto incluo as ciências experimentais). É-o enquanto parte do real (signifique isto o que significar, que isso será outra discussão) e no sentido em que toda a realidade é o objecto da ciência. Ou seja, é-o enquanto objectivo. O facto de actualmente não ser verificavel experimentalmente, ou o facto de acreditar que nunca o será, não o eliminam como objecto cientifico. E embora aqui escolas diferentes possam discordar do meu argumento, eu farei uma analogia com o mundo das particulas subatómicas: particulas postuladas, como o gravitrão ou o boson de higgs, nunca foram provadas experimentalmente e poderão nunca o ser (ou por limitações técnicas ou devido à sua não existência). Não deixam contudo de ser objecto da ciência experimental. A sua existência é induzia apartir da adequeção da representação/explicação da realidade obeservavel resultante da teoria que as postula.

Isto para chegar aos argumentos indutivos e às probabilidades. Aqui socorro-me de um teólogo inglês que foi Professor de filosofia da religião na Universidade de Oxford até recentemente: Richard Swinburne. (penso que seja anglicano)
Swinburn defende que a existência de Deus não pode ser provada por argumentos dedutivos, mas apenas de forma indutiva, ou seja de alguma forma probabilistica. E argumenta a favor da maior probabilidade da sua existência. E aqui, como argumentos indutivos, penso, poderão entrar argumentos cientificos verificaveis experimentalmente.

Não quero argumentar contra a importância de Cristo e das escrituras para o conhecimento de Deus, mas quero discutir a necessidade da existência de Deus. Penso que uma redução da fé às escrituras, tradição e relevância para a nossa vida quotidiana é limititiva, eu preciso que o Deus em que acredito seja necessário (aqui o argumento é ciclico já que um Deus definido como o é o Deus abrahamico terá de ser absolutamente necessário à existência de tudo o resto). Poderá ser dito que o argumento histórico (e aqui incluo tudo o que seja intervenção de Deus na História – com Cristo e os evangelhos como os pricipal acontecimento para os cristãos) seja suficiente, mesmo que dependente da fé, mas isso não exclui a sua confrontação com os argumentos “contra” a existência de Deus ou com o conhecimento da universo como descrito pela ciência.

Peço desculpa pelo longuíssimo comentário e a quem pensar que isto seja um imenso disparate: por favor ignorem.
Admito a minha enorme ignorância e a imensa dificuldade em discutir alguns destes temas. E também sei que o seu post não se debruçava directamente sobre este assunto. Se achar que isto não passa de uma discussão completamente esteril por favor ignore, se lhe encontrar alguma relevância arguardarei uns posts sobre o assunto ou a oportunidade para um esclarecimento mais adequado.
Abraço,
André