Gostaria de aqui relacionar o apelo que o padre Nuno fez para que a medicina se libertasse do paradigma tecnológico para se tornar no que é na sua essência: humana e humanizadora. Uma medicina que se cinja às questões técnicas, à máquina, à eficiência acabará por abordar o doente, o moribundo, o cadáver como uma peça de uma engrenagem e não como um ser com uma história, um contexto social, com um valor único e original, enfim como uma pessoa.
Escutava, então, o meu amigo (que falou com muita maior densidade, justificação e beleza do que expus) e pensava na nuvem de cinzas que durante dias paralisou vários aeroportos por toda a Europa. Pensamos nós que a tecnologia nos tornou mais livres, mais poderosos e com maior qualidade de vida que os nossos antepassados recentes. Não duvido que facilitou muita coisa, que melhorou muitos serviços (como por exemplo a saúde), que permite infindáveis possibilidades. Mas a realidade, é que se a deixarmos tomar conta de tudo desumanizamo-nos, fechamo-nos, passamos a viver para a eficácia e as estatísticas, esquecemos o que nos distingue de tudo o que nos rodeia, deixamos de ser médicos, professores, pais, etc e passamos a ser técnicos... E basta uma antiquíssima forma de a natureza se manifestar para nos mostrar como, afinal, a tecnologia nos prende nos aeroportos, nos faz perder milhões, nos faz sentir impotentes e torna inúteis todas as possibilidades técnicas que temos. Aliás, sempre que saio de casa ou procuro alguma coisa irrito-me com a quantidade de máquinas que me pesam, com os aparelhos para tanta coisa e que tanto espaço mental e material ocupam, com os inúmeros cartões, códigos e afins que ocupam as carteiras e a memória quando ainda, há trinta anos atrás ia para a escola com uma simples pasta de couro às costas, sem dinheiro e desconectado do resto da família e do mundo.
Não estou a estigmatizar nada, apenas a afirmar que não acredito que sejamos mais livres nem mais desenvolvidos humanamente que os meus avós. Aliás, tenho a certeza de que estamos muito mais vulneráveis do que eles.
Porque é tão bonito, tão humano e tão pouco tecnológico aqui deixo um dos poemas do meu amigo Daniel lidos na quinta-feira:
A noite veloz bate a lâmpada azul contra as casas
A luz que estilhaça
A sirene. A noite bate na luz da lâmpada
Quebrando-a
Soubesse eu a canção que cantam os mortos para não adormecer
Soubesse eu soldar o silêncio
Existe sempre alguém que passa e bate na noite
A zumbidora lâmpada azul para não adormecer
Na morte
Soubesse eu estilhaçar a noite. Soubesse eu morrer
Iluminando
2 comentários:
Não posso deixar de enfatizar isto:
O Daniel Faria foi, quanto a mim, um dos maiores talentos da poesia portuguesa contemporânea. Partiu cedo de mais e isso, com a inerente limitação ao tamanho da sua obra, talvez não permita um reconhecimento generalizado. Mas no fundo quem perdeu foi a nossa poesia e a nosso cultura, ou seja, todos nós.
Possivelmente teria descoberto a poesia do Daniel sozinho, mas como a nossa vida só se escreve uma vez, aqui fica o meu obrigado a quem mo deu a conhecer.
Abraço,
Caro amigo, a herança do Daniel é universal, mas ter sido seu mediador para ti enche-me de contentamento. Um forte abraço.
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