domingo, 18 de abril de 2010

III Domingo da Páscoa

Costuma-se olhar para esta cena do último capítulo do Evangelho de S. João como se a sua pescaria fosse um regresso dos discípulos à sua actividade anterior imbuídos por um desânimo, uma noite escura da sua fé. Esta interpretação deixa-me insatisfeito porque faz uma interpretação simbólica descontinuada. Por isso, hoje vou propor-vos uma leitura inteiramente simbólica do evangelho deste domingo que penso constituir uma boa alternativa para a nossa reflexão sobre a situação actual da Igreja, que queremos de portas aberta porque a isso nos exige a fé na Páscoa de Jesus.
No Evangelho de hoje temos um grupo de sete discípulos, que, liderados pela palavra de Pedro, vão pescar para o mar de Tiberíades. Isto é, temos a Igreja (sete querer dizer a totalidade dos crentes), motivada pela palavra do seu líder (Vou pescar), a partir para a missão, para o anúncio da Palavra , para o ser pescador de homens. E partem para a missão em pleno território pagão, por isso o nome do lago usado é o de Tiberíades derivado do imperador romano Tibério. Temos, então, a Igreja em missão, na noite e a sentir na pele a esterilidade da sua palavra, a incapacidade de se fazer compreender, o sentir que não consegue, por diferentes circunstâncias, afirmar o centro e o essencial da sua grande notícia para toda a humanidade. Era de noite e não apanharam nada... Que católico não se sente hoje assim: abre as portas, mas a ninguém parece interessar o que tem para anunciar e dar, apenas nos atiram à cara notícias novas e velhas, sem nos dar sequer a oportunidade de lhes mostrar o que alimenta a nossa esperança.
E eis que surge o Mestre, hoje de novo, para nos indicar o caminho. Primeiro, recorda-nos que o que temos para comer, o alimento da nossa fé é Ele, a sua Palavra, é a ela que devemos obedecer e não às nossas leis, tradições ou regras que o passar da história nos foi impondo. Não devemos insistir no velho, no hábito, mudem de método, de rumo e deixem-se iluminar pelo amanhecer pascal que é grávido de novidade (Ao romper da manhã... Disse-lhes Jesus: Tendes alguma coisa de comer? ... Lançai as redes para a direita...). E nesta altura tudo se transforma, a rede enche-se porque fomos fieis ao Mestre e não a nós e à nossa história e às nossas leis.
Nesta altura, o discípulo que Jesus amava [personagem que representa a comunidade de todos os crentes, dos mais humildes, daqueles que foram até aos pés da cruz, daqueles que não sendo líderes, são fieis. Aquela comunidade a quem Jesus encomendou que fosse mãe (Eis o teu filho. Eis a tua mãe) e a quem entregou o Espírito ao morrer] reconhece o Mestre e comunica-o a Pedro. E este escuta a comunidade. Eis a outra grande lição para a Igreja hoje: o verdadeiro líder é aquele que escuta a sua comunidade, que dá espaço às suas intuições, que crê que nela são muitos os que olham a vida atentamente e lá descobrem o Mestre que nos une. No mundo em que vivemos, só uma Igreja de portas abertas entre todos os seus membros poderá ser sinal atraente e encher-se de novos membros.
E Pedro, porque escuta, é o primeiro, é a cabeça no entusiasmo (lançou-se ao mar), é o primeiro a ajudar os companheiros (subiu ao barco e puxou a rede para terra), é o primeiro no amor (Amas-Me mais do que estes?), é o primeiro a reconhecer os seus fracassos (entristeceu-se por Jesus lhe ter perguntado pela terceira vez se O amava), é o primeiro na humildade (tu sabes tudo tu sabes que Te amo), é o primeiro a perceber que as ovelhas que apascenta não são sua posse, mas posse do Mestre (apascenta as minhas ovelhas). Assim devem-se entender e agir os líderes da Igreja de Jesus Cristo Ressuscitado: com entusiasmo, amor, humildade e sem sentimentos de posse nem de domínio sobre nada nem ninguém.
Na sua acção no mundo, a Igreja sabe que não cumprirá a sua missão dividindo, isto é, nela cabem todos os homens e mulheres, de todas a formas de estar na vida, de todas as opiniões, com todos os erros de que se querem emendar, de todas as classes e lugares geográficos, sociais, ideológicos e políticos. A Igreja não divide, não reproduz dentro de si o que a economia realiza na sociedade, a Igreja agrega e não cinde. A rede não se rompeu com todos os 153 grandes peixes, isto é com todos os povos da terra.
Finalmente, de novo e para terminar, a Igreja percebe que o seu alimento, a sua energia, o retemperar das suas forças só se dá no seu Mestre, no seu alimento, na sua companhia, no inclinar a cabeça sobre o seu peito, tal como fez o discípulo amado na última ceia: "Quando saltaram em terra viram brasas acesas com peixe em cima e pão....Jesus aproximou-se, tomou o pão e deu-lho, fazendo o mesmo com os peixes". E não precisamos de o ver, basta repetirmos tal gesto de partilha entre nós e para todos os homens. Basta reunirmo-nos em nome d'Ele e Ele aí estará.
Se a pesca está a correr mal, se a noite se impõe sobre os nossos horizontes, então é porque o nosso Mestre está à margem da nossa acção, nós estamos a leste da sua voz e do seu alimento e quem nos lidera nem O escuta nem escuta a comunidade. Estamos de portas fechadas a Ele e entre nós. Que a Páscoa de Jesus nos ajude a abrir as portas ao mundo e dentro da sua Igreja. Só assim veremos o sol da novidade que amanhece, nos sentiremos membros da mesma barca, abertos a novos rumos, e os homens estarão dispostos a dar-nos uma oportunidade.

4 comentários:

joshua disse...

Parabéns pelo belíssimo blogue e acertadíssima reflexão!

PALAVROSSAVRVS REX

Fernando Mota disse...

Muito obrigado pela opinião positiva e volte sempre. Abraço

Unknown disse...

Excelente!

Mas aproveitando isto deixo também um pergunta que me parece ter passado completamente ao lado de toda esta questão da pedofilia.

Como deve a igreja conjugar uma punição que todos pedimos aos clérigos que pecaram com a total disponibilidade para perdoar que Jesus nos exige?
Bem sei que isto nada tem que ver com o encobrimento e a protecção perante a justiça secular que parece ter existido.

mais um abraço

Fernando Mota disse...

É uma questão pertinente, mas, como deixas bem claro, "a César o que é de César...". Em relação a Deus, a quem se arrepende e quer-se tratar que se dê um espaço onde o pedófilo recuperado (?) exerça o seu ministério, mas onde não encontre ocasião para o crime. Mas não me parece que tenha sido isso que presidiu a muito silêncio cúmplice.
obrigado pela pertinência sempre oportuna.