
Para os judeus qualquer contacto com algo ou alguém que não fosse judeu ou que eles achassem pecador (doentes, publicanos, leprosos, crentes de outras religiões, etc.) tornava-os impuros e obrigava-os a múltiplas formas religiosas de purificação. Mas Jesus é claro: o que torna o homem impuro é o que nasce dentro de si, no templo de todas as suas decisões, no seu íntimo, na sua consciência, no seu coração é aí que ele decide ir contra o outro, invejar o outro, difama-lo, engana-lo, etc. O homem só se separa de Deus se, aí no seu interior, decide não estar com Deus e assim O recusa na relação com os outros. Por isso, a lista de vícios que Marcos coloca na boca de Jesus está totalmente centrada em atitudes e acções que só posso realizar contra o outro, que só posso pôr em prática na relação com o irmão.
A grande questão neste domingo é a exterioridade, é a obsessão pelo parecer. E se é verdade que vivemos num tempo em que os gabinetes de comunicação proliferam na política, nas empresas, nos clubes, etc; se é verdade que a cirurgia estética é cada vez mais solicitada, alimentando o mito da eterna juventude; se é verdade que existe um farisaísmo laico - o politicamente correcto -, não é menos verdade que é na religião, no nosso caso, no cristianismo, que mais o perigo da exterioridade, do predomínio das tradições e da lei sobre o Evangelho mais se coloca. De facto, o farisaísmo, o legalismo e uma certa religiosidade exterior são um problema da Igreja: a recepção social ou preventiva dos sacramentos, a participação na Eucaristia porque a tal o sacerdote exige para baptizar ou casar ou ser padrinho, as festividades exteriores como montras de pequenas vaidades locais e pessoais, os rituais mágicos em nomes de santos ou santas, as missas e orações rotineiras e vazias, os rios de dinheiro que se consomem em pura exterioridade festiva ou arquitectónica, os lugares de destaque para as personalidades civis, a marginalização a que são votados os que ousam criticar e colocar em causa leis e regras não evangélicas, a falta de diálogo e a oposição a mudanças tão necessárias como exigidas, o medo da diferença, a subserviência diante dos poderosos e diante do argumento da tradição, uma comunhão que é entendida como uniformidade, pensamento único e exclusão são sintomas de que as palavras de Jesus ressoam hoje com toda a actualidade e com toda a acuidade profética. Saibamos ser a elas permeáveis.