A liturgia de hoje ao propor-nos as solenidade da Santíssima Trindade não está a propor-nos (se o fizesse não seria uma celebração cristã) que nos afastemos da realidade da nossa vida para contemplarmos um mistério inefável de cariz místico e extravagante. Tal como Jesus diz no Evangelho de hoje, o "Espírito da verdade (...) Me glorificará", isto é abrirá o nosso coração à compreensão do mistério e do significado da vida, da paixão, da morte e da ressurreição de Jesus e à possibilidade da concretude do amor. Celebrar a Trindade é perceber que só me constituo como homem e como cristão na relação e na relação com o mundo e com o outro.
O homem nasce como filho, realiza-se numa família de sangue, de amizades e de cariz cultural e geográfico, é fruto de uma interminável teia de relações em que dá e recebe, tem vontade de transcender-se e entregar-se a alguém que o completa e realiza, nessa entrega sente o apelo a reforçar os laços de relação e a gerar uma nova vida, enfim nasce para o amor, para amar e ser amado, para partilhar a vida. E aí percebe Deus em quem sempre se moveu, existiu e é.
Quando o homem nasce e se fecha sobre si mesmo, se entende como auto-suficiente, como acima dos outros, dos sentimentos, dos afectos e como senhor da sua vida acaba convencido disso tudo, mas muito menos humano.
A Santíssima Trindade, aquela relação de amor tão profunda como misteriosa (não o são todas as relações de amor?), desafia todo o crente a viver em relação com o outro e com o mundo, mas numa relação frutuosa e geradora de vida como só pode ser uma relação de amor. Uma relação assim ultrapassa o visível, aposta no que permanece, rejeita o efémero, olha para além do imediato, vence a morte, ressuscita todos os dias. Não vale a pena neste dia falar de Deus Trino, tentar encaixa-lo num conceito, reduzi-lo a uma fórmula. O Deus de Jesus estilhaça todos os dias todas essas construções filosóficas, teológicas e culturais. O Deus de Jesus encontra a sua glória na relação de amor do cristão como o outro. Tudo o resto, sem isto, não passa de palavras...
domingo, 30 de maio de 2010
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