domingo, 6 de junho de 2010

X Domingo do Tempo Comum

No evangelho de hoje (Lc 7, 11-17) vemos um encontro de dois cortejos, duas posturas diante da vida, duas formas de vivência da fé: um a sair da cidade, a esconder-se, a sair para a solidão carregando a morte e o seu peso, a sua injustiça, a sua dor, a sua tragédia; o outro está a entrar na cidade, vai ao encontro, está a entrar para o meio da existência com a Vida e a vida feita confiança, esperança, alegria. Naquele vai um filho morto, uma viúva na mais terrível das solidões e muita gente. Neste vai Jesus, os seus discípulos e uma multidão.
No encontro destes dois cortejos - um de morte e outro de vida - coloquemos os olhos na acção de Jesus e encontraremos os discípulos e a Igreja que Jesus quer. Primeiro, Jesus ao ver aquela mãe compadeceu-se, comoveu-se, as suas entranhas se moveram maternalmente, divinamente e enxugou-lhe as lágrimas com a esperança e o conforto das suas palavras ("Não chores"). Depois, fez parar aquele cortejo de ostracização, de auto-negação, de auto-isolamento, de saída da cidade, do convívio, da sociedade (os que transportavam o caixão pararam ao toque de Jesus). Finalmente, porque é a Vida, sem orações, sem gestos grandiosos, mas como Senhor ordena não a morte (porque Ele não é Senhor da morte), mas o jovem a levantar-se, isto é Jesus é o Senhor da Vida, fala com o Homem, não com forças ocultas, tem para cada homem uma palavra de Vida, de conforto, de esperança que reabilita, que faz parar a marginalização, uma palavra que edifica, integra e eleva.
Eis a Igreja e o cristão que Jesus nos desafia a ser: aquele que não sai da cidade, não transporta a morte nem mensagens de morte, não se isola, mas faz parar todo o tipo de cortejo de morte (medo, pobreza, desemprego, marginalidade, solidão, desespero, desânimo, etc) e com palavras e gestos de conforto, de forma resoluta e confiante afirma e dignifica a vida. Que afirma que Deus salva e não condena; que Deus só pode dar a vida e nunca a morte; que as palavras de Deus ressuscitam e nunca fazem perecer.

O que acabei de dizer pode parecer uma evidência, um lugar comum na vida de um cristão, o centro de qualquer discurso eclesial. Mas por vezes ainda somos infelizmente surpreendidos com discursos eclesiásticos sustentados na morte, no medo, no julgamento, no castigo. Na quinta-feira, dia de Corpo de Deus, fui à missa e "apanhei" uma primeira-comunhão. Não vou falar da celebração em si (pobre, rotineira, enfadonha...), mas das palavras da longa homilia que nem dialogada com as crianças foi. Pois o que as palavras sublinharam foi o perigo de comer indignamente o corpo de Jesus, de comungar como Judas Iscariotes o fez na última ceia, de ser traidor de Jesus. Reforçou-se tudo isto com a a extraordinária exegese de que ser traidor de Jesus nos levará a acabar como Judas "esganado" numa figueira. E, terminou-se a homilia com a "pérola" de uma Santa que, sendo mãe, disse aos seus filhos: "Prefiro ver-vos mortos que a viver em pecado mortal". Estava fechado o edifício tenebroso de um sermão (sim, teve tudo de sermão ao pior estilo medieval) inqualificável. Enfim, em plena festa para dezenas de crianças teve-se um discurso de morte, de temor, de medo, de terrorismo religioso. Onde esteve o Jesus que veio para salvar? Onde esteve um Deus de Vida? Quando pararemos com estes cortejos de morte? É também por isso, que o Evangelho de hoje é fundamental. Só espero e pedi a Deus naquela hora que nenhuma daquelas crianças tivesse escutado tanta asneira, tanto paganismo, tanta negação de Jesus.
Senhor entra na nossa cidade e pára tanto cortejo de morte fora e dentro da tua Igreja.

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