terça-feira, 23 de junho de 2009

Noite de S. João

Fiz há algumas horas o exame de Filosofia e Ciência Política II. Na próxima segunda-feira, tenho o exame mais temido deste semestre: Lógica II. Por isso, dou aqui um salto rapidamente para recordar que hoje é a noite maior para um portuense. A noite de S. João.
Sempre me considerei portuense: nasci no Porto, aí mesmo vivi nove anos (três em Vilar e seis no bairro da Sé), passava todos os domingos do ano e as festas mais importantes na quinta dos meus avós paternos em Campanhã, sempre que saía de casa era para ir ao Porto, que sempre conheci tão bem!
Na noite de S. João vem ao de cima o melhor que esta cidade encerra: ser ainda um espaço de encontro, onde se forjam relações baseadas na liberdade e na solidariedade humana que recusam há séculos qualquer tipo despotismo. Aqui, não existem marchas, todos caminham em conjunto ou ao encontro do rio (sua maior riqueza) ou até à praia (porque o mar também nos fascina) ou até ao bailarico mais próximo (porque a festa está entranhada em nós). Aqui ninguém assiste, todos participam. Aqui ninguém escapa à rudeza do carinho do alho-porro (ou do moderno martelo) porque as mãos ásperas de quem trabalha, à semelhança do nosso belo granito, têm dificuldade em afagar docemente os que mais amam, mas é sólida a sua fidelidade. Aqui todos são acolhidos como iguais porque o poder e os seus senhores estão suficientemente longe (e ainda bem). Nesta noite, infelizmente, não irei ao Porto mas lançarei um balão (não é uma figura de estilo) para que leve, até onde conseguir, o calor desta gente que tanto preza a liberdade como a tolerância de acolher quem quer que chegue e de onde quer que venha.

E amanhã, fazendo memória dos almoços de S. João em Campanhã, estaremos à mesa vinte pessoas, na casa dos meus tios Luís e Té. Já não comemos o cabrito e o arroz amarelo assados no forno a lenha, mas assados nos fornos modernos. Lá estaremos com muitos tios, filhos da quinta do Falcão. Mas hoje quero destacar um deles: o tio Manecas, que vive em Castelo Branco.
Quando eu era criança era um tio que vivia muito longe e quando vinha até ao Porto continuava-o a ver muito distante, não só porque o achava imensamente alto, mas também porque me parecia, na sua altiva (majestosa) postura, ter muito pouco da nossa quente, burguesa e acolhedora hospitalidade. Os anos passaram e há muito percebi que estava muito enganado (as crianças não têm sempre razão, apesar de alguns tolos pensarem que sim!).
No septuagenário tio Manecas vejo a verticalidade de uma vida entendida como um conjunto de compromissos que temos que honrar responsável e amorosamente até ao seu término. Onde via distância, encontro vigilância atenta; onde via majestade, encontro compreensão; onde via nobre frieza, vislumbro a acessibilidade dos homens sábios. Digo-vos: ainda existem homens para quem um sim é um sim, custe o que custar. Uns dirão que é falta de espírito de negociação. Outros que é uma coisa do passado. E outros ainda que é o caminho para a pobreza. Para mim, é o que se chama um homem. Vai ser bom dar-lhe um abraço.

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