quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Carta da China V

Sem mais deixarei, hoje, aqui, o resto da carta da China e só voltarei a este espaço a partir de quarta-feira. Os momentos presentes são inolvidáveis e inexprimíveis. Elevo para o Pai o cálice da minha vida por tudo quanto Ele continua a fazer por mim.

Enquanto a fé parece desaparecer em muitas sociedades, há uma espera espiritual que renasce.
Precisamos de encontrar as palavras adequadas e simples para tornar acessível aos outros a fé que nos faz viver. Há muitas pessoas que não conseguem acreditar que Deus as ama pessoalmente. Para algumas, há demasiadas provações que tornam a confiança em Deus impossível. Como poderemos expressar melhor que Deus leva a sério as dúvidas e a revolta perante o que é absurdo? O próprio Jesus partilhou a dor daqueles que atravessam provações ao exclamar na cruz: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?»
Há muitas crianças que crescem sem nunca ninguém lhes ter dito que Deus as ama. Quem serão os jovens que podem acompanhar uma ou várias delas no caminho da fé? Ao entrar na idade adulta, há jovens que perdem a sua ligação à comunidade cristã. Muitas vezes não se trata de uma decisão amadurecida, mas de uma cadeia de circunstâncias que remetem a fé para o fundo da escala de prioridades. Como poderão os amigos ajudar-se mutuamente a renovar uma ligação com a comunidade local dos crentes?
Por vezes cresce a distância entre os conhecimentos no domínio da fé e os que foram adquiridos noutras áreas. Uma fé que permaneça ao nível das expressões que se aprendem no período da infância terá dificuldades em enfrentar as interrogações da idade adulta. Podemos alegrar-nos ao
aprofundar a nossa compreensão do mistério da fé em cada etapa da nossa vida.
Deus convida-nos a transformar o mundo com uma grande ambição, mas também com uma profunda humildade. As pessoas mais velhas podem estimular as mais novas. As jovens gerações não são menos capazes do que as precedentes. Comecemos esta transformação em nós próprios:
deixemos Cristo ressuscitado mudar o nosso coração, deixemos o Espírito Santo levar-nos longe,
para avançarmos com coragem em direcção ao futuro.
Alegremo-nos pela sede que Deus depositou em nós! Ela dá uma vitalidade renovada a toda a nossa vida. «O que tem sede que se aproxime; e o que deseja beba gratuitamente da água da
vida.»

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Carta da China IV

Recebi há pouco a notícia de que vamos receber no colégio vinte participantes no encontro ibérico de Taizé, que, com os nossos dezasseis, constituiremos um grupo de trinta e seis em busca das verdadeiras fontes da alegria. Agora, vou estar em retiro até sexta, dia do exame, depois dedico-me a 100% por cento ao encontro. Até lá sei que a equipa que está comigo assumira responsavelmente os preparativos. Há que saber delegar. Aqui fica mais um pouco da carta da China.

Deixarmo-nos trabalhar pela sede de Deus não nos desliga das preocupações do mundo que temos à nossa volta. Pelo contrário, esta sede leva-nos a fazer o impossível para que outras pessoas possam tirar proveito dos bens da criação e encontrem uma alegria de viver. Fazer uma escolha dos nossos desejos, aceitarmos não ter tudo, leva-nos a não monopolizarmos as riquezas para nós próprios. Santo Ambrósio já dizia no século IV: «Não são os teus bens que distribuis ao pobre, apenas lhedás o que lhe pertence.» Aprender a não termos tudo preserva-nos do isolamento. As facilidades materiais levam muitas pessoas a fecharem-se sobre si mesmas, descurando as verdadeiras formas de comunicação. Bastaria muito pouco para que as coisas não fossem assim. Há muitas iniciativas de partilha que estão ao nosso alcance: desenvolver redes de entreajuda; favorecer uma economia solidária; acolher os imigrantes; viajar para compreender por dentro outras culturas e outras situações humanas; promover geminações de cidades, de vilas, de paróquias, para ajudar aqueles que precisam de auxílio; utilizar bem as novas tecnologias para criar laços de apoio... Permaneçamos atentos para não nos deixarmos invadir por uma visão pessimista do futuro, focando-nos nas más notícias. A guerra não é inevitável. O respeito pelos outros é um bem inestimável para prepararmos a paz. As fronteiras dos países mais ricos devem poder abrir-se mais. É possível haver mais justiça na terra. As análises e os apelos com vista a promover a justiça e a paz não faltam. O que falta é a motivação necessária para perseverar para lá das boas intenções. O Evangelho convida-nos à simplicidade. Escolher a simplicidade abre-nos o coração à partilha e à alegria que vem de Deus.

terça-feira, 9 de fevereiro de 2010

Carta da China III

Há pouco, no contexto do cristianismo e da sua diversidade, apresentei aos meus alunos do oitavo ano um pequeno filme sobre Taizé. São magníficas as palavras do irmão Roger a certo momento: "Talvez eles [os jovens] gostariam de ser capazes de dizer algo a Deus, a Cristo, ao Espírito Santo e não sabem como porque nunca foram introduzidos à oração pessoal. Sempre que ouço os jovens penso: será que eles saberão que já têm fé, por causa do seu desejo, da sua espera?" É tudo uma questão de inquietude. Bem, aqui fica a terceira parte da Carta da China do irmão Alois.

Deixemos despertar em nós a mais profunda das esperas: o desejo de Deus! É verdade que o espírito de admiração e de adoração não é fácil de manter quando as nossas sociedades valorizam tanto uma eficácia imediata. Contudo, é nos longos momentos de silêncio, onde aparentemente nada se passa, que o Espírito Santo trabalha em nós, sem que saibamos como. Saber esperar... Estar presentes, simplesmente, gratuitamente. Ajoelhar-nos, reconhecer que Deus está presente. Abrir as mãos em sinal de acolhimento. Fazer silêncio já é uma expressão de abertura a Deus. Há gestos de adoração e de recolhimento que fazem parte das culturas asiáticas há muitos séculos. Será que os cristãos, marcados pela secularização, poderiam encontrar nestes gestos um alento para renovarem a sua oração? Nas liturgias e encontros, a interioridade pode aliar-se a uma dimensão comunitária e festiva.

segunda-feira, 8 de fevereiro de 2010

Carta da China II

Tal como o prometido, um pequeno interregno no estudo e nas muitas preocupações (aulas, reuniões intercalares, encontro ibérico de Taizé, etc.), para colocar mais um capítulo da Carta da China do irmão Alois que irá estar em reflexão neste fim-de-semana, durante o encontro. Para agora, sem comentários. Desta vez este post pode ter uma foto da capela do colégio porque encontrei a minha máquina... tinha lá ficado, na sexta...
E sobre os meus dias? De certeza que não me vão querer ouvir a falar de filosofia das ciências, portanto, conversamos melhor para a próxima semana.

O coração humano transborda de uma abundância de desejos e de aspirações: gostamos de muitas coisas, por vezes até de coisas contraditórias. Mas também sabemos que não podemos nem fazer tudo nem ter tudo. Longe de nos levar a uma triste resignação, esta tomada de consciência pode libertar-nos e ajudar-nos a viver de forma menos pesada. Sim, é importante fazermos uma escolha dos nossos desejos. Nem todos são maus, mas também nem todos são bons. Trata-se de aprender a discernir pacientemente quais os que devemos seguir prioritariamente e quais os que devemos deixar de lado. Decidir quais são as aspirações que queremos pôr em primeiro lugar, prestar atenção àquilo que se encontra no mais profundo de nós próprios, já é uma forma de nos pormos à escuta de Deus. Deus também nos fala através do nossos desejos. Cabe-nos a nós discernir a sua voz no meio de tantas vozes interiores.

domingo, 7 de fevereiro de 2010

V Domingo do Tempo Comum

O pescador Pedro e os seus companheiros de trabalho são a imagem de homens cansados e desiludidos com a sua vida, com o seu trabalho e com o rumo dos acontecimentos. Experimentam a esterilidade dos seus esforços, a imutabilidade da sua inserção social e profissional, a sede de algo que os motive e justifique a sua labuta e as suas opções. Aqueles pescadores são a imagem do homem contemporâneo que procura saciar o seu vazio, a sua sede, o carácter efémero das suas apostas em fontes de alegria que nada podem oferecer, que nada alimentam, que nada realizam. O mar dos dias contemporâneos é assim: uma calma anestesiante ou um furor que momentaneamente entusiasma, mas deixa o sabor amargo de todas as ressacas.
A palavra de Jesus a todos nós que experimentamos aquelas sensações é só uma: "Faz-te ao largo e lançai as redes para a pesca". Traduzindo à letra: vai até à profundidade e lançai as vossas redes, isto é procura o que é profundo, o âmago do essencial e actua com os outros, em comunidade, em favor da comunidade. E o homem de hoje, um profissional de tanto conhecimento e tecnologia (tal como Pedro, um técnico da arte da pesca), liberta-se disso tudo e, armado com a única coisa que vale - a Palavra do Mestre -, lança-se no mundo ao serviço dos homens. Sabe que é indigno do amor do Mestre, sabe que o Seu amor é absolutamente gratuito e sabe que este Deus jamais se afastará de si. E por isso, aceita libertar os outros da efemeridade dos valores do nosso tempo: o dinheiro, o poder, a fama, o momento, o comodismo, o centralismo no meu eu. Parte para o mundo para os homens servir, não como um iluminado, mas com a humildade dos filhos de Deus porque se sabe chamado por Ele sem qualquer mérito da sua parte.
O milagre de Jesus não foi ter enchido aquelas redes. O milagre de Jesus foi ter despertado aqueles desanimados homens a erguerem a cabeça, a confiarem na Sua palavra, a não desistirem, a não se renderem ao inevitável e a acreditarem que eram capazes de com Ele encherem o vazio das redes dos homens do seu tempo. Nós os cristãos somos filhos desta confiança entusiasmada. Deixaremos descendência?

sábado, 6 de fevereiro de 2010

Oração Taizé

Ontem tivemos a capela do colégio cheia para a oração Taizé. Alunos, famílias, professores, irmãs e outras pessoas reservaram a noite de sexta-feira para celebrar pelo silêncio, pelo canto e pela Palavra a alegria que, como dizia o D. Manuel na quinta-feira, não tem ressaca.
No fim de uma semana atribulada fui presenteado com uma excelente nota no exame de filosofia da linguagem e, principalmente, com um momento de oração que retemperou, congregou e enviou a partilhar o tesouro que levamos em vasos de barro.
Infelizmente esqueci-me da máquina fotográfica no colégio e não posso colocar aqui algumas fotos da capela. Mas, a partir de hoje deixarei aqui excertos da Carta da China, o texto do irmão Alois que servirá de reflexão aos participantes no Encontro Ibérico de Taizé, no Porto, a partir do próximo sábado. É uma texto tão simples como incisivo e desafiante. Vale a pena fazer deste texto objecto do nosso tempo e da nossa reflexão. Para mais que estamos às portas da quaresma. Hoje deixarei aqui o primeiro excerto e, a partir de segunda, o restante. Bom fim-de-semana.

Para lá das grandes diferenças culturais que podem criar barreiras entre os continentes, todos os seres humanos formam uma só família: a nossa visita à China confirmou-nos esta convicção. Qualquer que seja a nossa cultura, a nossa idade ou a nossa história, temos em comum uma espera, uma sede de vida em plenitude. A Bíblia menciona frequentemente esta sede. Vê nela uma marca deixada por Deus para nos atrair a ele. Será que aceitamos deixar-nos trabalhar por esta sede, sem querer satisfazê-la demasiado depressa? Em nós, ela pode tornar-se amor ardente por Aquele que está sempre para lá daquilo que compreendemos dele. Quanto mais procuramos Deus mais podemos fazer esta surpreendente descoberta: é ele que nos procura em primeiro lugar. No livro do profeta Oseias, Deus fala do seu povo como um homem da sua amada: «É assim que a vou seduzir: ao deserto a conduzirei, para lhe falar ao coração.» Depois acrescenta: «Casar-me-ei contigo para sempre... com amor e misericórdia.» Em Jesus, este desejo de Deus pelo ser humano torna-se numa realidade de carne e osso. Cristo quis permanecer perto de nós para sempre e pagou um preço por isso: pela sua morte numa cruz, desceu até ao último lugar, até ao ponto de se tornar no inocente perseguido sem razão. E agora, ressuscitado, ele comunica-nos o Espírito Santo, presença invisível que nos atrai à plenitude de Deus.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

Preparativos

Tem sido uma semana ocupadíssima. Depois de ter organizado os apontamentos para o exame de filosofia das ciências, ainda não fui capaz de me sentar calmamente para estudar para o meu último exame. No colégio, para além das aulas, estamos a preparar as coisas para o encontro ibérico de Taizé e para a visita, de amanhã, do senhor D. Manuel. Ele virá encontrar-se com os mais de cem jovens que vão fazer o caminho de S. Tiago e, na eucaristia, abençoá-los-á como peregrinos. Na sexta, realizaremos uma oração Taizé na capela, pelas 21,30h, aberta a toda a comunidade educativa. Hoje, decoramos a capela ao estilo de Taizé com a preciosa ajuda de alguns colegas e dos alunos inscritos no encontro. É bonito ver como tanta gente está envolvida neste encontro, até os meninos do pré-escolar estão a fazer um mural de boas vindas e os da primária estão a preparar panos indicadores do encontro e setas para ajudar os participantes exteriores a chegarem ao colégio. Enfim, uma comunidade envolvida. O tempo escasseia, mas não podemos fugir ao momento. Que os dias que se aproximam nos ajudem a escutar o sentido e o sabor dos sinais.