domingo, 30 de maio de 2010

Santíssima Trindade

A liturgia de hoje ao propor-nos as solenidade da Santíssima Trindade não está a propor-nos (se o fizesse não seria uma celebração cristã) que nos afastemos da realidade da nossa vida para contemplarmos um mistério inefável de cariz místico e extravagante. Tal como Jesus diz no Evangelho de hoje, o "Espírito da verdade (...) Me glorificará", isto é abrirá o nosso coração à compreensão do mistério e do significado da vida, da paixão, da morte e da ressurreição de Jesus e à possibilidade da concretude do amor. Celebrar a Trindade é perceber que só me constituo como homem e como cristão na relação e na relação com o mundo e com o outro.
O homem nasce como filho, realiza-se numa família de sangue, de amizades e de cariz cultural e geográfico, é fruto de uma interminável teia de relações em que dá e recebe, tem vontade de transcender-se e entregar-se a alguém que o completa e realiza, nessa entrega sente o apelo a reforçar os laços de relação e a gerar uma nova vida, enfim nasce para o amor, para amar e ser amado, para partilhar a vida. E aí percebe Deus em quem sempre se moveu, existiu e é.
Quando o homem nasce e se fecha sobre si mesmo, se entende como auto-suficiente, como acima dos outros, dos sentimentos, dos afectos e como senhor da sua vida acaba convencido disso tudo, mas muito menos humano.
A Santíssima Trindade, aquela relação de amor tão profunda como misteriosa (não o são todas as relações de amor?), desafia todo o crente a viver em relação com o outro e com o mundo, mas numa relação frutuosa e geradora de vida como só pode ser uma relação de amor. Uma relação assim ultrapassa o visível, aposta no que permanece, rejeita o efémero, olha para além do imediato, vence a morte, ressuscita todos os dias. Não vale a pena neste dia falar de Deus Trino, tentar encaixa-lo num conceito, reduzi-lo a uma fórmula. O Deus de Jesus estilhaça todos os dias todas essas construções filosóficas, teológicas e culturais. O Deus de Jesus encontra a sua glória na relação de amor do cristão como o outro. Tudo o resto, sem isto, não passa de palavras...

terça-feira, 25 de maio de 2010

Um Relatório e Uma Reflexão

Têm sido semanas intensas, mas carregadas de momentos profundos, de convívios significativos, de experiências novas e originais. Na sexta, voltamos a encher a capela do colégio com alunos, pais e professores em mais uma oração Taizé; temos vindo a realizar celebrações marianas com as diferentes turmas desde o pré-escolar até ao 12º ano; na semana passada lançamos uma campanha de apadrinhamento de crianças da vila de Rabo de Peixe para que possam participar numa colónia de férias organizada pelos jesuítas (a participação de cada criança fica por 50 euros); no sábado, dia 15, fizemos um retiro para professores, na Casa da Torre, em Soutelo, em que tive a honra de apresentar uma perspectiva bíblica e espiritual da missão do professor católico e tive o privilégio de participar numa reflexão conjunta sobre o específico da escola católica e o que isso nos exige de mudança e regresso às raízes; participei, no domingo, dia 16, na celebração da primeira comunhão de uma família amiga que teve a simpatia de me convidar; vou recebendo amigos e familiares lá em casa que, quebrando rotinas, estreitam laços sempre indispensáveis; algumas aulas da faculdade vão-se acumulando no caderno à espera de serem transcritas a computador para melhor estudar para os exames (são seis e o primeiro é já no dia 9 de Junho); e vou acompanhando o florescer de uma vida, aprendendo com ela a missão do amor e a exigência da sua realidade.

No meio de tudo isto tenho tido dificuldade em dedicar um pouco mais de tempo a este espaço. Há muito que queria ter escrito algo sobre a crise económica que se tem agudizado e tem justificado mais e mais sacrifícios.
Peço desculpa, mas vou ter que me citar. Em 26 de Setembro escrevia neste espaço:
Portugal vive uma situação dramática que a maioria das famílias (as que têm um emprego com um ordenado médio) não tem noção porque as juros estão muito baixos, não existe inflação, houve aumentos significativos na função pública e até o petróleo tem estado controlado. Portugal tem uma dívida externa gravíssima, que fará com que seja cada vez mais difícil e caro conseguir dinheiro emprestado para o estado e para os bancos; Portugal gasta muito mais do que aquilo que produz e isso, a médio prazo, vai-se pagar; Portugal tem um endémico problema na formação da sua mão de obra que não se resolve com oferta de novas oportunidades; Portugal tem uma segurança social que estará cada vez mais sobre pressão não só com o aumento do desemprego como também com o envelhecimento da população; Portugal não tem uma visão estratégica para o seu futuro produtor seja na agricultura e nas pescas seja no seus diferentes sectores industriais; Portugal tem um estado que absorve grande parte da riqueza que produzimos anualmente porque tem muitos funcionários e mal distribuídos, porque faz muita coisa que os privados poderiam fazer, porque pensa que tem que ajudar tudo e todos (empresas, associações, artistas, etc, etc), porque anseia tudo controlar e desconfia de tudo o que é privado. Portugal vive uma situação decisiva da sua história e que se nada se fizer levará ao seu definhamento progressivo, que, se formos sensatos, já vamos vivendo há pelo menos catorze anos (digam-me quando não se disse que estávamos em crise?).
Na altura, em conversas familiares disseram-me que estava a exagerar. Que nunca estariam em causa direitos adquiridos, patamares remuneratórios, que haveria sempre dinheiro para os ordenados do estado e das autarquias, que eram visões catastrofistas, etc, etc.
Não foi preciso um ano para tudo ser ainda mais grave. Não vou fazer considerações políticas, nem procurar culpados porque tudo isso fica-se pela rama do problema.
A crise portuguesa é, antes de mais, uma crise ética. O dinheiro perdeu valor; o viver com o que se tem é antiquado; ser moderado nos gastos e implacável no supérfluo é salazarento; pagar o que se deve a tempo e horas é para os "anjinhos"; honrar a palavra dada é desmentido todos os dias e pelos mais responsáveis do país; valorizar o trabalho e a produção é do século XIX; o não assumir responsabilidades pelo que se faz, pela forma como se governa, pela vida que se leva; vive-se como se não houvesse amanhã, como se não houvesse pensionistas, doentes, crianças em idade escolar, trabalhadores daqui a 50 anos; tudo comprar porque tudo se vende e tudo e todos têm um preço é o único critério moral de muitos portugueses.
Mas mesmo assim, muitos teimam em não ver para lá da sua casa, da sua conta bancária, do seu futuro imediato (as próximas férias de Verão), dos objectivos partidários, do próximos aperto europeu. Nada mudará se não mudarmos de atitude. Não se estancará os gastos se não mudarmos de paradigma económico e estatal. Nada seremos se não formos verdadeiros com o que somos e temos, em como trabalhamos e produzimos, em como governamos e somos governados. Não haverá resolução de nenhuma crise, enquanto perdurar o momento, o imediato, as próximas eleições, a exterioridade, enfim a mentira. E, uma crise ética é muito mais difícil e lenta de resolver do que qualquer crise económica.

domingo, 23 de maio de 2010

Domingo de Pentecostes

E eis que se fecha o ciclo pascal. Sob o paradoxo portas fechadas/portas abertas celebramos o Pentecostes cristão, isto é, a festa judaica que celebrava a entrega da lei de Deus, por Moisés, no monte Sinai transforma-se na celebração do Espírito que vem em auxílio da nossa fraqueza e torna possível o mandamento do amor de Jesus.
No Evangelho de hoje, Jesus ressuscitado oferece o Espírito com um sopro. No início da Bíblia, no livro do Génesis, o homem torna-se um ser vivente porque Deus soprou nas suas narinas um hálito de vida. Na tarde daquele primeiro dia da semana, Jesus sopra sobre os seus discípulos o ar de que se alimenta e em que age todo o cristão: o Espírito de Cristo ressuscitado. E é por este Espírito, esta graça de Deus ao homem, que somos capazes do amor, do perdão, da oração, da solidariedade, da fé...
O cristão está de portas abertas ao mundo e sai ao encontro de todos os homens porque é impelido pelo Espírito, por esse vento de que se escuta a voz (Cf. Jo3, 8), e, tal como a leitura paradigmática dos Actos dos Apóstolos (Act 2, 1-11), é compreendido por todos os homens. Como? Porquê? Porque fala a linguagem do amor. Porque faz-se reconhecer como cristão (ou assim se deve fazer reconhecer) da mesma forma que Jesus se dá a conhecer no meio dos seus discípulos: "mostrou-lhes as mãos e o lado". Isto é, de mãos abertas e de lado rasgado como claros sinais de amor. Assim, todos nos compreenderão porque corajosamente afirmamos e agimos à imagem do amor do Mestre. Melhor, afirmamos e agimos imbuídos e movidos pelo Espírito de Jesus Ressuscitado: de mãos abertas oferecendo o perdão, de lado aberto que expõe a dimensão do coração de Deus, de lado aberto a acolher todo aquele que aceita e dá oportunidade a Deus amor. A retenção do perdão acontece a quem não se deixa amar, a quem não necessita de Deus porque não se sente humilde, frágil e pecador. A esse o cristão, a Igreja de portas abertas da manhã de Páscoa e de Pentecostes não promoverá juízos condenatórios, não perseguirá, não ostracizará, não lhe negará o sal da Palavra, nem a Luz do Caminho, nem o sentido da Vida, apenas o amará como o Pai da parábola do Filho Pródigo, paradigma do Deus cristão.
Vem Espírito Santo, que o teu sopro escancare as portas da Igreja e de cada um nós para que, de mãos abertas (para dar e receber) e de coração limpo (sem fingimento) , o mundo Te encontre e se deixe mover interiormente porque só assim age a lei do amor. Para que seja cada vez mais real a promessa de Deus escutada em Vigília Pascal, pelo Profeta Ezequiel: "Dar-vos-ei um coração novo e infundirei em vós um espírito novo. Arrancarei do vosso peito o coração de pedra e dar-vos-ei um coração de carne". (Ez 36, 25-26)

domingo, 16 de maio de 2010

Ascensão do Senhor

O tempo pascal está a chegar ao fim e a celebração da Ascensão de Jesus, à luz do Evangelho deste domingo (Lc 24, 46-53), recorda-nos o lema que escolhi para o tempo pascal deste ano: De Portas Abertas... E recorda-nos porque Jesus acrescenta, à necessidade da sua morte e ressurreição, uma nova necessidade derivada daquelas: o anúncio da Palavra. O abrir as portas.
E abrir as portas para anunciar a conversão e o perdão. Que conversão? A da forma religiosa, legal e justiceira de entender Deus que foi denunciada pela morte e ressurreição de Jesus de onde brotou a verdadeira face de Deus: amor. Que perdão? Aquele que se obtém quando quem ama, ama super-abundantemente (onde abunda o pecado, super-abunda o perdão), tal como a morte e ressurreição de Jesus assim nos revelam. Assim nos ama o Pai que nos perdoa porque não imaginamos o que fazemos...
Ser testemunha disto é a nossa missão. Para isto, se faz Páscoa. Para isto anunciar temos que estar de portas abertas ao mundo e à nova presença de Jesus que celebramos neste dia.
Jesus parte para ficar, a toda a hora, com todas as suas testemunhas. Jesus parte para não ser propriedade de ninguém. Jesus parte para não ser parte exclusiva de nenhuma nação, cultura, ideologia, igreja. Parte para poder germinar no local do mundo verdadeiramente real: o coração de cada homem e mulher. E nós temos que ser disso testemunhas, anunciadores, abençoadores.
Eis a grande notícia deste dia: Nós não estamos sós. Não somos órfãos. A Sua ausência é uma presença maior. A Sua ausência é um desafio à missão. A Sua ausência é um desafio à vivência profunda, espiritual e comprometida da nossa fé. A Sua ausência que é presença no coração homem, é desafio a não deixarmos de servir o outro. A Ascensão de Jesus, coloca-o no coração do mundo e lança-nos definitivamente ao encontro do Homem.

sexta-feira, 14 de maio de 2010

Porque Fui Celebrar com Bento XVI


Cheguei há poucas horas da celebração eucarística com o Papa Bento XVI, na Avenida dos Aliados, no Porto.
Quem me conhece ou vai lendo alguns posts que aqui vou colocando sabe que nem sempre partilho a visão do mundo e, principalmente, a visão eclesiológica do Pontífice da Igreja a que orgulhosamente pertenço. Mas, se existem avaliações injustas, ignorantes e apressadas sobre a sua pessoa, o seu pensamento, a sua acção ou o seu ministério tenho-o aqui denunciado. É verdade que existem sinais incómodos que Bento XVI vai deixando sobre a sua ideia de Igreja. A sua ânsia de expor a tradição da Igreja, a sua histórica busca da verdade e a solidez da sua mensagem, resistente ao passar dos séculos, trazem consigo equívocos que me fazem ter a convicção que o meu Papa não é, nem será a lufada de frescura do Espírito que o mundo precisa e que a Igreja de Jesus Cristo pede, não por busca de legitimidade ou de auditórios, mas por fidelidade ao Mestre de Nazaré.
Alguns daqueles sinais são estéticos e por isso passam ao lado de maioria das pessoas, mas estiveram bem à vista durante esta visita: o báculo que Bento XVI usa (substituindo o que Paulo VI encomendara ao escultor Lello Scorzelli, e que João Paulo II tornou uma sua imagem de marca) é uma cópia do báculo do Papa Pio IX (sim, o do juramento anti-modernista e do Syllabus); no altar das celebrações é exigida a colocação de sete candelabros e uma cruz, fazendo lembrar os altares tridentinos quando o sacerdote celebrava de costas para a assembleia; a obrigação dos comungantes das mãos do Papa o fazerem de joelhos. Ainda hoje, no Porto, lá tivemos o latim em toda a oração eucarística e não só, o predomínio do gregoriano e o uso exclusivo do órgão. Tudo bem, mas faltou calor, participação, comunhão celebrativa. Mesmo a homilia (a única que ouvi na íntegra nesta sua visita a Portugal) foi pobre na sua integração social e cultural, limitada na sua visão teológica e distante da realidade de um povo, de uma cidade e de uma diocese que precisam de conforto, alento e esperança.
É evidente que Bento XVI tem por vezes momentos inesquecíveis (as suas encíclicas, mais a primeira; o seu discurso em Auschwitz; as suas declarações no avião a caminho de Portugal, na condição de se estar a referir exclusivamente aos ministros pedófilos; a sua oportuna e descomplexada referência aos cem anos da implantação da Républica; etc); é evidente que o seu pensamento e a sua teologia não diferem muito da de João Paulo II (apesar do carisma e da espontaneidade deste fazerem esquecer o conteúdo do seu Pontificado); é evidente que há muito que o teólogo se eclipsou para dar lugar (e bem, porque sincero, oblativo e uma missão pessoal) ao "humilde trabalhador da vinha do Senhor"; é evidente que é e será um Papa de transição e, por tudo o que tem demonstrado, não ficará na história.
Então porque fui hoje ver o Papa?
Porque é o Apóstolo Pedro que vem visitar a Igreja peregrina no Porto que é sua, porque é o símbolo de comunhão, de apostolicidade, de colegialidade que são o âmago da minha fé na Igreja, porque nele acolho o passado, o presente e o futuro cristão, porque é o líder da Igreja que amo. Sim, que amo nas suas rugas, nos seus pecados, nas suas limitações, na sua lentidão e nas suas imensas, enormes virtudes. Que amo porque só o amor vence todas as desilusões, traições e divergências de opinião, visão, entendimento. Que amo como amo as pessoas mais significativas para mim: amo-as em tudo o que são.
A grande lição destes dias foi mesmo esta. As pessoas não acorreram às ruas por causa do carisma, da simpatia, do carinho e até de uma certa papolatria que acompanhavam João Paulo II. Bento XVI não é nada assim, e as pessoas foram, na mesma, ao seu encontro porque sentem-se Igreja e estão em comunhão (não em unicidade acéfala e acrítica) com o seu Pedro e com a Igreja (que é ele, os seus colegas no episcopado, no sacramento da ordem e nós seus leigos e missionários no centro da sociedade) que viverá e crescerá para lá de todos nós. Tudo aconteceu sem arrebanhamento organizado, mas simplesmente por vontade individual de cada cristão que sente a Igreja como sua e que o quis celebrar festivamente com muitos outros, irmanados numa grande família que não conhece distinções, nem entre santos e pecadores. Também por isso, muitas mudanças urgem. Com certeza, somente dentro de alguns momentos... ao ritmo do acolhimento das luzes do Espírito.

quinta-feira, 13 de maio de 2010

Palavras Surpreendentes

Vão cheios os meus dias. Nem sequer na televisão vejo imagens da visita do Papa a Portugal, mas desconfio que o principal não estará nas imagens, mas nas palavras. Mais logo espero colocar aqui um texto sobre esta visita. Mas, li há pouco o discurso de Bento XVI aos homens e mulheres da cultura reunidos hoje no CCB e não resisto em colocar aqui o final das suas palavras. É por frases destas que vale a pena acompanhar o pensamento de Bento XVI.

Caros amigos, a Igreja sente como sua missão prioritária, na cultura actual, manter desperta a busca da verdade e, consequentemente, de Deus; levar as pessoas a olharem para além das coisas penúltimas e porem-se à procura das últimas. Convido-vos a aprofundar o conhecimento de Deus tal como Ele Se revelou em Jesus Cristo para a nossa total realização. Fazei coisas belas, mas sobretudo tornai as vossas vidas lugares de beleza. Interceda por vós Santa Maria de Belém, venerada há séculos pelos navegadores do oceano e hoje pelos navegantes do Bem, da Verdade e da Beleza.

Eis a missão da Igreja: estimular a busca da verdade, levar as pessoas a olhar para lá da espuma, sempre superficial, dos dias e das coisas. Eis um desafio aos homens da cultura: (re)descobrir o cristianismo e tornar a vida um lugar de beleza.

domingo, 9 de maio de 2010

VI Domingo da Páscoa

O domingo de Páscoa já foi há seis semanas e muitos de nós já sentimos na pele a torrente dos dias, a limitação das horas, o cansaço acumulado, o esfumar-se da esperança, enfim uma profunda, exterior e interior, falta de paz. E nestas alturas todas as nossas portas de fecham; não damos oportunidade a ninguém: nem a Ele, nem ao outro, nem à alegria, nem à esperança. Por tudo isso, vale a pena (como sempre) escutar hoje o Mestre, no Evangelho.
Ele diz-nos que nos deixa a sua paz, que é uma paz nova, que não é uma paz negociada, acordada sobre vários cadáveres, que não é a paz da irresponsabilidade, do ter, do gozar, do estar acima de, mas que é paz de nos sabermos amados e habitados por Deus ("meu Pai o amará; Nós viremos a ele e faremos nele a nossa morada") porque escutamos e guardamos a única palavra de vida e de paz que é a de Jesus.
Nós os cristãos cansamo-nos como os outros, mas não desesperamos; sentimos e experimentamos a tristeza, a dor e a solidão, mas não nos deixamos abater, não desistimos de lutar, não nos fechamos orgulhosamente sós; deixamos que o stress habite os nossos dias, mas não nos perturbamos nem nos intimidamos porque somos habitados por Deus, porque o Espírito de Jesus, a sua única e verdadeira lei, age, fala e inspira não desde fora, mas no interior da nossa inteligência e do nosso coração. Se amamos é porque deixamos o Espírito de Jesus agir em nós. Assim, como todos, podemos sentir o sem sentido, mas não nos entregamos a ele porque nos entregamos a um Deus que não fala do cimo da montanha, que não se esconde em lugares indignos para os humanos, que não vive ostensivamente separado do homem, que não impõe purificações nem oblações mas que está e age no coração do mundo: em nós.
Assim, caminhamos confiantes porque temos os olhos, as mãos, o coração, a vida colocados num Deus de portas abertas a todos os homens e mulheres de hoje e de sempre. Que grande notícia. Que esperamos por a proclamar? Homem Deus está em ti, se o matas és tu que pereces não porque ele te castigue, mas porque não te entendes nem entendes a vida sem Ele e o mundo seria um lugar mortalmente inóspito. Se lhe dás oportunidade, és tu que vencerás. Tudo. Até a morte.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

V Domingo da Páscoa

Quando Judas abandona o Cenáculo para consumar a sua traição, Jesus afirma que se tinha dado início à glória de Deus. Mas como pode a morte de um justo, melhor, do justo, ser a glória de Deus? Pode enquanto for acto de amor pelos outros. A glória de Deus é o amor entre os homens, a glória de Deus é o amor feito gestos concretos pelo irmão, a verdadeira glorificação do nome de Deus é quando amo como Jesus amou, é quando amo dando a vida em todos os momentos do meu dia, em todas as palavras que prenuncio, em todos os gestos que desenho no meu quotidiano em favor do outro. A glória de Deus é o amor entre os homens.
Por isso, Jesus não podiam deixar senão um mandamento. Um porque o amor basta, um porque o amor é liberdade, um porque o amor é liberalidade, um porque o amor é um gesto que não nasce de instâncias exteriores que impõem, mas nasce e exige do e o coração do homem.
E é novo porque nunca nenhuma religião, sociedade ou poder tinham ido tão longe em acreditar na possibilidade do homem poder acolher no seu íntimo algo tão grande como o amor à imagem de Jesus. Novo porque é único. Novo porque a verdadeira lei que anula o legalismo é amar e amar ao estilo, à maneira de Jesus. E amar quem? Não, não é amar a Deus. Jesus ultrapassa mais uma vez toda a história e todos os hábitos: amar é o outro, o irmão, o só, o esquecido, o marginalizado, aquele que come à nossa mesa, que se deita connosco, que vemos crescer, com quem trabalhamos, a quem ensinamos... E ama-los morrendo, dando a vida, entregando-se. Amar é mais do que não matar, é fazer viver, dignificar, levantar, aceitar e fazer crescer o outro. Amar é mais que não roubar, é dar sempre vida, alegria, é encher o outro com a riqueza da minha mão estendida, do saber escutar, do estar com. Amar é mais que não cobiçar, é distribuir, é repartir, é dar, não do que sobra, mas o que se tem e não se tem. Amar, é mais que respeitar, é entregar-se todo, é oferecer tudo, é esquecer-se de si porque na sua memória só se traz o outro.
Amar é o único sinal que não é ambíguo. Numa Igreja de portas abertas a Cristo, ao seu Espírito, ao mundo e entre si só o amor a pode motivar, inspirar, mover as suas palavras e gestos. Se amar, ninguém a criticará, ninguém lhe apontará o dedo, ninguém a abandonará. Tudo o resto (sacramentos, imagens, arte, monumentos, cerimónias, peregrinações, etc.) é ambíguo, confuso, muitas dessas coisas perderam o sinal e o seu carácter profético. Só o amor, o amai-vos como Eu vos amei será sinal e convite a entrar, de novo ou pela primeira vez, no seio do corpo de Cristo, na história. Enfim, só pelo amor "conhecerão que sois meus discípulos".