quinta-feira, 26 de fevereiro de 2009
Voltar
Começou ontem a quaresma e o meu segundo semestre da licenciatura de filosofia. São ambas um regresso: um regresso às aulas, aos comboios, ao convívio com os amigos e com os colegas, á partilha de espaços com os outros homens e mulheres; um regresso ao essencial de nós próprios, da nossa radical verdade: mais que a consciência do que fiz (e nem sempre bem) tenho a consciência daquilo que me é feito por Aquele que escuta os gritos de dor, desespero e desesperança de tantas horas.
É esta consciência de nunca estar esquecido pelo Senhor que eu nesta quaresma não cessarei de recordar no meu coração, como o diz o Deuteronómio: "Sabe hoje e volta-o no teu coração". Voltar e voltar a voltar ao coração eis a quaresma. Lá descobrirei um escândalo de Deus e uma loucura de amor: como é possível Tu me amares!
quarta-feira, 25 de fevereiro de 2009
Adeus ao Carnaval e Um Lema Para a Quaresma
Gostei muito de participar na noite mágica da passada segunda-feira em Ovar. Vi exageros? Nada que já não tivesse presenciado numa queima académica ou numa na noite longa do S. João portuense. Mas também vi imaginação, alegria, muito bom ambiente e, aqui e ali, amigos que há muito não encontrava. Só tive pena de ainda não ter sido este ano que presenciei o cortejo carnavalesco, em que pelo segundo ano consecutivo o grupo de passerelle de Válega, os Bailarinos, saíram vencedores (e pelo que me dizem muito justamente). Já agora para os seus líderes e elementos (alguns tive o prazer de conhecer pessoalmente e tenho-os por amigos) os meus orgulhosos parabéns.
Mas depois do Carnaval (a junção portuguesa das palavras latinas carne vale - viva a carne enquanto dizemos adeus à carne por causa da quaresma) é tempo de parar, já que vamos a meio do ano lectivo, do ano litúrgico e do ano laboral. Quem sabe viver as diferentes dimensões da vida sabe que, por vezes, deve parar. Eis a quaresma.
Para esta quaresma, procurava ontem à noite na cama, nos seis evangelhos que nos vão acompanhar até domingo de Páscoa, um lema que unificasse toda a reflexão quaresmal e que desse sentido às propostas que irei aqui colocando. Aliás, não entendo como se pode preparar pastoralmente um tempo litúrgico sem algo que balize todas as diferentes actividades a programar, sob pena de termos uma incompreensível manta de retalhos ou, ainda pior, não termos nada.
Como estamos no ano paulino decidi criar o meu lema de quaresma adaptando uma frase do Apóstolo. Assim ficou esta frase: "Seguimos um escândalo para os religiosos e uma loucura para os ateus" (Cf. 1Cor 1, 23).
Se a minha arte informática não fosse muito débil, em cada domingo colocaria aqui uma capa de jornal (local predilecto para os escândalos) e um relatório médico (onde se diagnosticam as loucuras) porque o que vamos reflectir ao longo desta quaresma não é mais que a desconstrução de todos os esquemas religiosos de sempre e de todas a formas de ser feliz que o mundo e a sociedade entendem como as normais, as únicas e as melhores.
Começo esta quaresma consciente e arrependido por não deixar vingar em mim a novidade cristã nem a ousadia da conduta social de Jesus. Por isso, sob cinzas peço ao Senhor que me ajude a escutar e a acreditar no Evangelho.
Mas depois do Carnaval (a junção portuguesa das palavras latinas carne vale - viva a carne enquanto dizemos adeus à carne por causa da quaresma) é tempo de parar, já que vamos a meio do ano lectivo, do ano litúrgico e do ano laboral. Quem sabe viver as diferentes dimensões da vida sabe que, por vezes, deve parar. Eis a quaresma.
Para esta quaresma, procurava ontem à noite na cama, nos seis evangelhos que nos vão acompanhar até domingo de Páscoa, um lema que unificasse toda a reflexão quaresmal e que desse sentido às propostas que irei aqui colocando. Aliás, não entendo como se pode preparar pastoralmente um tempo litúrgico sem algo que balize todas as diferentes actividades a programar, sob pena de termos uma incompreensível manta de retalhos ou, ainda pior, não termos nada.
Como estamos no ano paulino decidi criar o meu lema de quaresma adaptando uma frase do Apóstolo. Assim ficou esta frase: "Seguimos um escândalo para os religiosos e uma loucura para os ateus" (Cf. 1Cor 1, 23).
Se a minha arte informática não fosse muito débil, em cada domingo colocaria aqui uma capa de jornal (local predilecto para os escândalos) e um relatório médico (onde se diagnosticam as loucuras) porque o que vamos reflectir ao longo desta quaresma não é mais que a desconstrução de todos os esquemas religiosos de sempre e de todas a formas de ser feliz que o mundo e a sociedade entendem como as normais, as únicas e as melhores.
Começo esta quaresma consciente e arrependido por não deixar vingar em mim a novidade cristã nem a ousadia da conduta social de Jesus. Por isso, sob cinzas peço ao Senhor que me ajude a escutar e a acreditar no Evangelho.
segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009
Carnaval
Aqui no concelho de Ovar o Carnaval é o momento alto da identidade destas gentes. Hoje tentarei, pela primeira vez, entrar um pouco no seu mundo porque entendo que é preciso muita fé e esperança para no meio de tantos augúrios negros sobre o futuro ainda haja quem queira brincar, fazer festa e rir. E isso é muito importante.
Já em 1444, na Faculdade de Teologia de Paris, os estudiosos cristãos justificavam esta festa e eu subscrevo o que então diziam. Faço-o muito satisfeito por saber que em plena Idade Média havia crentes bem mais inteligentes e sensíveis ao mundo do que alguns (poucos?) em pleno século XXI.
"Os nossos iminentes antepassados permitiram esta festa. Porque haveria ela de ser-nos interdita? Os toneis de vinho rebentariam, se de vez em quando se não abrisse o batoque para arejá-los. Ora, nós somos velhos toneis mal ajustados que o vinho da sabedoria rebentaria, se o deixássemos ferver numa devoção contínua ao serviço divino. É por isso que dedicamos alguns dias aos jogos e à palhaçada, a fim de voltarmos em seguida com mais alegria e fervor ao estudo e aos exercícios da religião".
Por isso, façamos festa porque é bom estarmos vivos, é bom sentir-se amado, é bom ter oportunidade para celebrar a vida. Um bom Carnaval para todos.
Já em 1444, na Faculdade de Teologia de Paris, os estudiosos cristãos justificavam esta festa e eu subscrevo o que então diziam. Faço-o muito satisfeito por saber que em plena Idade Média havia crentes bem mais inteligentes e sensíveis ao mundo do que alguns (poucos?) em pleno século XXI.
"Os nossos iminentes antepassados permitiram esta festa. Porque haveria ela de ser-nos interdita? Os toneis de vinho rebentariam, se de vez em quando se não abrisse o batoque para arejá-los. Ora, nós somos velhos toneis mal ajustados que o vinho da sabedoria rebentaria, se o deixássemos ferver numa devoção contínua ao serviço divino. É por isso que dedicamos alguns dias aos jogos e à palhaçada, a fim de voltarmos em seguida com mais alegria e fervor ao estudo e aos exercícios da religião".
Por isso, façamos festa porque é bom estarmos vivos, é bom sentir-se amado, é bom ter oportunidade para celebrar a vida. Um bom Carnaval para todos.
Levanta-te
Depois de uma semana de intenso trabalho e de um fim-de-semana de intensa vida social vou hoje deixar no meu blog dois textos: este, sobre o Evangelho de domingo e outro sobre o Carnaval que estamos a viver.
Só ao sétimo domingo o Evangelho nos fala de pecado. Pecado é o que nos paralisa, nos impede de nos encontrarmos connosco próprios, de irmos ao encontro do outro e de buscarmos o encontro com o Senhor.
No Evangelho de ontem Jesus está imóvel, em casa, a dar-lhes a Palavra. E quem se movimenta? O pecador paralítico que assume o que é (não pode andar, logo encontrou-se consigo) e por isso pede ajuda a mais quatro (ao encontro do outro) para se colocar colado ao chão diante de Jesus (ao encontro do Senhor). Aquele homem já estava perdoado porque venceu todas as barreiras que o pecado nos coloca.
Chegar perto de Jesus foi fruto da necessidade que todos nós temos que nos digam na face, sem subterfúgios, que nos amam, que nos perdoam, que nos querem, que somos importantes. E Jesus diz àquele grande crente/pecador (assim são todos os crentes) vai volta para casa, leva toda a tua história (a enxerga), o teu passado e o teu presente, e caminha ciente do que foste e do que és e do quanto és amado assim como és.
O crente é o que se move em direcção a Deus e ao outros, vencendo todos os obstáculos. Mesmo carregado com o seu pecado, com os seus erros recusa-se a chafurdar no seu passado mas avança em direcção ao perdão, à vida, à vontade de a voltar a viver em toda a sua plenitude. E Deus não fica indiferente a quem quer viver e transformar a sua vida, a quem se recusa a ficar agarrado ao seu pecado e ao seu passado. Deus, não condena, pelo contrário ordena: levanta-te, toma toda a tua vida e volta para teus, volta para junto dos que mais te amam (a casa) e ama-os e sê livre para que possas caminhar...
Assim, somos chamados a dizer ao abatido: Levanta-te e anda porque as razões para viver são sempre maiores que as razões para desistir...
Só ao sétimo domingo o Evangelho nos fala de pecado. Pecado é o que nos paralisa, nos impede de nos encontrarmos connosco próprios, de irmos ao encontro do outro e de buscarmos o encontro com o Senhor.
No Evangelho de ontem Jesus está imóvel, em casa, a dar-lhes a Palavra. E quem se movimenta? O pecador paralítico que assume o que é (não pode andar, logo encontrou-se consigo) e por isso pede ajuda a mais quatro (ao encontro do outro) para se colocar colado ao chão diante de Jesus (ao encontro do Senhor). Aquele homem já estava perdoado porque venceu todas as barreiras que o pecado nos coloca.
Chegar perto de Jesus foi fruto da necessidade que todos nós temos que nos digam na face, sem subterfúgios, que nos amam, que nos perdoam, que nos querem, que somos importantes. E Jesus diz àquele grande crente/pecador (assim são todos os crentes) vai volta para casa, leva toda a tua história (a enxerga), o teu passado e o teu presente, e caminha ciente do que foste e do que és e do quanto és amado assim como és.
O crente é o que se move em direcção a Deus e ao outros, vencendo todos os obstáculos. Mesmo carregado com o seu pecado, com os seus erros recusa-se a chafurdar no seu passado mas avança em direcção ao perdão, à vida, à vontade de a voltar a viver em toda a sua plenitude. E Deus não fica indiferente a quem quer viver e transformar a sua vida, a quem se recusa a ficar agarrado ao seu pecado e ao seu passado. Deus, não condena, pelo contrário ordena: levanta-te, toma toda a tua vida e volta para teus, volta para junto dos que mais te amam (a casa) e ama-os e sê livre para que possas caminhar...
Assim, somos chamados a dizer ao abatido: Levanta-te e anda porque as razões para viver são sempre maiores que as razões para desistir...
domingo, 15 de fevereiro de 2009
Marginalizados
Os leprosos no tempo de Jesus era o maior exemplo dos marginalizados pela sociedade e pela religião. Esta, apoiada no livro do Levítico, impunha que vivessem à parte de todos e assumissem a sua condição impura.
O leproso do Evangelho de hoje vence corajosamente os constrangimentos da lei e vai ter com Jesus e prostrado diz-lhe: Se quiseres... Vai ter com o Mestre porque espera dele acolhimento e não repulsa. Não vai ter com os sacerdotes porque eles, amarrados aos ditames da lei, nenhuma novidade lhe trazem a não ser a esperada marginalização.
Jesus, que sabe que uma lei que marginaliza e desampara nunca deve ser cumprida, comovido, com as entranhas a doer-se estende a mão e toca na pele contaminada, "impura", podre e diz: quero...
Hoje, apesar da nossa indiferença, ainda são muitos os marginalizados social e eclesialmente que, vencendo todas as leis iníquas, todas as indiferenças, todas as insensibilidades, vêm até nós Igreja e dizem-nos: se quiseres podes acolher-me, amar-me, curar-me... Divorciados, recasados civilmente, uniões de facto, mães solteiras, mulheres vítimas de violência doméstica, homossexuais, desempregados, marginais, drogados, doentes com SIDA, alcoólicos, débeis mentais vêem corajosamente ter connosco Igreja, crentes que aquele Jesus habita entre e em nós, e suplicam-nos: se quiserdes...
Que resposta damos? Continuamos agarrados a leis desumanas que desintegram ainda mais quem já está desintegrado? Recusamos sacramentos quando eles são o remédio para as nossas enfermidades? Compadece-mo-nos, estendemos as mãos, tocamos-lhes e dizemos queremos, vem para o nosso meio, sê feliz connosco, grita por todo lado que há quem te queira e te ame?
Um discípulo de Jesus, aquele que já fez a experiência do seu amor, aquele que se ajoelha todos os domingos diante do corpo de Cristo e lhe diz: sou pecador, sou doente, cura-me. Como pode não acolher os marginalizados de hoje?? Das duas uma: ou nunca experimentou o toque do Mestre ou deixou que o fariseu que há em todos nós vencesse desgraçadamente.
Para quem quiser voltar a escutar o Evangelho de hoje com os olhos no mundo clique já a seguir (a tradução brasileira é muito fraquinha mas vale a pena pelas imagens e o pelo sentido):
oevangelhodehoje
O leproso do Evangelho de hoje vence corajosamente os constrangimentos da lei e vai ter com Jesus e prostrado diz-lhe: Se quiseres... Vai ter com o Mestre porque espera dele acolhimento e não repulsa. Não vai ter com os sacerdotes porque eles, amarrados aos ditames da lei, nenhuma novidade lhe trazem a não ser a esperada marginalização.
Jesus, que sabe que uma lei que marginaliza e desampara nunca deve ser cumprida, comovido, com as entranhas a doer-se estende a mão e toca na pele contaminada, "impura", podre e diz: quero...
Hoje, apesar da nossa indiferença, ainda são muitos os marginalizados social e eclesialmente que, vencendo todas as leis iníquas, todas as indiferenças, todas as insensibilidades, vêm até nós Igreja e dizem-nos: se quiseres podes acolher-me, amar-me, curar-me... Divorciados, recasados civilmente, uniões de facto, mães solteiras, mulheres vítimas de violência doméstica, homossexuais, desempregados, marginais, drogados, doentes com SIDA, alcoólicos, débeis mentais vêem corajosamente ter connosco Igreja, crentes que aquele Jesus habita entre e em nós, e suplicam-nos: se quiserdes...
Que resposta damos? Continuamos agarrados a leis desumanas que desintegram ainda mais quem já está desintegrado? Recusamos sacramentos quando eles são o remédio para as nossas enfermidades? Compadece-mo-nos, estendemos as mãos, tocamos-lhes e dizemos queremos, vem para o nosso meio, sê feliz connosco, grita por todo lado que há quem te queira e te ame?
Um discípulo de Jesus, aquele que já fez a experiência do seu amor, aquele que se ajoelha todos os domingos diante do corpo de Cristo e lhe diz: sou pecador, sou doente, cura-me. Como pode não acolher os marginalizados de hoje?? Das duas uma: ou nunca experimentou o toque do Mestre ou deixou que o fariseu que há em todos nós vencesse desgraçadamente.
Para quem quiser voltar a escutar o Evangelho de hoje com os olhos no mundo clique já a seguir (a tradução brasileira é muito fraquinha mas vale a pena pelas imagens e o pelo sentido):
oevangelhodehoje
sábado, 14 de fevereiro de 2009
Coisas Pequenas
Esta semana que está a terminar foi de dedicação exclusiva à unidade lectiva para os manuais do secundário da disciplina de E.M.R.C. que tenho que entregar até ao fim do mês. Depois de muita pesquisa e de diferentes leituras comecei na quarta-feira a escreve-la. Já estão feitos os quatro primeiros capítulos sob o tema "Os Novos Movimentos Religiosos". Tem sido um trabalho tão árduo como fascinante. De facto, a sociologia das religiões em interdisciplinaridade com a filosofia das religiões e a teologia são um mundo fascinante e reveladores de que, no nosso caso português, existe um enorme deficit de análise e estudo da nossa original realidade religiosa no contexto do mundo ocidental.
Nos intervalos retemperadores que fui fazendo, escutei um dos saudosos cds dos ainda mais saudosos Madredeus. Aqui fica uma coisa pequena em dia de celebração de coisas muito grandes e sérias. É só clicar na frase em baixo.
coisaspequenas
Nos intervalos retemperadores que fui fazendo, escutei um dos saudosos cds dos ainda mais saudosos Madredeus. Aqui fica uma coisa pequena em dia de celebração de coisas muito grandes e sérias. É só clicar na frase em baixo.
coisaspequenas
domingo, 8 de fevereiro de 2009
"Os meus dias desvanecem-se sem esperança." Job
"Eu recebi em herança meses de desilusão e couberam-me em sorte noites de amargura". Deixai que hoje a minha reflexão comece pela primeira leitura do livro de Job, esse corajoso e bom homem que coloca as questões que ainda hoje sentimos tão fortes e angustiantes: porque se sofre? Porque sofre o inocente? Porque morrem agoniando de fome, cancro, cataclismos tantos inocentes, novos e velhos? Como responde Jesus de Nazaré, o Cristo, a este desafio humano que coloca em causa o divino? "Aproximou-se, tomou-a pela mão e levantou-a (...) retirou-se para um sítio ermo e aí começou a orar".
Mais uma vez Jesus não responde com a razão à irracionalidade, à incompreensão, à loucura do sofrimento. Ele sabe que a dor existe. Ele vê o sofrimento humano. Ele sente o que é ser injustiçado pela aleatoridade do mal. E, por isso, só tem uma resposta: o bem. Ao mal em todas as suas variantes só há uma alternativa: o bem. E o que é esse bem? Aproximar-se, dar a mão, levantar e tudo isso apoiado numa profunda e vital união com Deus (oração) porque senão não há quem aguente viver diante do sofrimento do outro, não há fé que se mantenha diante do sofrimento do inocente, não há esperança que sobreviva diante da permanente vitória da dor e da morte. Somente isto os cristãos são chamados a levar aos outros, aos que mais estão estigmatizados pelo absurdo da dor, do sofrimento, do mal: proximidade, mão aberta, palavra que edifica, numa palavra o amor que cura. Porque também aqui temos que responder ao mal com o bem.
Tantos dizem: como manter-me crente diante de tanta dor injusta? Podíamos responder com magníficos discursos racionais, mas optemos pelo discurso dos referidos gestos cristãos para que os mesmos perguntem: donde lhes vem o bem que fazem? Donde lhes vem o amor que dão? Onde bebem tanta esperança? Num mundo com tanta dor sem sentido, donde vem o Sentido?
Mais uma vez Jesus não responde com a razão à irracionalidade, à incompreensão, à loucura do sofrimento. Ele sabe que a dor existe. Ele vê o sofrimento humano. Ele sente o que é ser injustiçado pela aleatoridade do mal. E, por isso, só tem uma resposta: o bem. Ao mal em todas as suas variantes só há uma alternativa: o bem. E o que é esse bem? Aproximar-se, dar a mão, levantar e tudo isso apoiado numa profunda e vital união com Deus (oração) porque senão não há quem aguente viver diante do sofrimento do outro, não há fé que se mantenha diante do sofrimento do inocente, não há esperança que sobreviva diante da permanente vitória da dor e da morte. Somente isto os cristãos são chamados a levar aos outros, aos que mais estão estigmatizados pelo absurdo da dor, do sofrimento, do mal: proximidade, mão aberta, palavra que edifica, numa palavra o amor que cura. Porque também aqui temos que responder ao mal com o bem.
Tantos dizem: como manter-me crente diante de tanta dor injusta? Podíamos responder com magníficos discursos racionais, mas optemos pelo discurso dos referidos gestos cristãos para que os mesmos perguntem: donde lhes vem o bem que fazem? Donde lhes vem o amor que dão? Onde bebem tanta esperança? Num mundo com tanta dor sem sentido, donde vem o Sentido?
sexta-feira, 6 de fevereiro de 2009
Dúvidas
Nas últimas semanas tenho ganho vários bilhetes para antestreias cinematográficas. Esta semana, ganhei um convite para o filme "Dúvida" realizado pelo mesmo autor da peça teatral que está na génese do referido filme: John Patrick Shanley. Antes de mais é preciso dizer que não estamos diante de um grande filme, nem me parece que fosse essa a intenção do seu autor. Estamos sim diante de uma portentosa interpretação de dois actores consagradíssimos (e por quem sou um apaixonado): Meryl Streep e Philip Seymor Hoffman. E por uma não menor performance de uma surpreendente Amy Adams e de uma tão esquecida Viola Davis. Só por estes quatro já vale a pena o preço do bilhete.
A peça desenrola-se em 1964, num colégio católico no bairro de Brox, e aborda a questão dos abusos sexuais cometidos pelo clero, o confronto de uma posição conservadora frente a uma nova perspectiva cristã que daria origem ao Vaticano II e, principalmente, a questão da dúvida que toda a fé e toda a decisão implica.
A reitora, interpretada por Streep, é uma freira dura, resoluta e desconfiada de tudo o que é novidade. Uma imagem que todos guardamos na memória. Mas será ela que manifestará, por detrás de toda aquela austeridade, um humor fino, uma verdadeira compaixão humana, uma corajosa fidelidade a Cristo que a leva a desafiar o argumento hierárquico da autoridade e uma crente fragilidade que a levam a derramar lágrimas acompanhadas da palavra repetidamente pronunciada: "dúvidas, tantas dúvidas". Mais que dúvidas da culpabilidade do sacerdote, são as dúvidas de um crente diante do mistério mais difícil da nossa fé: a Igreja, na sua dupla realidade carismático-institucional. Mas é essa dureza da fidelidade (não confundir com acefalia) que tornam fascinantemente exigente a nossa opção católica. O amor à Igreja, como todo o amor, é aceitar o outro com tudo o que ele é, com todas as suas facetas, com todo o seu ser e abraçá-lo dorida e apaixonadamente.
Como vêem estamos diante de um bom filme a não perder por todos os que fazem parte activa do povo de Deus.
A peça desenrola-se em 1964, num colégio católico no bairro de Brox, e aborda a questão dos abusos sexuais cometidos pelo clero, o confronto de uma posição conservadora frente a uma nova perspectiva cristã que daria origem ao Vaticano II e, principalmente, a questão da dúvida que toda a fé e toda a decisão implica.
A reitora, interpretada por Streep, é uma freira dura, resoluta e desconfiada de tudo o que é novidade. Uma imagem que todos guardamos na memória. Mas será ela que manifestará, por detrás de toda aquela austeridade, um humor fino, uma verdadeira compaixão humana, uma corajosa fidelidade a Cristo que a leva a desafiar o argumento hierárquico da autoridade e uma crente fragilidade que a levam a derramar lágrimas acompanhadas da palavra repetidamente pronunciada: "dúvidas, tantas dúvidas". Mais que dúvidas da culpabilidade do sacerdote, são as dúvidas de um crente diante do mistério mais difícil da nossa fé: a Igreja, na sua dupla realidade carismático-institucional. Mas é essa dureza da fidelidade (não confundir com acefalia) que tornam fascinantemente exigente a nossa opção católica. O amor à Igreja, como todo o amor, é aceitar o outro com tudo o que ele é, com todas as suas facetas, com todo o seu ser e abraçá-lo dorida e apaixonadamente.
Como vêem estamos diante de um bom filme a não perder por todos os que fazem parte activa do povo de Deus.
quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009
Recomeça...
Nos últimos dias tenho-me cruzado pessoalmente e informaticamente com muitos amigos. Na sexta estive à beira mar com uma amiga jovem que tem a impetuosidade do mar caldeada pelos muitos desafios da sua vida; no sábado fui almoçar a casa de um velho amigo por quem, apesar dos muitos anos em que não nos vimos, mantenho uma profunda admiração agradecida pela sua fidelidade e coerência. Neste início de semana, têm sido muitos os amigos de todas as horas que, mesmo com problemas, cansaços, doenças e distâncias, não regateiam amizade feita de palavras imerecidas e gestos generosos. E eu vou retribuindo como posso e sei. Assim se vai cumprindo o Evangelho de domingo.
Para todos os meus amigos, principalmente para os mais desiludidos e descrentes em si e na vida, "ofereço" este poema que ontem recordei ao escutar quem muito deseja recomeçar.
Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
Miguel Torga, Diário XIII
Para todos os meus amigos, principalmente para os mais desiludidos e descrentes em si e na vida, "ofereço" este poema que ontem recordei ao escutar quem muito deseja recomeçar.
Sísifo
Recomeça…Se puderes,
Sem angústia e sem pressa.
E os passos que deres,
Nesse caminho duro
Do futuro,
Dá-os em liberdade.
Enquanto não alcances
Não descanses.
De nenhum fruto queiras só metade.
E, nunca saciado,
Vai colhendo
Ilusões sucessivas no pomar.
Sempre a sonhar
E vendo,
Acordado,
O logro da aventura.
És homem, não te esqueças!
Só é tua a loucura
Onde, com lucidez, te reconheças.
Miguel Torga, Diário XIII
segunda-feira, 2 de fevereiro de 2009
Na Sinagoga de Cafarnaum
Chegamos neste domingo à segunda etapa do nosso percurso reflexivo deste primeiro tempo comum de 2009: (de um encontro pessoal) para o encontro com os outros. Jesus desafia-nos a encontrarmo-nos com ele para irmos ao encontro dos outros para que aquele momento fundador da nossa opção cristã seja consequente e transformador do mundo.
Ontem (domingo) escutamos o Mestre numa sinagoga não só a ensinar mas a libertar um alienado, um outro que não é senhor de si, alguém não integrado na sua comunidade. Não é por acaso que a cena se desenrola no espaço religioso de então. Não é por acaso que aquele homem até reconhece Jesus como o Santo de Deus. Tal acontece para nos fazer recordar que como cristãos temos que fazer das nossas comunidades cristãs espaços de libertação e não de alienação, espaços de integração e não de exclusão, espaços de fé vivida e não de "fé" reprodutora de fórmulas gastas, sem conteúdo e sem desafios aos homens e mulheres do nosso tempo.
A nossa tarefa primeira como cristãos (os tais pescadores de homens), a começar pelo interior das nossas paróquias, não é celebrar um culto, não é fazer teologia, não é pregar uma moral, mas curar solidões e desintegrações (sociais, económicas, laborais, culturais, étnicas, etc); libertar prisioneiros do consumo, da vaidade e da religiosidade doentia e amedrontada; arrancar do desânimo os abatidos pelo cansaço, os desiludidos pelos fracasso de uma relação ou de um casamento, os derrotados por mais um despedimento; ajudar a cicatrizar as feridas de uma doença prolongada, de uma morte devastadora, de uma depressão interminável. Enfim, somos chamados a demonstrar que a fé em Jesus faz bem, cura, liberta, trás vida.
Dizia Jesus àquele homem prisioneiro: Cala-te... Se calhar é disso que as nossas comunidades cristãs estão a precisar: de menos conversa e mais acção coerente com o Mestre.
Ontem (domingo) escutamos o Mestre numa sinagoga não só a ensinar mas a libertar um alienado, um outro que não é senhor de si, alguém não integrado na sua comunidade. Não é por acaso que a cena se desenrola no espaço religioso de então. Não é por acaso que aquele homem até reconhece Jesus como o Santo de Deus. Tal acontece para nos fazer recordar que como cristãos temos que fazer das nossas comunidades cristãs espaços de libertação e não de alienação, espaços de integração e não de exclusão, espaços de fé vivida e não de "fé" reprodutora de fórmulas gastas, sem conteúdo e sem desafios aos homens e mulheres do nosso tempo.
A nossa tarefa primeira como cristãos (os tais pescadores de homens), a começar pelo interior das nossas paróquias, não é celebrar um culto, não é fazer teologia, não é pregar uma moral, mas curar solidões e desintegrações (sociais, económicas, laborais, culturais, étnicas, etc); libertar prisioneiros do consumo, da vaidade e da religiosidade doentia e amedrontada; arrancar do desânimo os abatidos pelo cansaço, os desiludidos pelos fracasso de uma relação ou de um casamento, os derrotados por mais um despedimento; ajudar a cicatrizar as feridas de uma doença prolongada, de uma morte devastadora, de uma depressão interminável. Enfim, somos chamados a demonstrar que a fé em Jesus faz bem, cura, liberta, trás vida.
Dizia Jesus àquele homem prisioneiro: Cala-te... Se calhar é disso que as nossas comunidades cristãs estão a precisar: de menos conversa e mais acção coerente com o Mestre.
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