Começamos a quaresma com o sintético relato de Marcos sobre as tentações de Jesus. É interessante notar como não é um relato fechado e taxativo: nada sabemos sobre as tentações, nem quantas foram, nem sequer se ficaram por aqueles quarenta dias. O que ficamos a saber é que Jesus as experimentou como todos nós as sentimos: as tentações percorrem toda a vida e são a luta entre o animal selvagem que há em nós e que nos quer dominar e a disponibilidade de Deus para nos servir guiando-nos e alimentando-nos. E nesta luta estamos como num deserto: sós, eu e todos os meus fantasmas, egoísmos, invejas, ciumes e... Deus.
É um escândalo para os religiosos porque não entendem como o Senhor pode ter experimentado a tentação, sofrido lutas interiores, hesitado nas dúvidas existenciais, dobrado a vontade do seu eu para amar. Jesus foi tentado. Pensou em voltar para trás, hesitou em desistir, espantou-se com as possibilidades do seu poder, questionou senão poderia ir mais longe politicamente com o seu sucesso. Este escândalo para os religiosos é reconfortante para os cristãos porque percebemos como ele nos compreende e compreende tão bem nas nossas angústias e cedências ao animal selvagem que há em nós.
Mas este Jesus do deserto é também loucura para o niilismo do nosso tempo.
Quem é que hoje gosta de falar em tentações, pecados, sacrifícios, exigência e dureza? Não vivemos um tempo em que tudo é permitido sem olhar a meios, sem olhar a quem fica debaixo dos nossos pés apressados em subir e vencer rapidamente, sem olhar para quem fica à margem da sociedade, do nosso olhar, do nosso sorriso, do nosso amor? Não vivemos uma época em que se quer ter e ser sem grandes esforços, sem grandes exigências, em que amar não é dar a vida e que ser verdadeiro é uma ilusão para idealistas? Não vivemos uma fé, um casamento, um trabalho sem paixão, sem garra, sem luta diária connosco, com a nossa vontade e com a rotina?
Nesta quaresma seguimos este escandaloso Deus que sabe e experimentou o que é ser tentado.
E não temendo que nos considerem loucos afirmamos que precisamos de Deus porque somos pecadores, facilitistas, comodistas, acomodados, cobardes, maus filhos, maus esposos, maus patrões, maus trabalhadores, maus...
Preciso de Salvação e de Libertação.
Preciso de Ti Senhor.
Faço quaresma porque sou o mais fraco dos homens e suplico o teu perdão regenerador.
Livra-me da tentação de querer chegar à meta sem fazer caminho; de querer a vitória sem lutar; de querer a felicidade sem a felicidade diária; de querer o êxito sem o esforço.
Livra-me, Senhor, da tentação de querer fazer o caminho do aplauso e da admiração dos outros; de o fazer só quando os outros me vêem, me reconhecem e me agradecem.
Livra-me, Senhor, da tentação de fazer caminho acomodado aos outros, de o percorrer com a maioria, de não saber ir contra a corrente, obedecendo, sem espírito crítico, às vozes exteriores da moda ou da tradição.
Ajuda-me Jesus do deserto, escândalo para os religiosos de sempre e loucura para os sábios deste mundo.
domingo, 1 de março de 2009
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1 comentário:
Será escandaloso para aqueles que olham Jesus Cristo como o todo poderoso, que esquecem a sua humanidade e o colocam num "céu" distante e intocável...
Mas será reconfortante e animador, para aqueles que olhando a Humanidade de Cristo, se inspiram no seu modo de agir e pensar, fazendo caminho e prosseguindo apesar das "tentações"...
Que na Sua humanidade O sentem próximo e vivo...
Seguem o Seu exemplo e o consideram mestre no respectivo caminhar...
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