Na casa messiânica habita um Pai único, diferente, misericordioso, tão compreensivo e tão perdoador que é vítima da incompreensão de alguns dos seus filhos mais próximos, dedicados e aparentemente sempre com Ele. Esse Pai é o Deus de Jesus, é o Deus em que Jesus crê e aposta, é o Deus de todos os homens e por tudo isso tão desconhecido porque tão distante dos critérios humanos de prémio e castigo, de cumpridor e incumpridor, de praticante e não praticante, de em comunhão ou em excomunhão.
A parábola que hoje escutamos, nesta quaresma marcada pela pergunta, que fizeste da tua liberdade?, coloca-nos diante de duas formas de liberdade promotoras da infelicidade e da única forma geradora da comunhão. A primeira é a daqueles filhos mais novos que estão convencidos que a liberdade é virar costas ao Pai, é ser senhor da sua vida, é viver a vida o mais rapidamente como se não houvesse amanhã, é esbanjar tudo o que se tem, material ou simplesmente pessoal. A segunda forma desastrada de viver a liberdade é reduzi-la ao cumprimento da lei, é ficar com o Pai não por amor radioso e alegre, mas por obrigação acabrunhada, por rotina assumida, por medo da audácia da novidade, por falta de alternativa corajosa e verdadeira, por espera cínica de uma recompensa que pode demorar, mas que chegará nem que seja na eternidade.
A liberdade do Pai permite aquelas duas: a ingratidão inconsciente do mais novo e a frieza legalista e triste do segundo. Mas, a todos está sempre pronto a acolher, basta para tal que ambos regressem e compreendam o coração do Pai. Não importa se regressam pela fome, pela tragédia ou pelas consolações do Pai. O que importa é que regressem. Ambos. E aqui surge o problema dos filhos do filho mais velho: aquele que diante da gratuitidade festiva do Pai pára, fica à porta, recusa-se a entrar na festa da vida e do perdão, recrimina-O e rasga com toda a espécie de fraternidade (Esse teu filho...). A esses que se pretendem portadores do Espírito, da Verdade, das chaves, dos lugares seleccionados o Pai recorda que o "Espírito foi derramado em toda a carne" (Act 2, 17) e que "sopra onde quer" (Jo 3, 8) porque "pecadores somos todos - judeus ou pagãos" (Rm 3, 23). A esses o Pai recompõe a fraternidade (O teu irmão...), mas mantém a lei da liberdade: a decisão de entrar na festa messiânica, na casa da gratuitidade é tua se superares a lei que limita a liberdade amorosa e essa visão parcial e injusta sobre o outro seja ele quem for porque na casa do perdão existe lugar para o cristão de sempre e o da última hora.
As nossas comunidades ou são imagem desta casa messiânica ou não são nada. Termino com as palavras do padre dominicano, Bento Domingues, hoje no Público: Que acolhimento têm, na Igreja, as mulheres, os intelectuais heterodoxos, os divorciados recasados, os homossexuais? Não haverá, hoje, nas comunidades cristãs, grupos que acham escandaloso que se perca tempo com ateus, agnósticos, imigrantes de outras culturas e religiões, com o pretexto de que vêm minar os nossos valores e as raízes cristãs de Europa?
Para quem como eu se sente mais do grupo do filho mais novo, deixo uma oração que em tempos escrevi para um momento de oração quaresmal na paróquia de Refojos.
Cada manhã sais ao terraço
E perscrutas o horizonte
Para veres se eu regresso
Cada manhã desces saltando a escadas
E sais a correr pelos campos
Quando me adivinhas ao longe.
Cada manhã me interrompes as palavras
Te lanças sobre mim
E me envolves todo num abraço inesquecível.
Cada manhã, contratas uma banda de músicos
E organizas uma festa do outro mundo
Só por causa de mim
Cada manhã, me dizes ao ouvido
Com uma voz de primavera:
Hoje podes começar de novo.
domingo, 14 de março de 2010
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