Quarta-feira, Esmoriz acordou envolvida por um denso e irrespirável manto de fumo. É uma boa imagem para a situação de demagogia descarada e insuportável que vai grassando na vida pública portuguesa. Agitam-se bandeiras de defesa do estado-social, quando todos sabemos que ele tem os dias contados para a minha geração e, principalmente, para a geração da minha filha: seria preciso que nas próximas duas décadas o crescimento económico do produto fosse de 7% (sete) e que cada família portuguesa tivesse 3 (três) filhos. A realidade é que esse chavão chamado estado-social é usado como arma de arremesso político, mas não como ponto de partida para reflectir e agir criando as condições para que no futuro haja reformas para quem verdadeiramente precisa, saúde gratuita para quem verdadeiramente precisa e educação gratuita para quem verdadeiramente precisa.
Depois de há umas semanas atrás, ainda durante a minha época de exames, ter visto e ouvido o primeiro-ministro, num daqueles intermináveis debates de egos na Assembleia da República, dizer que cortar nas deduções ao IRS das despesas da saúde e da educação era uma forma de fazer com que os ricos, que frequentam consultas privadas para descontarem mais no IRS, pagarem a crise (dixit), decidi nunca mais levar a sério esta gente (governo e oposição). O que é incrível é que disse isto sem se rir, sem se descompor. Na verdade, um casal que ganha 1500 euros por mês é rico. E vai ao pediatra privado porque gosta de gastar dinheiro. E compra livros escolares para os filhos porque é accionista da Porto Editora. É lamentável e insultuoso.
A questão é que neste país o que é privado é de ricos e o que é público é para os pobres. Mas não é assim. Primeiro, entre os ricos e os pobres existe uma maioria silenciosa, trabalhadora, longe dos subsídios sociais ou dos subsídios de ajudas a empresas e bancos; longe das benesses de amizade política ou das assistências sociais. Essa maioria silenciosa chama-se classe média e tenta ter uma saúde séria onde não tenha que esperar meses por uma consulta da especialidade, quando a pode ter no próprio mês; que tem que pagar dentista, pediatra, etc., que justamente se recusa a que escolham por ela um médico de família que é pau para toda a colher e a atende a correr e a olhar para o relógio. Essa classe média olha com horror para a educação das nossas escolas e sonha com a possibilidade de colocar os seus filhos num local seguro, onde realmente se ensine com rigor e seriedade. E muitos, com grande sacrifício pessoal fazem-no, mas são olhados como ricos e privilegiados.
Em segundo lugar, a verdadeira justiça social é tratar diferente quem é diferente. Isto é, a saúde e a educação não podem ser gratuitas para toda a gente. É injusto e não tem futuro. Não é justo que uma família que ganhe 1500 euros por mês tenha uma consulta do centro de saúde ao preço de uma família que ganhe o ordenado mínimo. Agora pensemos que quem ganha 10.000 euros mês também tem direito à mesma consulta gratuitamente. Ou à mesma operação. Ou à mesma escola. Brilhante. Não é sustentável que cada criança, seja de classe baixa, média ou alta, num escola pública fique por 5000 euros por mês. Não é compreensível que o mesmo estado que me obriga a ir ao centro de saúde e ao hospital para uma consulta da especialidade e que grita contra a saúde privada, permita (via ADSE) que um funcionário público possa ir a uma médico privado e seja ajudado a pagar essa consulta ou esse exame ou, até, esse internamente. Justíssimo.
Não é uma questão de pobres e ricos, de liberalismo ou socialismo, é uma questão de justiça e desenvolvimento. A alma de uma sociedade é a sua classe média, é ela que faz subir o PIB, é dela que depende a taxa de natalidade, é nela que estão a base intelectual e cultural de um povo. Ora, é precisamente essa classe que vê o garrote a ser cada vez mais apertado e espantada vê que nada muda, nada se reforma, que não a libertam nem dos encargos fiscais crescentes, nem de um estado que acha que sabe o que é melhor para a sua saúde e para a educação dos seus filhos. E ainda por cima a apelidam de ricos.
Falta verdade e coragem na vida pública portuguesa. Vive-se ao som do que se acha que as pessoas querem ouvir. Criam-se discursos simples, maniqueístas entre esquerda e direita, estado-social e neo-liberalismo, enfim deita-se areia para os olhos enquanto nos vamos atrasando irremediavelmente. Um dia acho que direi à minha filha o que digo a muitos excelentes estudantes que vou encontrando: emigrem para onde vos reconheçam valor e vos respeitem. Porque em Portugal não se respeita o mérito, o sucesso, o esforço próprio, a liberdade. Pior, ainda nos chamam nomes...
sexta-feira, 30 de julho de 2010
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