sexta-feira, 13 de agosto de 2010

Obrigatório Ler

Não esperava voltar aqui, mas o José Manuel Fernandes, no seu texto de opinião, hoje, no Público, alertava para este magnífico texto de Ferreira Fernandes publicado ontem no Diário de Notícias. Vale a pena ler e reflectir. Nem precisa de comentários.

A Soldado Desconhecida
Josefa, 21 anos, a viver com a mãe. Estudante de Engenharia Biomédica, trabalhadora de supermercado em part-time e bombeira voluntária. Acumulava trabalhos e não cargos - e essa pode ser uma primeira explicação para a não conhecermos. Afinal, um jovem daqueles que frequentamos nas revistas de consultório, arranja forma de chamar os holofotes. Se é futebolista, pinta o cabelo de cores impossíveis; se é cantora, mostra o futebolista com quem namora; e se quer ser mesmo importante, é mandatário de juventude. Não entra é na cabeça de uma jovem dispersar-se em ninharias acumuladas: um curso no Porto, caixeirinha em Santa Maria da Feira e bombeira de Verão. Daí não a conhecermos, à Josefa. Chegava-lhe, talvez, que um colega mais experiente dissesse dela: "Ela era das poucas pessoas com que um gajo sabia que podia contar nas piores alturas." Enfim, 15 minutos de fama só se ocorresse um azar... Aconteceu: anteontem, Josefa morreu em Monte Mêda, Gondomar, cercada das chamas dos outros que foi apagar de graça. A morte de uma jovem é sempre uma coisa tão enorme para os seus que, evidentemente, nem trato aqui. Interessa-me, na Josefa, relevar o que ela nos disse: que há miúdos de 21 anos que são estudantes e trabalhadores e bombeiros, sem nós sabermos. Como é possível, nos dias comuns e não de tragédia, não ouvirmos falar das Josefas que são o sal da nossa terra?

Descoberta

Estas primeiras semanas de férias tenho-as passado com a Mafalda em casa. No intervalos dos seus curtos sonos vou colocando leituras em dia e vou descobrindo algumas novidades (pelo menos para mim) como o contratenor francês Damien Guillon que tem tido como mestre o grande Andreas Scholl. Com 29 anos estamos diante de uma voz sublime para muitos anos. Do pouco que ainda se encontra na internet, deixo aqui uma parte da Paixão Segundo S. Mateus de Bach. A ária que ele interpreta começa pelos 2,20 minutos. Recomendo vivamente. Um boa fim-de-semana ou umas boas férias.
Como a incorporação está indisponível, para ouvir terão que clicar aqui

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

Uma Inspecção e Computadores

No dia 21 de Julho tivemos, no colégio, a reunião geral de professores que foi um momento paradoxal: de um lado, os resultados da inspecção feita pelo Estado que reafirmou a excelência do colégio e que disse que as propostas que fazia tinham o intuito de reforçar aquela excelência, ausente na maioria dos estabelecimentos de ensino que aquela equipa inspectora visitava (quem dera que as escolas funcionassem como o colégio, desabafavam); do outro lado, o resultado das reuniões de avaliação feita por todos os ciclos de ensino (do pré-escolar ao secundário) que propunham uma série significativa de melhorias e de novas formas de acção. O que isto mostra é o segredo do sucesso do Colégio Luso-Francês.
Esse segredo não está nas suas instalações (hoje muitas escolas secundárias, depois das obras de renovação do parque escolar têm excelentes e melhores instalações e eu ainda usufruí delas no último ano que dei aulas na Rodrigues de Freitas), não está no currículo que é igual ao do ensino público, nem está exclusivamente no estatuto económico das famílias dos seus alunos. O seu segredo está essencialmente na estabilidade, na qualidade e na heterogeneidade do seu quadro docente. Numa altura em muitos professores esperam ansiosamente que o computador do ministério lhes indique a escola onde vão dar aulas (os famosos concursos), o colégio sabe quem terá a dar aulas no próximo ano e os docentes sabem com o que vão contar.
A questão é que é o colégio que escolhe os seus professores e, na situação de concorrência em que se encontra (os nossos alunos não são garantidos, a sua inscrição depende da qualidade que os seus pais reconheçam ao ensino daquela casa), essa escolha só pode ser feita tendo em conta o mérito, a competência, o compromisso, a responsabilidade, o currículo e a qualidade dos professores. Assim, o essencial nem é uma nota de final de curso (todos sabemos como existe uma discrepância injusta e reveladora de facilitismo nas notas finais de um curso conforme a faculdade ou o instituto politécnico onde esse curso foi adquirido), nem são os anos de serviço (sem notar se esse serviço foi de qualidade e de competência). O essencial é falar com as pessoas, é recolher toda a informação necessária sobre a actividade docente dessa pessoa, é perceber os pré-requisitos de que essa pessoa é possuidora, é avaliar permanentemente a sua actividade e é ter a liberdade de a dispensar se ela se mostrar incompetente. Mais, é a própria pessoa ter consciência que o sucesso do colégio depende do seu trabalho, da melhoria das performances dos alunos, que o seu salário e o seu posto de trabalho dependem da exigência, do rigor e da qualidade que coloca nas suas aulas e na sua restante actividade docente. Por isso, no final do ano foram tantas as propostas de melhorias apresentadas pelos docentes porque estão empenhados e comprometidos em fazer do colégio um espaço de saber e de preparação para a vida com mais e melhor sucesso.
Não é possível uma educação com qualidade sem professores, mas também não é possível sem os melhores professores. E esses não se descobrem por concurso centralizado e computorizado, mas por contacto directo e pedindo contas da sua actividade como qualquer empresa de sucesso faz. Mas eu sei que ninguém quer isso com medo das chamadas cunhas. Preferem o "maravilhoso" estado actual. Boa sorte...

Há muito que gostaria de vos mostrar aqui um estudo americano, que descobri a partir de um artigo de Nuno Crato, (eu sei que há estudos para todos os gostos, mas este tem as melhores referências) sobre a utilidade dos computadores (esse mito tão socrático) na aprendizagem. A amostra é gigantesca: 150 mil jovens, seguidos ao longo de cinco (5) anos. Os dados permitiram observar os resultados dos alunos em matemática e na leitura em dois momentos: antes e depois da introdução do computador pessoal para estudo, em casa. Assim, estudou-se o impacto do computador no progresso dos estudos em cada estudante, independentemente do seu meio social.
Surpresa: após a introdução do computador no quarto de estudo, os jovens não melhoraram os seus conhecimentos. Os rapazes têm mesmo algum retrocesso escolar. Enfim, os investigadores notaram (há tanto que eu digo isto) que a tendência é usar o computador não como meio de estudo, mas como meio de comunicação e diversão que ajudam à constante dispersão.
Pior, o retrocesso é maior nos jovens de meios mais desfavorecidos porque o apoio familiar na orientação do uso da informática é menor e esses jovens ainda se dispersam mais. Enfim, o computador oferecido não é um meio de igualização social.
O que isto quer dizer é somente que o uso das novas tecnologias, por si só, não é solução de nada porque nada substitui o bom professor e o estudo organizado. Sim, o estudo. Sim, eu sei que estudar é duro e difícil, não é um divertimento, mas é a vida...
www.nber.org/papers/w16078.pdf

domingo, 8 de agosto de 2010

XIX Domingo do Tempo Comum

Farei o comentário de hoje sobre a minha versão breve que é a seguinte: Lc 12, 32- 40.
Quando saio de casa, seja para o trabalho, seja para ir a algum lado (casa de familiares, ao cinema ou às compras) quase sempre chego a uma conclusão: como estamos cheios de coisas. Quando era criança e ia à escola ou quando andava no seminário e na faculdade, saía de casa com a pasta e nada mais. Agora, levo telemóvel, chaves do carro, comando da garagem, computador portátil mais o cabo de alimentação, carteira cheia de cartões, de descontos, de papeis e papeis, óculos de sol, enfim uma lista infindavel de coisas. E não falo de quando saio para férias ou para uma actividade diferente, seja de trabalho ou de lazer.
Andamos atulhados de coisas. Muitas eram para nos facilitar, mas acabam por nos prender e pesar...
O Evangelho de hoje é oportuno: "Não temais pequeno rebanho porque aprouve a Deus dar-vos o reino. Vendei o que possuís (...) fazei bolsas que não envelheçam (...) porque onde estiver o vosso tesouro aí estará o vosso coração". Na verdade, confiamos demasiado nas coisas e por isso andamos carregados de preocupações, de ocupações, de medos, de tesouros que se corrompem e nos corrompem e, pior, nem percebemos a salvação que vem, todos os dias, ao nosso encontro em Jesus, pelos outros.
A questão é que esperamos muito das coisas e pouco de Deus. Na verdade, esquecemos o que é a esperança. Esperamos o imediato, o já agora, o que não satisfaz. Quantos de nós chegarão ao final destas férias tão desejadas, com o amargo sabor de nada ter feito, de não ter lido o que queria, de não ter dedicado o tempo à família que desejava, de não se sentir mais realizado e completo do que esperava? Quantos de nós não anseiam que chegue o fim-de-semana e quando se levantam na segunda-feira estão ainda mais cansados? Quantos de nós esperam que seja aquele ordenado, aquela promoção, aquela experiência nova que o realize, que concretize todos os sonhos e chega ao fim e o que sente é um irritante e melancólico vazio? A questão é que nada satisfaz a nossa esperança senão o próprio Deus porque estamos feitos para o infinito, para o eterno e o mundo é pequeno para os anseios do nosso coração. Nada na vida nos satisfaz. Mesmo o amor humano traz em si sempre um limite que o faz sentir sempre aquém.
Só o Senhor que vem, sem o notarmos, e espera que nos encontremos vigilantes para o percebermos e acolhermos na nossa vida; só Ele nos realiza. Quando o fazemos a vida perde fronteiras e limites, ultrapassa os nossos sonhos e anseios (sempre demasiado pequenos), ganha eternidade. Por isso, a nossa esperança deve estar em Deus porque só ele responde ao pulsar insatisfeito do nosso coração, só dele nos vem aquilo que pode satisfazer a nossa esperança: a Vida. Por isso, relativizemos o que temos, o nosso orgulho, o momento, a zanga de ontem ou de há anos, o poder, o sucesso do outro porque nada disso realiza, tudo envelhece, tudo é corroído, tudo nos é tirado ou será tirado. Afinal, onde temos o nosso coração? Da resposta, a esta questão nasce um projecto de vida, uma forma de estar e um processo de conversão.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

Quem Quer Aprender?

Na sexta-feira estive toda a tarde com o meu amigo José Rui Teixeira a trabalhar na dimensão da evangelização do plano estratégico para o triénio 2010/2013, para o Colégio Luso-Francês. Esse plano tem envolvido uma equipa entusiasmada e empenhada em manter e melhorar a excelência daquela casa de que falarei dentro de dias. Não falo já hoje porque a manchete do Expresso de sábado não me deixa. Quando pensávamos que todas as experiências com a educação em Portugal estavam feitas, eis que surge mais uma luminária disfarçada de ministra: há que acabar com as reprovações. O argumento é fantástico: a OCDE propõe aos países do sul da Europa que sigam o exemplo dos seus congéneres nórdicos que não têm reprovações e que têm grandes resultados nos testes internacionais.
O problema é que a OCDE não conhece e a ministra e os seus acólitos fingem não conhecer algo bem enraizado na cultura nacional: o desenrasca, o chico-espertismo, a falta de valor pelo saber e a vitória do pragmatismo. Deixo só dois exemplos. O colégio bate-se com uma grande dificuldade em manter os seus alunos (alguns deles dos melhores) depois do 9º ano. Porquê? A resposta é eloquente do país que temos: porque é muito exigente a todas as disciplinas. Porque exige empenho, estudo e trabalho a filosofia, a educação física, a inglês, etc. disciplinas que não têm exames nacionais e que, a que quem quer medicina (a deusa dos pais), não interessam. Exactamente. O problema do colégio é que obriga a saber, exige trabalho, implica aplicação. E os pais ou os alunos o que fazem? Fogem para colégios, externatos onde tudo é facilitado, onde se anulam disciplinas no início do ano e depois faz-se exames internos para se atingir notas estratosféricas, onde alunos no colégio com níveis de 12/13 atingem 19/20. Isto prova que o importante para o português não é saber, não é acumular competências para a vida, mas simplesmente conseguir algo, não importa como.
Segundo exemplo. É inacreditável a quantidade de pessoal a copiar nos exames da faculdade. Já quando tinha andado em Teologia, na década de noventa do século passado, o verificara. Este ano, lá voltei a encontrar os descarados e desonestos que copiam, copiam e depois se pavoneiam com as suas notas mentirosas. Ainda são alguns e não pensem que são só alunos mais novos. Também alguns dos mais velhos, com marido/esposa e filhos, que deviam ter outra postura, também o fazem. O que é que isto prova? Aquilo que tenho vindo a demonstrar: o importante, em Portugal, não é o saber mas o tirar um curso, uma nota, chegar a um estrato social.
Num mundo ideal, onde a cidadania fosse um valor, onde o mérito fosse reconhecido, onde a competência fosse elogiada, onde o rigor e a exigência fossem norma, então sim as reprovações não tinham sentido. Mas, num país onde são os próprios pais que pressionam os filhos a optar pelo mais fácil, pelo caminho mais plano não creio que o caminho seja mais facilitismo. Claro que se a intenção for a estatísticas então força, alarguem as Novas Oportunidades a todos os ciclos de ensino, mas não enganem os incautos, não venham com os argumentos dos estudos e das organizações internacionais porque, na verdade, o que dói ao Estado é que os chumbos custam ao país 600 milhões de euros por ano. Mas isso não se resolve com passagens administrativas (gostava de saber quantos políticos e membros daquele ministério beneficiaram delas nos famosos anos quentes depois do 25 de Abril de 1974) que é do que realmente se está a falar. Isso resolve-se com competência no governar, paixão no ensinar e sacrifício no aprender. O resto é conversa da treta.

domingo, 1 de agosto de 2010

XVIII Domingo do Tempo Comum (Lc 12, 13-21)

Como sempre Jesus não entra pelo campo da legalidade. Diante do pedido de justiça de alguém injustiçado pela repartição de uma herança (no tempo de Jesus o filho mais velho recebia muito mais que os irmãos), Jesus, como sempre, vai mais longe, recusa-se a entrar nos compromissos humanos, nas negociatas, na justiça dos homens e apela ao essencial: "guardai-vos de toda a ganância", guardai-vos de todo o acumular, de todo o possuir, de colocar a vossa confiança no ter, na riqueza.
Na verdade o coração humano é um poço de inseguranças, de medos, de incertezas e, por isso, facilmente se convence que se acumular muitos bens, se se encher de coisas, se alcandorar-se a posturas ou posições de poder tudo ficará resolvido. O coração humano pensa que assim é capaz de dominar a vida, de se perpetuar no tempo, de pairar sobre os outros. Na verdade, toda a ganância traz consigo formas de controlo sobre os outros, formas de opressão. Isso sim é que está na base de todas as injustiças e é à raiz dos problemas que Cristo fala.
Atente-se na parábola proposta por Jesus. Aquele homem rico é notoriamente um homem só. Apenas fala consigo, apenas cogita consigo, apenas pensa em fazer tudo sozinho (descansa, come, bebe, regala-te). É alguém sem ninguém, que vive para o que tem em abundância, que vive para acumular, que nunca põe como hipótese a partilha da vida, dos bens, do que lhe sobra, nem comer, nem beber ele entende como formas de partilha, nem que fosse com alguns amigos. Mas tudo terminará porque realmente tudo acaba, tudo fica cá, tudo é lixo diante da morte ou, como dizia Coelet, na primeira leitura, Tudo é Vaidade.
Se colocamos a nossa vida, os nossos esforços, os nossos sacrifícios, as nossas forças naquilo que perece somos mentecaptos (melhor tradução do que a de insensato que está na leitura litúrgica), somos pessoas sem mente, sem cabeça. As inseguranças do nosso coração não se resolvem pelo ter, nem pelo possuir nem pelo o último modelo automóvel, de roupa, de telemóvel ou pela viagem a um destino paradisíaco. Tudo isso só trás desilusão, vazio, infelicidade, morte. Quem nunca o sentiu, não se sente.
Canso-me de ver tanto vazio desses mentecaptos que não sabem o que fazer ao que têm e continuam a planear a próxima compra, o próximo investimento, o próximo prémio de produtividade ou, quem sabe, até, o próximo filho por um barriga de aluguer. E esquecem-se que tudo o que têm é emprestado para partilhar e, é lamentável, que só o venham a perceber quando descobrirem que a própria vida lhes foi emprestada para dela darem fruto, que não se armazena nem se acumula mas que se partilha, que se dá, que se coloca em comum porque tudo é dom para tudo se dar.
Ao ler este Evangelho também recordei (e peço perdão por isso) aqueles banqueiros católicos que levaram bancos à falência ou respondem em processo judiciais por tanto quererem acumular. Bem espero que tenho ido à Eucaristia e escutado seriamente o Evangelho deste domingo e que arrepiem caminho porque não se pode ser cristão e pensar que temos algo de nosso: nem filhos, nem mulher, nem homem, nem dinheiro, nem funcionários, nem propriedades, etc. Tudo é do mundo e, por isso, tudo cá deixaremos... Tanta vaidade...