sexta-feira, 30 de julho de 2010

A Propósito de Uma Nuvem de Fumo

Quarta-feira, Esmoriz acordou envolvida por um denso e irrespirável manto de fumo. É uma boa imagem para a situação de demagogia descarada e insuportável que vai grassando na vida pública portuguesa. Agitam-se bandeiras de defesa do estado-social, quando todos sabemos que ele tem os dias contados para a minha geração e, principalmente, para a geração da minha filha: seria preciso que nas próximas duas décadas o crescimento económico do produto fosse de 7% (sete) e que cada família portuguesa tivesse 3 (três) filhos. A realidade é que esse chavão chamado estado-social é usado como arma de arremesso político, mas não como ponto de partida para reflectir e agir criando as condições para que no futuro haja reformas para quem verdadeiramente precisa, saúde gratuita para quem verdadeiramente precisa e educação gratuita para quem verdadeiramente precisa.
Depois de há umas semanas atrás, ainda durante a minha época de exames, ter visto e ouvido o primeiro-ministro, num daqueles intermináveis debates de egos na Assembleia da República, dizer que cortar nas deduções ao IRS das despesas da saúde e da educação era uma forma de fazer com que os ricos, que frequentam consultas privadas para descontarem mais no IRS, pagarem a crise (dixit), decidi nunca mais levar a sério esta gente (governo e oposição). O que é incrível é que disse isto sem se rir, sem se descompor. Na verdade, um casal que ganha 1500 euros por mês é rico. E vai ao pediatra privado porque gosta de gastar dinheiro. E compra livros escolares para os filhos porque é accionista da Porto Editora. É lamentável e insultuoso.
A questão é que neste país o que é privado é de ricos e o que é público é para os pobres. Mas não é assim. Primeiro, entre os ricos e os pobres existe uma maioria silenciosa, trabalhadora, longe dos subsídios sociais ou dos subsídios de ajudas a empresas e bancos; longe das benesses de amizade política ou das assistências sociais. Essa maioria silenciosa chama-se classe média e tenta ter uma saúde séria onde não tenha que esperar meses por uma consulta da especialidade, quando a pode ter no próprio mês; que tem que pagar dentista, pediatra, etc., que justamente se recusa a que escolham por ela um médico de família que é pau para toda a colher e a atende a correr e a olhar para o relógio. Essa classe média olha com horror para a educação das nossas escolas e sonha com a possibilidade de colocar os seus filhos num local seguro, onde realmente se ensine com rigor e seriedade. E muitos, com grande sacrifício pessoal fazem-no, mas são olhados como ricos e privilegiados.
Em segundo lugar, a verdadeira justiça social é tratar diferente quem é diferente. Isto é, a saúde e a educação não podem ser gratuitas para toda a gente. É injusto e não tem futuro. Não é justo que uma família que ganhe 1500 euros por mês tenha uma consulta do centro de saúde ao preço de uma família que ganhe o ordenado mínimo. Agora pensemos que quem ganha 10.000 euros mês também tem direito à mesma consulta gratuitamente. Ou à mesma operação. Ou à mesma escola. Brilhante. Não é sustentável que cada criança, seja de classe baixa, média ou alta, num escola pública fique por 5000 euros por mês. Não é compreensível que o mesmo estado que me obriga a ir ao centro de saúde e ao hospital para uma consulta da especialidade e que grita contra a saúde privada, permita (via ADSE) que um funcionário público possa ir a uma médico privado e seja ajudado a pagar essa consulta ou esse exame ou, até, esse internamente. Justíssimo.
Não é uma questão de pobres e ricos, de liberalismo ou socialismo, é uma questão de justiça e desenvolvimento. A alma de uma sociedade é a sua classe média, é ela que faz subir o PIB, é dela que depende a taxa de natalidade, é nela que estão a base intelectual e cultural de um povo. Ora, é precisamente essa classe que vê o garrote a ser cada vez mais apertado e espantada vê que nada muda, nada se reforma, que não a libertam nem dos encargos fiscais crescentes, nem de um estado que acha que sabe o que é melhor para a sua saúde e para a educação dos seus filhos. E ainda por cima a apelidam de ricos.
Falta verdade e coragem na vida pública portuguesa. Vive-se ao som do que se acha que as pessoas querem ouvir. Criam-se discursos simples, maniqueístas entre esquerda e direita, estado-social e neo-liberalismo, enfim deita-se areia para os olhos enquanto nos vamos atrasando irremediavelmente. Um dia acho que direi à minha filha o que digo a muitos excelentes estudantes que vou encontrando: emigrem para onde vos reconheçam valor e vos respeitem. Porque em Portugal não se respeita o mérito, o sucesso, o esforço próprio, a liberdade. Pior, ainda nos chamam nomes...

terça-feira, 27 de julho de 2010

Saboreando

Quando vemos um bom filme ele permanece connosco dias, promove diferentes reflexões, alimenta conversas e não descansamos em o rever vezes sem conta. Quando provamos um venho excepcional, além do rasto eterno que ele nos deixa no palato, nunca mais o deixamos perdido no passado nem o enquadramento social em que ele foi degustado. Quando vivemos um momento marcante, um Acontecimento, não só nunca mais o esquecemos, como a nossa vida nunca mais será a mesma. Quanto mais não seja, recorrentemente nos virá à mente e ao coração essa recordação.
O passado domingo foi um dia assim. Ainda ontem recordava os muitos filhos e as muitas famílias com quem celebrei o baptismo. Perdi-lhes a quase todas o rasto. Mas, ao ver a Mafalda a tocar o ritual do Sr. padre, enquanto ele rezava as diferentes orações dos ritos explicativos, visualizei num relança as muitas mãozinhas que se aproximavam do meu ritual e o tocavam deliciadas. Ao subir ao altar e ao rezar a oração do Pai-Nosso diante dos nossas familiares e amigos, recordei os inúmeros casais que ali diante dos seus orgulhosa e agradecidamente seguravam os seus filhos. Ao escutar as palavras sábias do Sr. padre de que era fácil gostar, amar um bebé, mas que quem baptizávamos era o mesmo cristão daqui a doze anos, o mesmo a pedir o nossa amor e a nossa fé, pedi ao Senhor por todos aqueles que passaram pelas minhas mãos, sobre os quais derramei água de Vida, para os quais invoquei a Sua bênção, a companhia e a luz de Jesus Cristo. Se alguma dessas famílias ler este post, para eles um forte abraço, que o Senhor esteja sempre convosco e como vêm aquele dia também foi um Acontecimento para mim, como o baptizado da minha filha.

segunda-feira, 26 de julho de 2010

Celebrei o Deus Amor

Ontem foi o baptizado da Mafalda. Foi emocionante estar deste lado com uma filha à porta da Igreja e escutar: "Mafalda é com muita alegria que a comunidade cristã te recebe. Em seu nome, eu te assiná-lo com o o sinal da cruz." Sentir que partilho com ela o maior tesouro que recebi, que cultivo e que tento preservar que é a minha fé vivida na comunhão da Igreja.
Foi uma alegria enorme celebrar este Deus que a ama muito antes que ela lhe possa corresponder.
É um impressivo e intenso sentimento olhar para a Mafalda e vê-la revestida de Cristo.
Celebramos o Deus Amor, celebramos a Igreja nossa mãe, celebramos tudo isso com os familiares de ontem e de hoje, com os amigos do passado e do presente que queremos trazer sempre no futuro. Ontem, tive presente os muitos com quem me cruzei ao longo da minha vida e todos eles farão parte da história que tenho para contar à minha filha.
Termino com algumas das palavras que ontem proferi no discurso da praxe, na nossa família:


(...)

À Mafalda não lhe peço que me realize, que me agradeça, que me siga, que me imite, que me ame. Apenas lhe peço que escute a bela história que lhe tenho para contar e de que todos vós fazeis parte. Na história que as nossas relações teceram ela encontrará todos os ingredientes para acreditar no homem, mesmo conhecendo todo o mal de que ele é capaz; para acreditar na vida, mesmo conhecendo todas as sua exigências; para acreditar no amor, mesmo conhecendo toda a morte que ele implica; para acreditar em Deus, mesmo experimentando as noites escuras da sua ausência que é presença.

(...)

Finalmente, naquela história, a Mafalda descortinará a mão, o sopro, a Palavra, o Amor, a Vida d’Aquele sem o qual nada poderia fazer. Sim gostaria muito, minha querida filha, que um dia descobrisses o tesouro que um dia, graças a todos estes que aqui estão e a muitos outros, o teu pai descobriu: Jesus. Amo-o como tento amar todos os dias a tua mãe, a minha mãe, a ti. Amo-o como acho que nunca amarei ninguém. Porque ele me ama como nunca ninguém me amará. Porque nele me entendo, me percebo, me encontro. Porque nele entendo a vida. Porque nele creio no Homem. Porque nele persevero na tribulação. Porque nele encontro alegria na esperança. Porque em ti vejo mais uma vez o seu amor por mim.

Vem Mafalda tenho uma bela história para te contar. Vem, vamos juntos – eu, a mãe e tu – continuar a escreve-la. Contamos convosco para a continuarmos a escrever.

domingo, 18 de julho de 2010

XVI Domingo do Tempo Comum

Que texto (Lc 10, 38-42) tão oportuno o de este domingo para quem, como eu, andou tão atarefado e ocupado. Que texto tão oportuno em tempo de crise social e económica tão profunda que já todos percebemos que temos que trabalhar muito mais e receber bem menos para nos aguentarmos à tona.
No entanto, Jesus recorda-nos que a questão não está no tempo que nos falta, no excesso de cargas que nos carrega a vida, nas preocupações que nos apoquentam retirando-nos serenidade, confiança e amizade. A questão que está na raiz de tudo isso é outra.
Coloquemos os olhos sobre a atarefada Marta: ela é a dona da casa ("uma mulher chamada Marta recebeu-o em sua casa"); andava distraída, absorta (melhor que o "atarefava-se" da tradução litúrgica) com o muito serviço; depois repreende Jesus ("não te importas") e dá-lhe ordens ("diz-lhe que venha ajudar-me"), sempre com um olhar enviesado sobre a irmã e o mestre que acolhera em sua casa.
Marta é o sinal de muitos de nós descentrados do essencial, desconcentrados de que estamos com..., distraídos com as atitudes dos outros, às voltas, como baratas tontas, sustentando um sistema iníquo que diz que fomos feitos para trabalhar e não para viver, esquecendo que não somos donos de nada nem de ninguém, mas hospedes da vida, da nossa vida e da vida dos outros, pessoas que devem permanentemente estar agradecidas a Deus e aos irmãos por aceitarem a nossa individualidade, por amarem as nossas fraquezas, por aceitarem partilhar os seus dias, os seus gestos, as suas palavras, a sua companhia, o seu amor connosco.
Marta não escolheu ("Maria escolheu a melhor parte"). Sim, não parou para olhar em volta, para perceber o quanto recebe (muito mais do que o que dá), não travou a tempo os seus gestos e as suas palavras para acolher e por isso virou-se contra aqueles que mais a amavam. Como o fazemos tantas vezes! Não se revoltou com os sistemas que lhe impõem acção e não reflexão, que lhe impõem ânsia de tudo ter e experimentar em vez de serenidade de muito acolher, que lhe sugam a generosidade e a capacidade de sacrifício ingredientes essenciais para o amor.
Parafraseando uma anedota judia (aquele rabino anda tão ocupado com as coisas de Deus que até se esquece que Ele existe), existem tantos pais procupados com o futuro dos filhos que até se esquecem que eles existem; existem tantos casais preocupados com as experiências novas que até se esquecem de experimentar a novidade absoluta e diária do outro; existem tantos empresários preocupados com os lucros que até se esquecem que o lucro acontece com os outros que produzem, consomem e se alimentam; existem tantos trabalhadores preocupados com o seu futuro que até se esquecem que o futuro é uma construção com os outros; existem tantos jovens em busca de liberdade que até se esquecem que ela está ao alcance da sua capacidade de conquista responsável e dialogada; existe tanta Igreja preocupada com a grandeza de Deus que se esquece que a glória de Deus é o homem.
Jesus ensina-nos a escolher a cada hora, em cada dia e diante de cada homem a melhor parte que quase nunca é a minha.

sábado, 17 de julho de 2010

De Regresso

Finalmente. Os exames terminaram ontem às 18,30h. Desde 9 de Junho realizei seis exames (o máximo permitido pela faculdade num semestre). Nesta semana fiz três de seguida com um dia de intervalo entre eles. Terminei exausto, com o corpo a doer e a cabeça a latejar. Mas terminei. As notas que vão saindo a conta-gotas são estimulantes e reconfortam todo este estudo. A licenciatura está praticamente terminada, falta Ética II que não pude realizar este ano porque não nos podemos matricular, num semestre, a mais do que seis disciplinas. Assim, no próximo ano pagarei a propina completa por uma disciplina. Enfim. Mas, já me posso candidatar ao mestrado em Ensino de Filosofia e, assim, na próxima sexta lá estarei a fazer... mais uma prova escrita de português. Espero que a minha média prejudicada pelas equivalências da licenciatura em Teologia não me impeça de começar o mestrado já este ano. Se fosse com a média que tenho das disciplinas que fiz na faculdade de letras nestes dois anos (18,33), estaria bem descansado.
Mas o que interessa é que volto a ter tempo para os meus, para o meu blogue e para ouvir música e hoje proponho algo para arrasar. Sim, é muito velhinho mas apetecia-me algo mais duro para aliviar todo este stress.
Como vale a pena o cansaço quando fazemos as coisas seriamente e com amor. Bom fim-de-semana.