sexta-feira, 27 de novembro de 2009

Também é notícia

O tempo não me tem deixado vir até aqui partilhar os meus dias. Nem sei se terei tempo de até domingo, abrir a minha reflexão para o advento. Mas prometo que a farei, nem que seja nos dias seguintes, em que tenho uma ponte nas aulas do colégio.
Apenas deixo uma pequena reportagem, que me chegou pelo site do secretariado nacional da pastoral da cultura, sobre um padre que, além de pároco de Vilar de Andorinho, é capelão do centro hospitalar de Vila Nova de Gaia. É que é sempre bom ter consciência que a maioria do clero vive fielmente o seu ministério e que também isso (e não só quem não o faz) é notícia.
Para ver, clicar aqui.

terça-feira, 24 de novembro de 2009

Um Fado

Estou rodeado de enunciados de testes corrigidos e a corrigir. Estou embrenhado em concorrentes leituras para a elaboração de uma dinâmica de advento que, no colégio, nos ajude a viver o natal; em leituras para a unidade lectiva sobre a Igreja que tenho que escrever para os manuais do secundário de EMRC; em leituras para o curso de filosofia que me vai passando ao lado; em leituras para pequenos e estimulantes trabalhos que me foram pedindo ultimamente. O tempo vai-se esfumando, mas não me sinto nem em pânico nem deprimido, mas simplesmente feliz e acompanhado.
Não sou um entendido em fado e o aprendi a escutá-lo com um grupo de fadistas amadores mas irrepreensível e inesquecível que conheci há anos, na minha paróquia da Reguenga. Mas, hoje, na viagem para o colégio, de manhã bem cedo, recordava, pela rádio, este momento emocionante de Mariza. Parece contraditório com o meu estado de espírito, mas não o senti assim. Senti-o como que um deixar-me cair em mim, para melhor saborear os dias. Como que um ir às raízes do que sou e perceber como elas se lançam sobre muitos momentos de uma beleza inaudita, habitados por tantos de ontem e de hoje. Trago-os a todos hoje aqui.

domingo, 22 de novembro de 2009

Nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo

Não deve existir nenhuma religião que, no dia em que celebra a solenidade do seu Deus como rei do universo, coloque como texto central da sua liturgia um interrogatório em que o poder político julga o próprio Deus, desconfiando não só do seu testemunho mas também da sanidade de tudo o que diz e faz.
Ora, ao escutarmos hoje Pilatos, numa aparente posição de superioridade, a interrogar Jesus sobre se ele é rei podemos ser levados a pensar, tal como o procurador romano pensava, que o mundo e os seus poderes julgam Jesus. Mas não. Quem está a ser julgado é Pilatos pois a decisão que tomar revelará o seu coração, colocará a nu aquilo que é, manifestará o que o move. E na verdade, na resposta final que dará a Jesus (omitida no Evangelho de hoje) - "Que é a verdade?" - Pilatos demonstra que em nada acredita, que a nada de maior entrega o seu coração, que em nada investe o seu poder, o seu sentido de justiça, a sua vida a não ser na perpetuação do seu poder tão vazio e corruptível como todos os poderes deste mundo. Pilatos mais não é do que a imagem de tantos de nós, que hoje não acreditamos que a verdade existe, não cremos que vale a pena lutar por valores maiores, que relativizamos tudo pensando que tudo tem o mesmo valor, que desisitimos de lutar por um reino sem guardas, sem senhores, sem poderosos, sem juizes que dispõe da vida do outro, sem desigualdades que alimentam rancores e projectos de vingança.
Assim, nós os cristãos, sabendo que o nosso reino não sendo do tipo dos deste mundo em que vivemos, somos chamados a construir um outro reino, o reino de Deus onde Jesus inspira, guia, acompanha os nossos passos com a sua palavra e com a sua presença. E não importa que poucos nos acompanhem, que muitos zombem de nós e que acabemos mortos sem ver o seu sucesso porque o que fazemos e construímos todos os dias é para a glória e salvação de todos os homens. Não é nem para os obrigar a aceitar Aquele que é a verdade nem para instalar uma teocracia cristã. Não, infelizmente esses já foram erros que cometemos no passado. O que fazemos é aproximar cada vez mais o reino anunciado por Jesus onde todos os de coração aberto à novidade e à alegria, à paz e ao acolhimento, ao perdão e ao amor terão lugar.
"Sou Rei" e venho para quem quiser escutar a minha voz. Eis a nossa missão: escutá-lo activamente, Hoje, aqui, na realidade dos nossos dias. E só assim Ele se tornará rei da nossa vida e do mundo à nossa volta. E assim aos poucos, ao sabor da história dos corações acolhedores de cada homem o reino do Senhor será uma realidade.

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Selecção

Quem me conhece sabe que sou um apaixonado pelo futebol e um portista inveterado. Nunca falei aqui de futebol, mas faço uma excepção para manifestar a minha satisfação pela vitória de ontem da selecção e pela sua consequente qualificação para o mundial da África do Sul. E aí vai mais uma tira oportuna da Mafalda.

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Filosofia(s)

No curso de filosofia estão bem latentes duas formas de abordagem da realidade: a da filosofia anglo-saxónica e a da chamada filosofia continental. A primeira segue os grandes mestres Ingleses (Hume, Locke, Russel, etc.) e é hoje a mais trabalhada nas grandes faculdades de filosofia dos E.U.A. e tem cada vez mais seguidores entusiastas no meio docente da nossa academia. No entanto, nota-se entre os alunos que comigo estudam um certo mal estar pela (aparente?) cedência da filosofia às ciências e à sua tentativa de se legitimar diante delas adoptando uma linguagem e uma relação pouco consentâneas com aquilo que deve ser o seu objecto e o seu método.
Em reacção a isto li no imprescindível blog do bispo D. António Couto um excerto de um livro de Edgar Morin em que ele reage contra o dogma da simplificação que ele considera consubstanciado nesta frase de Hobbes: "tudo o que existe tem três dimensões, a saber, comprimento, largura e altura, e aquilo que não tem três dimensões não existe nem está em parte alguma". Morin reage assim: "O dogma da simplificação que contém a morte continua a impor-se por aí como verdade científica (…), e continua a rejeitar para fora do saber aquilo que resiste ao seu controlo. E os defensores deste dogma vêem-nos como miseráveis, pedintes, esgadanhando os dejectos das suas lixeiras". E acrescenta depois de forma contundente: "Num sentido, eles têm razão: nós queremos recuperar e reciclar os dejectos que a sua ciência expulsa: não apenas o incerto, o impreciso, o ambíguo, o paradoxal, a contradição, mas também o ser, a existência, o indivíduo, o sujeito. Julgam deitar fora os excrementos do saber: não sabem que atiram para o lixo o ouro do tempo".
Na verdade, o que parece incomodar-nos, a nós meros aprendizes de filósofos, é a superficialidade de um certa filosofia e a sua cedência ao ar dos tempos que tenta reduzir o homem àquelas três dimensões, como se tudo fosse uma questão de posse ou de domínio. Parece-me que uma filosofia, tal como um olhar, que não ultrapasse o evidente não tenta conhecer a realidade.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

O Regresso

Nesta semana começaram as fichas de avaliação de EMRC para os meus alunos e alguns dos resultados são animadores. Vamos ver qual vai ser o panorama geral. Nele se espelhará o qualidade do meu trabalho e... do deles.
Hoje reuni pela primeira vez com parte do grupo que vai participar no encontro ibérico de Taizé que se vai realizar no Porto, em Fevereiro próximo. Estou com grande expectativa e espero estar à altura do seu entusiasmo e da sua generosidade. Para semana voltaremos a reunir e espero que seja um onda em crescendo. Vou fazer tudo por isso.
Mas vim hoje aqui para celebrar com a amiga Mafalda o sol que nesta tarde deu um ar da sua graça.

segunda-feira, 16 de novembro de 2009

Aniversário da Inês

Há trinta e quatro anos nasceu a minha irmã Inês. Lembro-me muito bem da minha primeira reacção quando soube que tinha mais uma irmã: fiquei rigorosamente zangado porque já me chegava a irreverente e irritante João, que, além de me ter tirado grande parte das atenções, tinha o tremendo vício de mexer nas minhas coisas. Assim, lá fui relutante à maternidade Júlio Dinis, ver a mãe e a minha nova irmã (e claro lá ia ao meu lado aos saltos e sempre a falar a inevitável João) e, tenho que reconhecer que diante da bebé deitada no pequeno berço ao lado da cama da minha mãe não fui capaz de reafirmar a minha repulsa por mais uma irmã. Como sempre os meus acessos interiores de fúria (ok, por vezes também eram exteriores) transformaram-se em conformação perante a inevitabilidade e perante a possibilidade (remota porque era uma menina) de esta nova irmã ser diferente da João e, quem sabe, minha aliada. Estávamos em 1975, em tempos que depois descobri serem conturbados e, conta a minha mãe, a Inês nasceu ao som de atentados bombistas e de muita confusão política que viria a culminar e a acalmar no 25 de Novembro.
Talvez por tudo isto (ser o terceiro filho, a segunda rapariga, tempos revolucionários em que muitas coisas ocupavam as preocupações das pessoas), a Inês teve que ser uma mulher de conquistas. Teve que conquistar a vida (porque no início não estava a ser fácil); teve que conquistar espaço e lugar para a sua personalidade desde sempre resoluta e decidida; teve que conquistar a sua liberdade, descobrindo que ela tem muitos preços; teve que conquistar confianças perdidas; teve e tem que conquistar o dia-a-dia ainda repleto de sonhos por concretizar. Como todas as lutadoras, esconde debaixo da sua energia forjada nas refregas destes trinta e quatro anos, uma desconcertante fragilidade sentimental que nos vem confirmar o que sempre suspeitávamos: que no peito dos grandes guerreiros bate um enorme coração.
Sabem, este é um privilégio dos irmãos mais velhos: ver crescer a nosso lado seres humanos maravilhosos. Parabéns sinceros para a minha irmã Maria Inês.

domingo, 15 de novembro de 2009

XXXIII Domingo do Tempo Comum

O estilo apocalíptico, ao contrário do pensamento judeu, nos anos prévios e posteriores a Jesus, tem um escasso eco nos escritos cristãos. Além do último livro da bíblia, encontramos nos evangelhos um ou dois capítulos marcados por aquele estilo. Hoje, com o chegar do fim do ano litúrgico, lemos um excerto do discurso apocalíptico de Jesus, no evangelho de Marcos.
É preciso deixar desde já bem claro que a fé cristã (apesar, de um prática secular de anúncio aterrador e terrorista do fim castigador do mundo) não tem na sua raiz nem na sua génese a visão de um deus que, cansado pelas maningâncias dos homens, descarrega a sua ira e a sua vingança sobre o mundo e que retribui a cada qual a sua merecida e justa herança, seja ela a glória ou o eterno sofrimento. Pensar num deus vingativo ou até vê-lo por detrás das mudanças climáticas ou da expansão de diferentes epidemias ou dos perigos dos desenvolvimentos tecnológicos é uma contradição insanável com o núcleo mais elementar e mais sólido da fé cristã. Deus não pode servir para amedrontar nem para manipular mentalidades, comportamentos e olhares sobre a realidade (sempre negativos e suspeitos) porque um deus assim não é o de Jesus Cristo.
Então que dizer diante de um Evangelho como o de hoje?
Antes de mais, impõe-se um questão: segundo o anúncio de Jesus quem é que vem? "O Filho do homem sobre as nuvens". Logo, vem o amor; vem aquele que é amor; vem aquele que dá a vida pelos que ama. Recordo, que esta mesma expressão usará Jesus diante do Sinédrio para afirmar a sua divindade. Isto é, eu sou Deus, sou o Filho de Deus, mas ao contrário do que pensais não venho com o poder dos exércitos, dos castigos, das vinganças, mas venho até vós pelo amor que não se impõe nem impõe, que redime e perdoa, que levanta e é dador de vida. Portanto, o fim do mundo não será de terror mas de amor, não será aterrador mas liderado pelo amor. Tu que crês em Jesus, estás a vê-lo a vir como quem castiga, expulsa destrói?
O que se assistirá é a uma grande aflição para os poderosos, para os astros e as estrelas do nosso tempo que sustentam o seu brilho e a sua superioridade na injustiça, no poder, na corrupção, na fome e no desemprego de muitos, na pobreza e na ânsia de ter de tantos, naquilo que tem um fim, naquilo que perece e acaba e não na Palavra que não passa, que é a Palavra feita carne, amor em acto, Jesus de Nazaré.
Assim, o cristão que aposta toda a sua vida na forma de viver de Jesus não desespera diante da aparente vitória dos poderosos, mas espera activa e comprometidamente na transformação do mundo porque sabe que Ele vem e vem todos os dias. Assim, o cristão que segue o Caminho não se sente órfão por caírem ou desaparecerem os líderes de opinião, de estilos de vida, do espectáculo ou da política (cada vez mais espectáculo) porque sabem que o Filho do homem está mesmo à porta, à porta de qualquer desconhecido, mesmo desse grande desconhecido que é a morte, para entrar e fazer comunidade à volta de uma mesa onde todos têm lugar. Assim o cristão sabe que toda a vã maneira de viver, mesmo que carregada de honras, reconhecimentos e posses, está condenada a desaparecer, por entre as nuvens de pó da sua autodestruição, para dar lugar, não ao vazio, mas ao amanhecer de um novo céu e uma nova terra onde todos são reconhecidos e amados pelo que são e não pelo que têm. Ah, assim vale a pena esperar e gritar: Vem Senhor Jesus.

sexta-feira, 13 de novembro de 2009

História(s)

Mais uma semana a chegar ao fim. E ontem à noite, durante aquele cair em mim que todos os dias acontece quando apago a luz e me declino na almofada nocturna, desabafei para comigo e para com Ele: Nunca, como nestes três meses, gostei tanto de dar aulas. E, os grandes responsáveis são os meus alunos que se manifestam interessados, empenhados e reconhecidos.
Um dos desafios maiores, nas aulas que tenho dado, é fazer perceber aos alunos do sétimo ano (12 anos, nesta altura) o que é uma tradição oral (por exemplo, a Javista) e como ela foi resistindo ao passar do tempo até ser "passada" para escrito no século X a.c. (no caso em questão). Eles têm que saber isto para perceberem os textos bíblicos da criação e como estes, seguindo um percurso diferente das ciências (que evidentemente não só aceitamos como as ensinamos no início desta unidade lectiva), nos fazem reflectir e conhecer dimensões e valores que não estão ao alcance das ciência físicas ou biológicas.
Recordei aquela dificuldade ao ler a entrevista que o italiano Erri de Luca (escritor, tradutor e leitor não crente da bíblia) deu ao suplemento Ípsilon do jornal Público, na semana passada. Dizia ele que "precisamos de uma geração que conte à geração seguinte a sua experiência. E que conte de viva voz, não com o cinema ou a televisão, mas envolvendo-se com o corpo (...) Hoje, a memória tornou-se uma pílula na televisão para recordar um acontecimento. Isso não é memória, é aceder a um arquivo". Na verdade, falta a estas gerações (será só a estas?) o saber escutar histórias, histórias das nossas vidas, das nossas experiências, dos momentos forjadores dos nossos valores e (se for o caso) da nossa fé. E fazê-lo não como quem lecciona, mas como quem sabe que está com alguém, que lhe dá tempo e que assim partilha o que é um património comum que proporciona identidades e reforça laços. Como lhes explicar, na sociedade da imagem, a importância de uma tradição oral que passava de pais para filhos ou de avós para netos ou de líderes tribais para membros da tribo? Como fazer-lhes compreender que assim se alimenta(va) a fé e um sentimento de povo? Como os fazer acreditar que assim se descobre Deus na vida e que essa descoberta não é algo de morto, no passado, mas algo em permanente revisão/actualização no meu/nosso presente? Como possibilitar-lhes a capacidade de olhar para lá do evidente, para o indivisível (não, não estou só a falar de Deus) senão com as palavras que afectam todo o meu ser?
A fé do homem bíblico e do cristão exige não só a memória que se lê, se viveu e se actualiza, mas também a capacidade de a tornar narrativa que se confronta com o tempo na sua capacidade de se dizer, relatar ao estilo do "Hoje mesmo se cumpriu este passo da escritura" pronunciado por Jesus na sinagoga de Nazaré, após ler o profeta Isaías.
Este contar história(s) é algo de essencial para um povo, para uma sociedade, para uma fé. É uma missão das famílias, dos educadores, da Igreja. Mas temo que tenhamos um problema (espero que não, mas reforço, temo) identificado por de Luca: "Não vejo pais que contem histórias... Talvez não tenham nada para contar, excepto as férias que se fazem e as fotografias que tiraram num passeio de barco. Há um deficit de transmissão, de tempo..." Não será simplesmente um vazio?
Bom fim-de-semana.

terça-feira, 10 de novembro de 2009

A Propósito de Mais um Caso de Corrupção

O economista e membro do conselho de estado Vitor Bento defendeu, numa conferência há duas semanas, que o problema português como do resto do mundo começa com a crise das religiões porque com ela veio a busca pelos interesses imediatos, o desinteresse pelas consequências a médio ou longo prazo e a desvalorização dos valores ou padrões comportamentais. Corroborando esta tese (ao sublinhar a importância do trinómio "valores, atitudes, padrões de comportamento"), na mesma conferência, o economista Hernâni Lopes, apresentou o caso português em que "vale tudo para enriquecer de qualquer maneira e depressa, sem critério" abrindo portas para a "golpadazeca do ordinareco que faz umas jogadas, umas burlas, umas corrupções".
Na semana passada, o sociólogo italiano Francesco Alberoni, descreveu a Europa como um lugar histórico que foi movido pela esperança, inspirada pelo cristianismo, rejuvenescida pelo iluminismo e renovada pelo marxismo, em fazer dos homens todos irmãos. No entanto, essa esperança desapareceu: o comunismo ruiu como uma baralho de cartas, o cristianismo deixa cada vez mais de ser ouvido ou de se fazer ouvir pertinentemente e a moralidade laica vive ao sabor do interesse individual. Assim, pergunta e afirma o sociólogo italiano: "Que acontece quando se esfumam todos os sonhos de perfeição pessoal e social? Quando o ser humano não aspira a superar o seu egoísmo, a melhorar em termos morais, a criar uma comunidade que premeie o mérito e a virtude? Quando não há ideais, para onde se dirige o impulso humano? Apenas para o poder e para o dinheiro". E conclui: "Todos os meios passam a ser lícitos para trepar: acordos transversais, chantagens, sociedades secretas, licenças públicas, subornos internacionais".
No texto de que aqui falei ontem, João Carlos Espada, citava uma conferência do rabi Steinsalts, em que este dizia que o progressivo desaparecimento da visão judaico-cristã do mundo, na Europa, deixou um vazio que tem vindo a ser preenchido por um novo/antigo paganismo em que regressa o deus Mammon (dinheiro e poder), as deusas do sexo (as antigas deusas da fertilidade), a deusa da fama e de ser uma celebridade (a antiga deusa Calliope). O conferencista recusa-se a tomar uma posição sobre qual dos sistemas de valores é o melhor (a visão cristã ou a visão pagã), mas, como diz Espada, os valores como as ideias produzem consequências e essas podem ser conhecidas e avaliadas (as árvores conhecem-se pelos frutos). Podem a democracia, os direitos humanos, a vida como valor, a liberdade, o fazer o bem porque é um bem, o outro como irmão subsistir sem os valores que lhes deram origem?

Nestes três diagnósticos do estado da nossa realidade nacional e ocidental surge uma causa comum: o progressivo definhamento da mundividência cristã. E com ele, a progressiva desvalorização da honestidade, da verdade, da temperança, da bondade, do outro, da generosidade, do amor, da esperança, da utopia. Que dão lugar, respectivamente, à corrupção, à hipocrisia, ao acumular, ao interesseiro, ao egoísmo, à noção de que tudo tem um preço, ao hedonismo, ao cinismo, ao fim do sonho. Diante disto, nós os cristãos temos que estar muito atentos para não embarcar nesta onda e para não deixarmos de afirmar, pelo exemplo e pela palavra, a novidade radical e exigente, mas libertadora, responsabilizadora e civilizacional, dos valores cristãos. Para isso, a Igreja não pode pactuar com que no seu seio permaneçam sinais de corrupção das suas mais genésicas raízes. E não pode deixar de expor, com clarividência, simplicidade, sem se perder no assessório e sem tiques inquisitoriais, as consequências (já bem visíveis) de uma sociedade sem referências maiores, sem valores de cariz judaico-cristã.
E que fique bem claro, ter presentes esses valores não é uma questão de ser crente ou não. São valores civilizacionais que deram origem a sociedades democráticas, livres, sociais, humanistas, não discriminatórias, desenvolvidas. Estou convencido que o regresso ao paganismo nos conduzirá aos regimes políticos que então prosperavam, para desgraça dos mais fracos.

segunda-feira, 9 de novembro de 2009

Boas Intenções

Tinha pensado colocar aqui algumas pinceladas sobre uma reflexão, que tem vindo a ocupar-me, a partir de umas declarações do economista Vitor Bento sobre a inexorável decadência portuguesa e até ocidental. Para juntar as essas declarações, li há pouco um texto de João Carlos Espada (gentileza do meu amigo Jorge), que tenho que assimilar para enriquecer o que pretendo escrever. Assim, ainda não será hoje que desabafarei tudo o que me vai no peito (está dramático, mas pareceu-me tão engraçado que não resisti) porque preciso de deixar que as palavras ocupem-me um pouco mais, para melhor exprimir o que penso ser uma das causas profundas do pântano cultural, político e económico em que estamos atolados. Prometo em breve regressar, quem sabe se já amanhã.
Mas deixo a minha querida Mafalda que há muito aqui não vinha.

domingo, 8 de novembro de 2009

XXXII Domingo do Tempo Comum

No texto deste domingo já encontramos Jesus em Jerusalém e a observar profundamente as motivações, os gestos e as palavras daqueles que deambulavam pelo templo. No evangelho de hoje, Jesus pede-nos uma opção entre duas formas de viver a fé ou melhor, pede-nos que nos analisemos e perguntemos o que fazemos quando celebramos e anunciamos a fé: fazemos teatro religioso ou damos a vida toda.
De um lado, temos o escribas e todos aqueles que usam a religião para se distinguirem dos outros, para alimentarem a aparência, para mascararem a fraternidade ("gostam de exibir longas vestes"); que usam a religião para serem reconhecidos pelos poderes instalados, elogiados pela sociedade e colocados em lugares de destaque (gostam "de receber cumprimentos nas praças"); que usam a religião para ocuparem os lugares reservados nas igrejas, ditarem leis nos sermões que mascaram frustrações e obsessões e alimentam vontades de poder e reconhecimento fúteis (gostam "de ocupar os primeiros assentos nas sinagogas"); que usam a religião para ocuparem lugares em eventos que alimentam desigualdades sociais e que são autênticos escândalos para aqueles que não têm sequer o básico para subsistir (gostam "dos primeiros lugares nos banquetes"); que usam a religião para carregarem as pessoas com regras, obrigações e despesas que servem para alimentar o seu bem estar material e as suas contas bancárias ("Devoram as casas das viúvas com pretexto de fazerem longas rezas"). Deste lado temos o bom teatro religioso: tem sucesso, mas é falso; é aplaudido socialmente, mas é desprezado pelo íntimo dos homens; é devoto e pio, mas não habita o coração do Pai; tem futuro, mas nada dá e o que possui será comido pelos vermes e pelo tempo, respectivamente.
Do outro lado, temos aquela pobre viúva de quem, se a tradução estivesse bem feita, Jesus disse: "Esta pobre viúva deitou na caixa (das esmolas) mais do que todos os outros. Eles deitaram do que lhes sobrava, mas ela, na sua pobreza, ofereceu tudo o que tinha, a sua vida toda". Deste lado, numa palavra, temos Jesus que dá o que tem, a sua própria vida para que o outro a tenha e a tenha em abundância.
Não é possível viver a fé cristã sem esta opção entre o teatro religioso e o dar a vida e a vida toda sem reservas. Dar tudo o que temos e somos. O resto, meus pacientes e fiéis leitores, é conversa. E conversa interesseira e interessada. Que Jesus os continue a denunciar...

sexta-feira, 6 de novembro de 2009

Falta de Tempo

Que semana tremenda está a chegar ao fim! As reuniões intercalares tiraram-me tempo para a unidade lectiva sobre a Igreja, que tenho que escrever para os manuais de EMRC, e, principalmente, para o curso e as aulas de filosofia. Acabei de passar os apontamentos da aula, de quarta-feira, de filosofia da linguagem e não tenho dúvida que perder uma sessão, por semana, desta disciplina limita o meu entendimento sobre ela e obriga-me a estudar para passar, o que me deprime.
Foi uma semana em que mal tive tempo de me sentar em frente do meu computador, do mundo, de mim próprio. Mas encontro sempre espaço para um amigo. Assim, hoje de manhã, passei algumas horas com a minha amiga Salete e partilhei fascinado e comovido da sua alegria. Há muito que não estávamos juntos e senti que ambos saímos enriquecidos da arte de cultivar a amizade e de aprofundar a fé que partilhamos e reforçamos mutuamente.
Estou cansado e entristecido por não ter avançado no meu trabalho (uma semana ocupada, mas muito pouco produtiva), mas estou realizado porque O sinto, na aparente ausência, cada vez mais perto. E cada vez mais perto no outro que reencontro ou com quem partilho os dias.
Despeço-me com uma oração de Tagore que o Jorge colocou no seu blog e que encerra plenamente esta semana:

Não ouviste os seus passos silenciosos?
Ele vem, vem, vem sempre,
em cada instante e em cada idade,
todos os dias e todas as noites.
Ele vem, vem, vem sempre,
nos dias esplêndidos do ensolarado Julho,
como na obscura angústia humedecida das noites de Janeiro.
Ele vem, vem, vem sempre.

domingo, 1 de novembro de 2009

Todos os Santos

Este dia em que milhares de pessoas enchem os cemitérios foi sempre para mim um dia muito estranho, principalmente quando comecei a trabalhar nas paróquias por onde passei. Até então era uma dia de missa como o domingo, mas em que o cemitério não era um espaço que a nossa família, mais próxima ou mais alargada, frequentasse, mesmo depois da morte dos meus avós paternos e maternos. Não se pense que já alimentavamos o actual tabu da morte, pois quando os meus avós faleceram as crianças da casa (eu, as minhas irmãs e os meus primos, e depois o meu irmão) lá estivemos na câmara ardente, na missa de corpo presente, no beijo de despedida ao avô ou à avó, na procissão até à Igreja (os meus avós paternos tiveram em câmara ardente na sua casa) e junto ao jazigo onde foram sepultados. Nunca nos esconderam a verdade da vida que é a morte, nunca nos "douraram a pílula" sobre a violência , a dor e a esperança que a morte encerra. E quando o primeiro avô faleceu eu tinha seis anos, a João quatro e a Inês dois anos... Não me esqueço que quando a minha mãe recebeu a notícia de que o meu avô paterno tinha falecido (o primeiro a partir), chamou-nos aos três e de joelhos rezamos ao Sagrado Coração de Jesus: Deus sabe como rezei tão convictamente de que estava a ser escutado e de acreditar que o avô já estava junto do Jesus. Talvez por isso e porque nascemos e crescemos ancorados a uma profunda, sólida e provada confiança na ressurreição de Jesus sempre olhamos este dia como uma celebração da vida e não como uma corrida desenfreada aos cemitérios, lugares de morte e que nada acrescentam à nossa mais profunda convicção: que aqueles que partiram e nos deixaram um profundo sentimento de solidão estão vivos junto do Pai, tal como Jesus, e em íntima união connosco.
Neste tempo em que de todos se esconde a morte, em que se evita que uma criança presencie a morte, em que se chamam psicólogos para aliviar a dor da morte, em que se morre longe da sua casa e dos seus (por vezes, na mais desumana das solidões), em que sempre que se fala de tal, lá se escuta: ah não, por favor falemos de outra coisa. Que horror! Ora, a verdade é que a morte confronta o homem com o nada, o vazio, a questão do sentido. Confronta o homem com a verdade. Na verdade, a morte não mente. Quem mente são os tempos que vivemos, cheios de avanços técnicos, cheios de conhecimento, cheios de poder, mas que têm medo de enfrentar a verdade e enganam-se e enganam. Se a morte voltasse serenamente (não para aterrorizar, mas para construir a esperança) ao pensamento do homem, ela levar-nos-ia à conversão e à transformação do mundo. Assim, como estamos, apenas queremos viver o mais possível, acumular o máximo, ter as maiores e mais originais experiências, mas esquecemos o outro de tão ocupados que estamos em viver a nossa vidinha individualista e fechada sobre si própria. E esquecemos de pensar o sentido de tudo isto.
Por isso, hoje não fui nem vou a nenhum cemitério, mas vou receber na minha casa a minha família para celebrar a vida, recordar os que amamos e que nos amam e que já não partilham o caminho connosco, e beberemos um bom copo de vinho, celebrativo e meditativo, porque sabemos que a morte é dura e dolorosa, mas acreditamos que é apenas a curva do caminho em que deixamos de ver os que vão à nossa frente e em que, os que nos seguem, nos deixam de enxergar. Não, não vou ao cemitério porque lá não está ninguém. Aqui, sentado diante do meu computador, sinto o olhar silencioso do meu avô Guilhermino, o sorriso contagiante da minha avó Rosa, a bondade do meu avô Marques, a fé sofrida da minha avó Glória, a admiração que o meu tio António me devotava. Todos eles estão vivos e rezam por mim, por nós. A eles, os santos de Deus que hoje celebramos, o meu obrigado...