sexta-feira, 30 de outubro de 2009

Incompreensível

No início da semana fomos surpreendidos pela detenção, para apresentação a um juiz, do pároco de Boticas por uma alegada participação num esquema de tráfico de armas. A questão da justiça deixo-a à justiça e espero que tudo se averigúe e se esclareça nos lugares próprios que são os tribunais.
O que é verdadeiramente incompreensível é que este sacerdote católico não só tenha em casa um verdadeira arsenal de armamento ilegal e com os números de série apagados, mas também se dedique a emprestar dinheiro com 4% de juros, a negócios imobiliários e à compra e venda de automóveis. O que é incompreensível é que tal fosse do conhecimento dos colegas e da hierarquia e nada tivesse sido feito. O que é incompreensível é que este homem tivesse regressado às suas paróquias e se prepare para celebrar as eucaristias deste fim-de-semana.
Poderão dizer-me que o senhor podia ter os seus negócios, fazer do seu dinheiro o que quisesse e ter um gosto especial pelo coleccionismo de armas. Não, não pode. Não pode ser usurário, nem viver para possuir, nem admirar instrumentos de morte, nem dedicar o seu tempo ao dinheiro. E não pode porque é sacerdote de Jesus Cristo que por definição tem que ser pobre, não violento, generoso e viver não para o lucro, mas para a gratuidade.
A Igreja, neste caso a Diocese de Vila Real, não pode pactuar com estes casos nem assobiar para o lado como se nada fosse com ela. E muito menos fazer de conta que nada se passa, esperando que nunca se descubra os podres de alguns dos seus ministros. E porquê? Porque tem que se lembrar daqueles que como pastor, afinal, têm um lobo. Um Bispo, o pastor de uma diocese, tem que proteger o seu rebanho, não os seus "delegados".
Casos como este são um alerta para que a Igreja, nós os cristãos comprometidos não deixemos de denunciar e agir em conformidade diante de situações que são a negação absoluta de tudo aquilo em que acreditamos. O silêncio é uma forma de cumplicidade. Foi uma atitude semelhante que fez com que a pedofilia alastrasse como erva daninha na Igreja americana. É uma atitude semelhante que faz com que a atracção fatal pelo dinheiro de alguns padres descredibilize tudo o que anunciamos. Se a tua mão é causa de pecado corta-a, dizia Jesus há uns domingos atrás no Evangelho dominical. É mais que tempo de cortar pela raiz a figueira que não dá fruto. Sem pruridos, sem falsas compaixões nem desculpas ridículas como a falta de meios humanos.

Deixo mais uma tira da Mafalda que penso ser oportuna. Bom fim-de-semana.

quinta-feira, 29 de outubro de 2009

Mafalda

Hoje lembrei-me da Mafalda. Sim, a maravilhosa criatura do cartoonista argentino Quino. Foi no seminário, no sétimo ano, que a descobri pelas mãos do padre Mendes, um homem que me ensinou imensas coisas, entre as quais o gosto pela BD. Alguns meses mais tarde, a minha mãe ofereceu-me um volumoso volume vermelho que tinha por título (se a memória não me atraiçoa), Toda a Mafalda. Hoje desesperei à sua procura e não o encontrei. Queria aqui colocar, a partir de hoje, e quando me apetecesse, uma tira da Mafalda. Socorri-me da internet e aqui fica uma (peço desculpa mas está em brasileiro). Ficam mais prometidas. É fantástica esta Mafalda.
Para conseguir ler, basta clicar na imagem.

quarta-feira, 28 de outubro de 2009

Uma Oração

O blog do meu amigo Jorge é sempre um espaço de descobertas. Hoje estava lá esta belíssima oração do bom Papa João XXIII que hoje aqui partilho e que amanhã proporei, aos meus jovens companheiros de Laudes, em substituição de um dos salmos. Penso que não cometerei nenhuma heresia.
Como gostava de ter conhecido este homem e sentido o ar de esperança que a sua abertura trouxe à Igreja em meados do século passado. Vinde Espírito de Amor...

Procurarei viver pensando apenas no dia de hoje, sem querer resolver de uma só vez todos os problemas da minha vida.

Hoje, apenas hoje, terei o máximo cuidado na minha convivência: afável nas minhas maneiras, a ninguém criticarei, nem pretenderei melhorar, nem corrigir ninguém à força se não a mim mesmo.

Hoje, apenas hoje, serei feliz na certeza de que fui criado para a felicidade, não só no outro mundo mas também já neste.

Hoje, apenas hoje, adaptar-me-ei às circunstâncias sem pretender que sejam todas as circunstâncias a adaptarem-se aos meus desejos.

Hoje, apenas hoje, dedicarei dez minutos do meu tempo a uma boa leitura. Assim como o alimento é necessário para a vida do corpo, assim a boa leitura é necessária para a vida do espírito.

Hoje, apenas hoje, farei ao menos uma coisa que me custa fazer; e se me sentir ofendido nos meus sentimentos, procurarei que ninguém o saiba.

Hoje, apenas hoje, farei uma boa acção, e não o direi a ninguém.

Hoje, apenas hoje, executarei um programa pormenorizado. Talvez não o cumpra perfeitamente, mas ao menos escrevê-lo-ei. E fugirei de dois males: a pressa e a indecisão.

Hoje, apenas hoje, acreditarei firmemente - embora as circunstâncias mostrem o contrário - que Deus se ocupa de mim como se não existisse mais ninguém no mundo.

Hoje, apenas hoje, não terei qualquer medo. De modo especial não terei medo de apreciar o que é belo e de crer na bondade.

João XXIII, Papa

terça-feira, 27 de outubro de 2009

House (Correcção)

Ontem começou na Fox a sexta temporada de House. Para quem vai acompanhando esta série americana que segue a retorcida personalidade e genialidade do médico que lhe dá o nome, não pode perder os dois primeiros capítulos desta temporada. São duas pérolas que provam que é possível, em televisão e para televisão, ver e fazer obras de arte. São dois episódios onde acompanhamos o protagonista internado num manicómio, numa inversão de papeis (médico que é paciente) e numa peregrinação interior que o levará a colocar-se em questão e a assumir a sua humanidade, nas suas dimensões mais... humanas.
Mas o que me leva a escrever estas (banais) linhas é que o primeiro episódio de ontem recordou-me uma das bandas que mais admiro e acompanho, os Radiohead, porque o seu genérico foi acompanhado por No Surprises. Só por isso, já teria sido um grande episódio. Hoje, sempre que posso, lá estou a ouvir o The Beste of Radiohead.
Só consigo colocar aqui o vídeo ao vivo, mas é melhor que nada:

domingo, 25 de outubro de 2009

XXX Domingo do Tempo Comum

O caminho de Jesus até Jerusalém (até à cruz) aproxima-se do fim. Ao sair de Jericó (última etapa) e acompanhado por uma multidão de discípulos (que já percebemos ao longo dos últimos domingos não terem a mais pequena ideia para onde o seu Mestre caminha) e curiosos, Jesus coloca-se no caminho e eis que fora do Seu caminho, à margem dos que O seguem, surge um cego. Mas, se nos detivermos a olhar atentamente para o texto de Marcos percebemos que estamos diante de um texto bem diferente do de uma cura. Porque sobre este cego são-nos fornecidas muitas informações pessoais: filho de Timeu, chama-se Bartimeu, está sentado à beira do caminho e pede esmola. Somente nos chamamentos de Pedro e André, Tiago e João e Levi, Marcos nos dá tanta informação sobre as suas personagens, o que nos remete imediatamente não para um milagre, mas para o chamamento deste homem e para a sua conversão ao caminho de Jesus.
Ao ouvir dizer que Jesus passava pela sua vida, Bartimeu não detém nem deixa deter o seu grito por salvação, por alguém que o escute, por sair das margens para que a vida, as suas decisões e a sociedade (religião oficial?) o tinham atirado. Grita porque está longe e aos marginalizados ninguém quer escutar nem quer deixar que eleve a sua voz. Grita como nós no início de cada Eucaristia: Kýrie eléêson que, à letra, pede a Deus que nos pegue maternalmente ao colo, que nos embale com seus braços, que nos sorria com a sua tranquilidade, que nos olhe doce e amorosamente nos olhos. Que Deus ficaria impávido diante do pobre, do só, do esquecido, do fruto da cegueira e da surdez dos outros (e também dos crentes)? E Jesus pára. Pára à nossa porta, à nossa beira, ao grito de dor esperançosa que lhe lançamos. Jesus pára e chama (três vezes Marcos escreve a palavra chamar), chama ao encontro, chama ao diálogo, chama ao chamamento, à vocação. E Bartimeu deixa tudo para trás, deixa o pouco que tem: as suas poucas esmolas caídas no imundo manto que recolhia a caridadesinha alheia. E salta porque nada o faz hesitar, nada o faz pensar duas vezes, é a salvação que o chama, é alguém que o quer ver, falar e aceitar como homem que é em toda a sua dignidade. (Confrontem a atitude deste homem com a do rico que se sentia o melhor homem do mundo).
E eis o diálogo: Que queres que te faça? (a mesma pergunta que Jesus fez no Evangelho passado aos ambiciosos filhos de Zebedeu que não sabiam o que pediam) E Bartimeu pede luz, sentido, um rumo, um caminho, Vida com qualidade (bem diferente dos dois irmãos - poder; e do homem rico - vida eterna). E Jesus só lhe diz: Vai. Sai da margem, ergue a cabeça, és alguém querido e amado, não te coloques nem te deixes colocar à margem, olha como nunca estás só nem quando todos te abandonam e esquecem e marginalizam. E assim percebeu, o filho de Timeu, que só há um caminho, que só há um rumo, que só há uma luz: Jesus caminhando para o gesto maior do amor.
Quantas vezes nos sentimos à margem da vida? Quantas vezes nos envergonham as nossas opções que pensamos que nem Deus nos escuta, embala e olha? Quantas vezes nos deixamos calar pelas multidões e pelos seguidores ignorantes do Mestre que em vez de estenderem a mão nos pontapeiam e enxotam para as margens da vida? Meus amigos gritemos bem alto que afinal na Palavra não são os maus costumes nem a crueldade de Deus (sim, a crueldade dos homens está lá bem explícita) que encontramos, mas o Caminho da Luz de um Deus que se abeira dos mais esquecidos, perdidos e maltratados da vida. Sim, ele é injusto porque esquece, não ouve, deixa partir e condena os cheios de si, carregados de vontade de poder, os que procuram estar acima dos outros, os soberbos.
Senhor Jesus tem piedade de mim...

sábado, 24 de outubro de 2009

Tardes de Outono

Por vezes dá-me para isto: rever um filme antigo, ouvir um cd esquecido, regressar a uma livro marcante. Hoje estava com vontade de aqui escrever algo de substantivo, mas a melancolia deste outono, que finalmente (?) se vai impondo, trouxe-me à memória um dos maiores filmes que já vi na vida e que mais reforçou o meu fascínio (sei que discutível, mas que querem?) por bandas sonoras originais para cinema: Aconteceu no Oeste de Sergio Leone, com música de Ennio Morricone e um elenco inesquecível: Henry Fonda, Claudia Cardinale, Charles Bronson, Jason Robards, etc. Não vou fazer deste post mais uma crítica de cinema, mas deixo aqui uma das cenas iniciais (hesitei em pôr o final, mas pode ser que alguém queira ir ver o filme pela primeira vez e não quero estragar a surpresa) onde se expõe simplesmente o mais e melhor puro cinema. É impressionante e terrivelmente magnífico. Ah e já agora apercebam-se qual a fonte e a face do mal...

sexta-feira, 23 de outubro de 2009

Numa Noite Chuvosa de Outono

Quarta-feira à noite fui à oração Taizé, na Igreja de S. José das Taipas, no Porto. Nesta oração foram entregues os ícones às paróquias de acolhimento dos participantes, no encontro ibérico de Taizé, que se vai realizar no Porto de 13 a 15 de Fevereiro de 2010. O colégio Luso-Francês será uma dessas "paróquias" e foi impressionante o entusiasmo dos estudantes do secundário que logo se disponibilizaram a acolher e a criar todas as condições para fazermos daquele encontro e da "nossa" casa uma espaço de partilha, celebração e cultivo da esperança que é uma das fontes da alegria.
Nesse dia 13 partirão também uma série de alunos e professores em peregrinação a S. Tiago de Compostela (aqui chamamos-lhe o Caminho), que é já um marco da vida do Colégio e que tem marcado significativamente muitos jovens (e não só) que se deixam interpelar por uma experiência de espiritualidade profunda e exigente. Com eles estaremos em comunhão e, para melhor a visualizar e realizar, proporcionaremos, em alguns momentos, espaços de partilha por videoconferência. E, porque queremos que Taizé seja vivido por todo o colégio, vamos preparar a capela para ser, desde já, uma espaço universal de oração e de contemplação do divino através do ícones que recebemos na passada quarta-feira.
Por falar em quarta-feira, não posso terminar sem referir que a igreja de S. José das Taipas estava cheia, numa noite de futebol e de inclemente chuva. Que bom regressar à penumbra de uma igreja exclusivamente iluminada pela luz das velas, ao silêncio entrecortado pela Palavra e pelos melodiosos cânticos que, no início, mal percebemos a letra mas (como a voz que não se impõe do Mestre) que se vão interiorizando e vislumbrando em sentido que nos leva, numa comunhão crescente e depois de bem escutar uma e outra vez, a juntar a nossa voz à de tantos que partilham a mesma fé. Assim, ali estive de pé (não havia lugar nem para sentar no chão) a rezar cantando: Senhor Jesus tu és luz do mundo: dissipa as trevas que me querem falar. Senhor Jesus és luz da minha alma saiba acolher o teu amor.
Quando regressava a casa (sempre debaixo de chuva) recordava estas palavras que conscientemente escrevia, em 23 de Janeiro de 2003, para uma conferência sobre a pastoral juvenil na diocese (era o director do secretariado): A nossa experiência diz-nos que os jovens desejam e procuram estes espaços onde se dá oportunidade à revisão de vida, à descoberta de Jesus como alguém e alguém que tem a ver com o seu mundo, à vivência espiritual (e como eles estão abertos a vivências deste tipo!), e à alegria do serviço à comunidade, que quando integrado e enquadrado é proposto e querido por eles próprios. Eles desejam; falta quem lhes dê, oriente e apoie.
Como é possível que tanta gente, na pastoral da Igreja, nas paróquias ainda não tenha compreendido este anseio e esta disponibilidade não só dos jovens, mas da maioria dos discípulos de hoje de Jesus.
Estou muito feliz por regressar a este mundo... porque, como cantava na celebração de que vos falo, a alma que anda no amor nem cansa nem se cansa.

terça-feira, 20 de outubro de 2009

Sacanas Sem Lei

No domingo à tarde fui ver o último filme de Tarantino, Sacanas Sem Lei. Fica já aqui explicita a minha declaração de interesses: sou um apaixonado de Tarantino desde que há muito tempo (1994) vi o magnífico Pulp Fiction. Nunca mais perdi um filme seu (mesmo o anterior àquele, Cães Danados)
Em Sacanas sem Lei voltei a reencontrar-me com os seus diálogos inesquecíveis [quase todas as cenas, são cenas de longas conversas de pessoas que se olham, simulam, gesticulam (por vezes fatalmente...), criam ambiguidade, enfim personagens de carne e osso], com as suas citações cinematográficas (western, cinema de espionagem da segunda guerra mundial, evocação do cinema de propaganda da própria segunda guerra, etc.), com a sua magnífica direcção de actores e de banda sonora e com a sua recorrente (Kill Bill e A Prova de Morte) vingança feminina.
Não é um filme sobre a guerra nem sobre a guerra de 39-45, mas é uma recriação da história tendo como pano de fundo não só o poder do cinema (Tarantino dixit), mas também o poder do boato, da fama criada, do nome com que o inimigo apelida alguém que se evidencia pelo seu carácter aterrador. Todos têm um apelido: o apache, o urso, o caçador de judeus, o judeu, o leiteiro, os próprios Sacanas Sem Lei, etc. É o poder da imagem cinematográfica, da imagem que o terror desperta nas mentes, da imagem que a propaganda delineia e apregoa, da imagem que os artistas criam, da imagem terrível da vingança (recordo a cena final de Shosanna a rir-se por entre chamas) que este filme retrata. E ninguém melhor para manipular a imagem como cinema que um enciclopédico cineasta como Tarantino. A imagem mais do que uma realidade empírica é uma construção mental que influencia a vida e que a pode tornar manipulável. Ser um filme a dizer isto é algo de brilhante.
Uma palavra final para Christoph Waltz que, apesar da menos conseguida reviravolta final da sua personagem (culpa a que é alheio), arranca uma portentosa interpretação de oficial das SS. Aliás, o filme é também uma delícia na arte de bem representar.
Apesar de não ser para mim o melhor Tarantino, existem imagens, diálogos e momentos inesquecíveis que se juntarão aos muitos ícones com que este artista do cinema tem pontuado a história da sétima arte.

Uma Pousada e Um Escritor

Estou de regresso a este espaço, reconfortado por um fim-de-semana de sol na nova Pousada do Porto, no Palácio do Freixo. Imaginem que ainda há dois dias atrás estava a tomar um banho refrescante na belíssima piscina verde sobre o rio Douro.
Vale a pena passear pelas salas barrocas deste palácio, tomar um copo no jardim primorosamente enquadrado ou simplesmente ler um livro no passadiço suspenso sobre o rio. Recordo que alguns destes espaços podem ser visitados e desfrutados por qualquer pessoa que queira simplesmente ver como ficou este espaço monumental da cidade do Porto, durante anos fechado ao público.








Se calhar, alguns dos meus leitores gostariam que eu comentasse as inusitadas declarações de José Saramago. Quem me conhece sabe que o li com muito agrado no Memorial do Convento e na História do Cerco de Lisboa e que deixei de o ler quando foi (e continua a ser) desonesto intelectualmente ao abordar questões bíblicas. As frases avulsas que li na comunicação social reforçam a minha opinião sobre a leveza, a superficialidade e o fundamentalismo com que Saramago aborda esse mundo literário que é a Bíblia. É intrigante como um homem das letras lê um conjunto de livros (Bíblia) à letra, ao melhor estilo dos fundamentalistas judeus, cristãos ou muçulmanos. Na verdade, todos os fundamentalismos crentes ou ateus são autistas, simplórios e básicos no seu olhar sobre o mundo. O Nobel português lê a Bíblia ao pior estilo dos pregadores de uma qualquer igreja universal do reino de deus. E parece que com o mesmo objectivo: fazer um bom negócio. E isso é muito triste e o ilustre habitante de Lanzarote não precisava de tais métodos. Lamentável.
Tolentino de Mendonça aborda com pertinência as declarações aqui

sábado, 17 de outubro de 2009

Bom Fim-de Semana

Estarei ausente deste espaço durante os próximos dias. Regressarei na segunda-feira.
Ontem tive reunião da equipa de elaboração dos manuais de EMRC. Estivemos a analisar a impressionante unidade lectiva sobre a arte cristã que o José Rui está a elaborar. E quando falamos da música polifónica, barroca, romântica vieram-me à memória tantos cds esquecidos que em tempos ouvia obsessivamente. Regressei hoje momentaneamente a eles. E deixo aqui uma das melhores árias da Paixão Segundo S. Mateus do grande Bach: Mache dich, mein Herze, rein. A versão que apresento é para mim a melhor: John Eliot Gardiner dirige a sua English Baroque Soloists constituida por instrumentos da época barroca. Cornelius Hauptmann é o baixo que interpreta este momento único. Um bom fim-de-semana.

terça-feira, 13 de outubro de 2009

Aniversário da Maria

No sábado celebramos em família alargada (vinte pessoas) o quarto aniversário da minha sobrinha Maria (a primeira!). Aos poucos vamos percebendo a sua maneira de ser: tímida mas ansiosa por visitas, de poucas palavras mas sempre atenta e perspicaz, reservada mas sonhadora, de fisionomia frágil mas de postura educada e integrada no meio dos adultos que observa atentamente e, por vezes, surpreendentemente. Mais do que o saber estar, a Maria tem vindo a construir um ser cada vez mais misteriosamente fascinante. Sinto que tenho que me educar para saber estar à sua altura. Para ela e para os seus pais os meus reforçados parabéns. É um orgulho perceber como estamos, cada ano que passa, cada vez mais enriquecidos familiarmente.

segunda-feira, 12 de outubro de 2009

Eleições Autárquicas

Na sexta-feira à noite escutava, na SIC notícias, alguns comentadores a perorarem que a campanha para as eleições autárquicas tinham sido pouco participada e pouco clarificadora. É o que faz viver em Lisboa e pensar que o país funciona e rege-se segundo os ritmos da capital. Quem vive fora dos grandes centro urbanos sabe muito bem que a campanha autárquica movimenta muita gente, é vivida com interesse e, por vezes, com entusiasmo pelas populações e é acompanhada com atenção pelos eleitores que, porque fazem as suas opções sem condicionalismos partidários e ideológicos, precisam de conhecer bem as propostas e os candidatos para poderem decidir. Nestas eleições, a proximidade das populações com os decisores políticos proporcionam o exercício de uma democracia de proximidade e de sensibilidade aos anseios (por vezes tão simples, mas tão significativos) das populações que nunca seria possível numa política nacional. São muitas as juntas e as câmaras onde depois das eleições as cores políticas desaparecem diante das necessidades da freguesia ou do concelho. O poder autárquico é o coração de democracia. Quando os eleitores dele descrerem, rapidamente deixarão de acreditar nos políticos nacionais e na democracia como solução.
Da noite de ontem podemos concluir que o grande vencedor foi o PS: ganhou mais 22 câmaras que em 2005, melhorou o seu resultado de há quatro anos (mais votos, mais percentagem e mais mandatos), conquistou a maioria absoluta em Lisboa e em Beja (câmara do PC desde 1974), a maioria dos votos na também capital de distrito Leiria (sempre PSD) e conseguiu simbólicas vitórias como no bastião social democrata Barcelos ou como a reconquista da Figueira da Foz. É verdade que perdeu Faro, deixou fugir símbolos como Espinho e apanhou algumas banhadas pouco dignificantes (Porto, Aveiro, Gaia), mas acaba por ser o único que subiu significativamente em todos os itens em relação a 2005.
O PSD continua a ser o maior partido autárquico, aumentou a sua votação no Porto, em Aveiro, em Sintra, em Gaia (todas com o CDS), venceu em Faro, em Felgueiras (ambas também em coligação), em Espinho, mas perdeu 17 câmaras (sozinho ou coligado) e algumas bem simbólicas como Leiria. Não foi uma noite vitoriosa, foi o crepúsculo de uma morte lenta, iniciado há mais que quinze dias.
Em relação aos outros três partidos pouco há a dizer: o PCP é ainda uma força autárquica, mas tem o menor número da câmaras desde 1974 e viu a sangria de Beja, Marinha Grande, Alcácer (para o PS) e Sines (Independente que o PC escorraçou). Teve como consolação o desastroso resultado do BE que não conseguiu um vereador sequer no Porto e em Lisboa e não tem em nenhuma câmara do país qualquer posição de charneira. Mais, com o CDS coligado em muitos locais com o PSD, nem assim o Bloco teve mais votos que o CDS sozinho. Muito mau. O CDS é quase irrelevante nas contas autárquicas e, as suas coligações disfarçam o seu fraco poder local. No entanto, existem derrotas do PSD que talvez se tivessem evitado com uma coligação.
Finalmente, uma reflexão sobre o distrito do Porto e o Norte do distrito de Aveiro/sul da diocese do Porto.
Porto: O PS aguenta-se em Matosinhos apesar de Narciso, conquista a Trofa (foi sempre do PSD), mantém as outras Câmaras, mas tem derrotas pesadíssimas no Porto, em Gaia, Paredes, Penafiel e Maia. O PSD perde uma câmara (Trofa) mas ganha Felgueiras (com o CDS), aguenta-se em Valongo (com o CDS) graças à divisão local do PS e afunda-se em Vila do Conde, Matosinhos, Gondomar (todas com o CDS) e Baião.
No sul da diocese do Porto, no distrito de Aveiro: O PS conquistou Castelo de Paiva, mas perdeu Espinho; o PSD vice-versa. No resto, o habitual: PS reforçou em Ovar (contra coligação PSD/CDS) e em Arouca; o PSD reforçou em S. João da Madeira e manteve Feira, Oliveira de Azeméis e Vale de Cambra (aqui, como curiosidade, o CDS foi o segundo partido mais votado).
Terminado um longo ciclo eleitoral de três eleições, façamos votos que todos sejam dignos da confiança neles depositada: governos e oposições.

domingo, 11 de outubro de 2009

XXVIII Domingo do Tempo Comum

No evangelho de hoje de novo se sublinha o que é e o que implica ser discípulo de Jesus. A cena deste homem rico já foi muitas vezes reflectida, mas quase sempre fica pela leitura material da sua riqueza. Mas será interessante juntar a essa leitura a ideia de como aquele bom homem rico via a dimensão religiosa da sua vida. Como vamos ver, a sua perspectiva enferma da perspectiva de muitos crentes.
Atente-se no tom apressado e urgente que ele coloca na sua acção (aproximou-se correndo de um Jesus em caminho) e na pergunta que ele lança a Jesus: que hei-de fazer para herdar a vida eterna? Jesus coloca um travão em todo este entusiasmo e, diante de uma pergunta que pede coisas para fazer para poder herdar algo, Jesus responde-lhe na mesma moeda apontando-lhe o caminho da religião tradicional que é o caminho de cumprir leis, o caminho que faz um homem ser um bom homem, o caminho da razoabilidade [não matar, não cometer adultério, não roubar, não mentir, honrar o pai e a mãe (com este texto vem-me sempre à memória aqueles que dizem que não pecam porque não matam nem roubam. Aqui estão eles)].
Mas diante da insistência daquele entusiasta em querer ir mais longe, então Jesus acredita que tem diante de si um potencial discípulo, alguém que quer entrar no caminho que Ele estava a percorrer (para Jerusalém: caminho do amor total), e olha-o com amor e, usando a linguagem dos negócios e também dos negócios religiosos, propõe-lhe o caminho cristão em quatro imperativos: vai (vender), dá, vem e segue-me. E aqui o homem prefere a riqueza, a segurança da sua religião, o razoável das suas opções.
Jesus não só desanima aquele potencial discípulo, como espanta os que o acompanhavam: "Quem pode então salvar-se?". Jesus escandaliza porque afirma que ninguém, por mais que tenha, por mais que cumpra, por mais que reze, por mais que seja bom não encontrará a salvação se só se procurar a si e o seu bem-estar (que tenho eu que fazer para herdar para mim a vida eterna?) e se colocar em si, na sua crença, nos seus poderes a possibilidade de ter a salvação. Quem assim pensar não segue Jesus, não se coloca nas mãos amorosas do pai, confia só em si e não precisa de salvação. É por isso, que os discípulos se escandalizam e apresentam os seus grandes feitos ("olha que nós deixamos tudo para Te seguir".) Mas o seu escândalo só demonstra que também eles ainda o seguiam à espera de alguma herança, de alguma riqueza, de algo mais...
A grande questão que se coloca a nós seus discípulos é até que ponto estamos à espera de uma herança? Até que ponto não esperamos ser recompensados pela nossa opção por Cristo? Até que ponto não estamos tão auto-convencidos da nossa fé e dos nossos créditos diante de Deus que esquecemos que a Vida é um dom absolutamente gratuito do amor sem condições do Pai?
Ser discípulo de Jesus é segui-lo em tudo o que ele é, em toda a sua forma de vida e, agarrado por aquele olhar cheio de amor, colocar a sua vida frágil, errante, pobre, de barro nas mãos daquele que do fraco faz forte. O discípulo do Mestre só sabe que nada tem para lhe apresentar senão o corpo fragmentado da fragilidade humana. É por isso que o cristão sabe e conhece-se como o mais pequeno dos filhos do homem...

Quando há quatro anos atrás reflectia sobre o rumo a tomar na minha vida foram estas palavras de Jesus que me desinstalaram: tinha que ser mais radical; não chegava ser Seu ministro precisava de ser Seu discípulo; não chegava ser bom homem ou bom padre, faltava ir, vender, dar e vir para o meio do mundo para aí O seguir. Perdi seguranças, apoios, comodidades, sucessos, dinheiro, amizades, reconhecimento social... Mas hoje, mais do que nunca, estou nas suas mãos (quantas vezes a querer delas saltar...), tento segui-lo nos caminhos da vida (quantas vezes me engano...) e nada tenho a apresentar-lhe como factura porque tudo o que sou é obra do Seu amor incompreensível e paciente por mim. Sim, com dificuldades ("perseguições"), tenho recebido "cem vezes mais" sem nenhum mérito da minha parte. Assim se manifesta o Seu poder...

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Um Filme

No domingo passado fui ao cinema ver uma filme praticamente ignorado pelas audiências porque foi incognitamente lançado pela distribuidora. Se não fosse o meu hábito e gosto pela crítica cinematográfica também não me tinha apercebido deste filme, que deve ser o melhor filme sobre guerra dos últimos anos: Estado de Guerra, de Kathryn Bigelow.
A acção desenrola-se no Iraque, onde acompanhamos uma unidade de minas e armadilhas que tem que lidar não só com o carácter improvável e cada vez mais sofisticado, em técnica como em maldade, de uma bomba que pode estar escondida no entulho, ou num carro, ou num corpo humano ou nas entranhas de um adolescente. Como também tem que lidar com aqueles que constituem a própria equipa e com as suas idiossincrasias. O filme gira à volta desta equipa que é liderada pelo homem que desmantela carinhosamente cada bomba, que admira a sua cada vez maior complexidade, que guarda religiosamente as peças detonadoras de cada uma das centenas de bombas que desmantelou, que parte para cima do lugar armadilhado como quem se lança sobre uma droga: é um vício, é uma decisão dominada pela adrenalina que tomou conta não só do corpo como de toda a vida daquele homem, como se perceberá no final do filme. Este viciado é protegido em todas as missões pelos outros dois elementos da equipa: o jovem assustado e questionador do sentido do que faz todos os dias e o homem racional que vê e tenta agir em cada acção segundo os cânones militares, as competencias apreendidas e que olha para aquela sua experiência como um intervalo que faz na construção do seu projecto de vida. Um intervalo que descobrirá ter que terminar...
O que destaco neste filme é que a sua realizadora (ex-mulher de James Cameron) não entra pelo discurso político nem filosófico sobre o sentido (ao falta dele) da guerra, sobre as suas razões, sobre a sua avaliação moral, sobre os seus dramas humanos (físico e psicológicos). Apenas expõe a faceta particular daquela unidade e a sua forma pragmática de estar em combate: alguém há-de safar-se. Aliás, é isso que seus os elementos pretendem: fazer bem o seu trabalho e sair dali (quem vir o filme, descobrirá com um dos protagonistas, que não será bem assim...). Não procuram razões, nem culpados, nem inocentes que são tudo coisas que não existem nas guerras...
Para a realizadora a guerra é uma experiência limite em que o homem radicaliza tudo o que tem: a vontade de viver, a vontade de se ultrapassar e ultrapassar cada vez maiores desafios e a cegueira/vício que esse ir cada vez mais longe provoca. Não é assim com o dinheiro? Com as vitórias? Com o sucesso profissional? O campo de batalha apenas potencia tudo isso.
Além de tudo isto, é um filme de acção, suspense, muito bem filmado por várias câmaras digitais e com interpretações no ponto. Se ainda o encontrar (no Porto, só está no Gaia Shopping), é uma excelente opção...

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

9ª Bienal Internacional de Cerâmica Artística de Aveiro

A Bienal Internacional de Cerâmica Artística de Aveiro é um dos acontecimentos cimeiros, apesar do silêncio da comunicação social nacional, no panorama cultural português. Talvez por não ser em Lisboa ou até no Porto é que este evento não tem a repercussão que a qualidade dos seus artistas e a audácia dos seus organizadores (câmara municipal) bem merecia. E já se organiza há vinte anos!
Foi inaugurada, no passado sábado, a exposição da Bienal, que estreia a parte nova do Museu de Aveiro, uma obra de Alcino Soutinho, que inclui um espaço expositivo, uma cafetaria e um auditório. É naquele espaço polivalente que foi instalado com engenho um percurso expositivo onde podemos admirar grande parte das peças presentes a concurso. Ainda no sábado, no referido auditório, foram entregues os três primeiros prémios, bem como as diferentes menções honrosas, mas estranhei que, na acta, o júri não tenha justificado as suas escolhas. Deveria-o ter feito para justificar um conjunto de prémios que, para um leigo na matéria como eu, se mostraram incompreensíveis nas opções e contraditórios nos critérios.
Mas isso é o menos. Por um conjunto de circunstâncias só há muito pouco tempo encontrei o mundo da cerâmica artística que é um espaço de fértil terreno criativo, de ancestrais e modernas técnicas produtivas, e de linguagens proporcionadoras de silêncios carregados de sentidos. Vale a pena, percorrer esta exposição e deixarmo-nos tocar e interpelar ou simplesmente encantar pelas formas intrigantes e naturais das instalações de Sofia Beça, que nos apresenta o seu Colmeias

pela audácia artificial da Erosão de Xana Monteiro

pela leveza inesperada de Celda de los Recuerdos, da castelhana Maria Oriza (menção honrosa)

pela composição com sentido de O Negro Profunda, da eslovena Vilma Kobilsek

e pela carga poética e singular da obra que mais gostei (sim, eu sei que sou suspeito) A Redoma Insustentável de Karin Somers.

Finalmente, uma fotografia da peça vencedora, para que fique aqui registada. Chama-se Teaset #2 e é da artista norte-americana Karen Gunderman.

A exposição decorrerá até ao dia 15 de Novembro. Mais uma boa razão para visitar uma das mais bonitas cidades portuguesas. Na verdade, gosto muito de Aveiro.

segunda-feira, 5 de outubro de 2009

Mercedes Sosa

Soube hoje de manhã que Mercedes Sosa faleceu ontem, na sua Argentina, com 74 anos. Mercedes foi uma activa oposicionista das ditaduras latino-americanas (esteve exilada do seu país devido à ditadura) e uma lutadora pela justiça social e económica para a sua América latina. Tal como ela dizia de si própria, o mais importante era a sua música e foi com ela que Mercedes inspirou gerações e mobilizou lutas pelos direitos humanos. E lutar pelo homem e pela sua dignificação não tem cor política nem é exclusivo de nenhuma família ideológica. Mas também é justo que se diga que, na verdade, naquela região, durante as décadas de 70 e 80, foram as esquerdas que mais estiveram ao lado dos povos e das suas necessidades.
Deixo aqui a minha homenagem a Mercedes Sosa, de quem tenho dois cds que nunca me cansaram de a escutar. Nesta homenagem coloco aqui três vídeos do youtube.
Primeiro, o grande sucesso Todo Cambia onde lateja a força interior e sentida desta mulher.


Agora, essa oração grandiosa: Solo le Pido a Dios


E, finalmente, o grande Gracias a la Vida

domingo, 4 de outubro de 2009

XXVII Domingo do Tempo Comum

Para entendermos o Evangelho de hoje (Mc 10, 2-16) devemos dividi-lo em três partes: o diálogo de Jesus com os fariseus, o diálogo de Jesus com os discípulos, "em casa", e o acolhimento de Jesus às depreciadas crianças.
Diante da pergunta enviesada ("Pode um homem repudiar a sua mulher?") e fundada na lei de Moisés dos fariseus, Jesus denuncia o carácter machista de tal lei e proclama para as relações homem/mulher o fim dos legalismos e a predominância do amor.
Tal como diz Jesus ("Foi por causa da dureza do vosso coração que ele [Moisés] vos deixou essa lei"), a lei que permitia o repúdio da mulher por parte do homem (Dt 24, 1-3), o homem tinha que ter um motivo para expulsar a sua mulher, tornou-se no tempo de Jesus uma forma prepotente e arbitrária (haviam escolas rabínicas que aceitavam o pedido de divórcio se um marido acusasse a mulher de queimar um cozinhado) de o homem exercer o seu poder sobre a mulher. Melhor, a lei possibilitava que, na relação "matrimonial" do homem com a mulher, se reproduzisse a inferioridade social da mulher, se concretizasse a visão negativa sobre a mulher. Assim o matrimónio não é mais do que um contracto de domínio do homem sobre a mulher que adquire e pode libertar a qualquer altura. Por isso e para aquilo denunciar, Jesus recorda a igual dignidade e a igual natureza original do homem e da mulher. Jesus recorda que desde o início Deus quis que homem e mulher se atraíssem mutuamente e que essa atracção os levasse a constituir uma comunidade de vida que exclui o domínio de qualquer um deles sobre o outro.
Mas Jesus vai mais longe. Jesus proclama o fim da lei e a predominância do amor porque o acto de escolher o outro é uma eleição pessoal, livre e consciente de todas as implicações e exigências pessoais que tal gesto exige ("deixará pai e mãe"). Portanto, para Jesus homem e mulher aparecem como pessoas na sua plena igualdade original e liberdade electiva e formular a fidelidade matrimonial com novas chaves legais impositivas é ignorar a novidade de Jesus.
E aqui surge o segundo diálogo. Aparentemente, ele exclui da comunidade todos os que não conseguem levar até ao fim o projecto de vida em comum que em tempos se propuseram viver. Mas, se enquadrarmos as afirmações de Jesus com a libertação da mulher que ele sublinhou ao enfrentar os fariseus, se as enquadrarmos com o acolhimento dos pequeninos e simples que encerra o Evangelho e, se as enquadrarmos com o projecto da vida e da missão de Jesus (Ele veio para conduzir os homens e as mulheres não para a morte nem para a cruz nem para a solidão mas para a vida, para o crescimento mútuo, para a comunhão mútua de vida, para o amor que é fonte de vida), então podemos dizer que na base do matrimónio cristão está a fidelidade de Jesus aos marginalizados e aos esquecidos. Assim, se os cristãos o esquecem constroem uma igreja sectária onde só têm lugar os "puros" (cá para nós, ficariam vazias ou cheias de hipócritas fariseus) e tornam o matrimónio (legalmente estabelecido e celebrado) num critério legal de admissão e não de um espaço de libertação, de realização pessoal e de vivência adulta a madura do amor cristão. Quando age assim a igreja perde a sua identificação messiânica. Além disso, um matrimónio cristão (igreja doméstica) só o será se souber acolher no seu seio e no seio da comunidade eclesial os excluídos da sociedade e de modo muito especial e compreensivo os que não foram capazes (e existem tantas razões!) de cumprir a legalidade formal do matrimónio. Uma comunidade que não deixa vir a si e afasta os mais pequenos, os mais esquecidos, os mais necessitados de benção e abraço é causa de indignação do próprio Deus.

sexta-feira, 2 de outubro de 2009

Será o Amor Atractivo?

No dia 28 de Agosto introduzi, neste blog, o contador de visitas sitemeter e foi com satisfação que verifiquei, hoje de manhã, que nestes trinta e dois dias este meu cantinho foi alvo de 1.652 visitas e 2.698 page views. Não sei como agradecer a todos aqueles indefectíveis que, apesar dos meus silêncios, não desistem de aqui se abeirarem. Não sei (suspeito que não) nem é importante se aqueles números são significativos no universo dos blogs, mas para mim são reconfortantes e animadores. Muito obrigado.

Com esta semana consegui ir estabilizando o meu tempo e as minhas actividades. Deixarei só para reflexão uma magnífico texto de Francesco Alberoni que li na passada terça-feira no cada vez melhor jornal I. Tinha este título: O Amor é um Risco, o Sexo não. Mas Quem Não Arrisca Não Petisca. E foi ontem objecto de reflexão numa das minhas turmas de nono ano, que demonstrou uma maturidade e um conjunto de valores que me fazem manter a esperança. Neste texto o sociólogo italiano demonstra e bem que hoje o verdadeiro tabu já não é o sexo mas o amor que parece cada vez mais como uma (im)possibilidade a evitar. Vale a pena ler.

Na segunda metade do século xix, a sexualidade era escondida, proibida, recalcada. Ao observar o arco histérico dos pacientes de Charcot, o jovem Freud achou logo que tinha origem num desejo sexual que, por não poder ser satisfeito, se exprimia no corpo. Contudo, era possível falar e escrever de amor sem limites. Existe uma continuidade ideal entre livros como "Anna Karenina", "O Monte dos Vendavais" e filmes como "Love is a Many Splendored Thing" e "Um Homem e Uma Mulher". Hoje em dia são cada menos os romances e os filmes cujo tema é um amor apaixonado. Em compensação, o erotismo e o sexo sem amor estão cada vez mais presentes. Na vida real, há jovens que aos trinta anos já tiveram experiências sexuais que as mães nem teriam imaginado, mas ainda não viveram um grande amor. Não encontraram a pessoa certa, ou ficaram inibidas. É como se houvesse uma inversão do binómio sexualidade-amor.
A sexualidade começou por ser perigosa (pelo risco de uma maternidade indesejada), pelo que era controlada e reprimida. Actualmente, o maior perigo está em abandonarmo-nos ao amor, pelo sofrimento que ele pode causar, sobretudo quando a sexualidade é livre e a fidelidade deixou de ser considerada uma virtude e um dever essencial. A psicanálise diz-nos que, quando um impulso é reprimido, se manifesta por sintomas de substituição. O arco histérico era o substituto de um desejo sexual proibido.
E haverá substitutos do amor apaixonado reprimido? No livro "Admirável Mundo Novo", de Aldous Huxley, que retrata um mundo em que tudo é planeado e não há enamoramento, as necessidades inconscientes eram satisfeitas com uma "injecção de paixão violenta".
No mundo de hoje, há alguma coisa que corresponda à "injecção de paixão violenta"? Penso que sim: a procura da excitação paroxística da discoteca, a falta de regras das raves, a anulação da pessoa nas festas e orgias e, de forma mais geral, o estado induzido pelas drogas. Depois de dissociado do amor, o sexo torna-se fácil, enquanto amor se torna difícil e é substituído por estados paroxísticos artificiais. Há mesmo quem preveja, como Attali, o desaparecimento do amor exclusivo. Alguns neuropsicológos procuram fármacos para "acender" e "apagar" o amor. Na minha opinião, são vias que empobrecem a humanidade. O amor é um risco, mas quem não o corre não vive.