domingo, 30 de agosto de 2009

XXII Domingo do Tempo Comum

Como gosto desta frase de Jesus, lida no evangelho de hoje: "Vós deixais de lado o mandamento de Deus, para vos prenderdes à tradição do homens". Na verdade, o grande problema de todas as religiões é, ao longo da sua história, irem enchendo a sua doutrina original de tantas novas regras, de tantas novas formulações, de tantas novas liturgias que vão abafando e escondendo o nevrálgico da sua fé. Já os profetas o denunciavam no judaísmo e Jesus cita um texto eloquente de Isaías: "Este povo honra-Me com os lábios, mas o seu coração está longe de Mim. É vão o culto que Me prestam, e as doutrinas que ensinam não passam de preceitos humanos". (Is 29, 13)

Para os judeus qualquer contacto com algo ou alguém que não fosse judeu ou que eles achassem pecador (doentes, publicanos, leprosos, crentes de outras religiões, etc.) tornava-os impuros e obrigava-os a múltiplas formas religiosas de purificação. Mas Jesus é claro: o que torna o homem impuro é o que nasce dentro de si, no templo de todas as suas decisões, no seu íntimo, na sua consciência, no seu coração é aí que ele decide ir contra o outro, invejar o outro, difama-lo, engana-lo, etc. O homem só se separa de Deus se, aí no seu interior, decide não estar com Deus e assim O recusa na relação com os outros. Por isso, a lista de vícios que Marcos coloca na boca de Jesus está totalmente centrada em atitudes e acções que só posso realizar contra o outro, que só posso pôr em prática na relação com o irmão.

A grande questão neste domingo é a exterioridade, é a obsessão pelo parecer. E se é verdade que vivemos num tempo em que os gabinetes de comunicação proliferam na política, nas empresas, nos clubes, etc; se é verdade que a cirurgia estética é cada vez mais solicitada, alimentando o mito da eterna juventude; se é verdade que existe um farisaísmo laico - o politicamente correcto -, não é menos verdade que é na religião, no nosso caso, no cristianismo, que mais o perigo da exterioridade, do predomínio das tradições e da lei sobre o Evangelho mais se coloca. De facto, o farisaísmo, o legalismo e uma certa religiosidade exterior são um problema da Igreja: a recepção social ou preventiva dos sacramentos, a participação na Eucaristia porque a tal o sacerdote exige para baptizar ou casar ou ser padrinho, as festividades exteriores como montras de pequenas vaidades locais e pessoais, os rituais mágicos em nomes de santos ou santas, as missas e orações rotineiras e vazias, os rios de dinheiro que se consomem em pura exterioridade festiva ou arquitectónica, os lugares de destaque para as personalidades civis, a marginalização a que são votados os que ousam criticar e colocar em causa leis e regras não evangélicas, a falta de diálogo e a oposição a mudanças tão necessárias como exigidas, o medo da diferença, a subserviência diante dos poderosos e diante do argumento da tradição, uma comunhão que é entendida como uniformidade, pensamento único e exclusão são sintomas de que as palavras de Jesus ressoam hoje com toda a actualidade e com toda a acuidade profética. Saibamos ser a elas permeáveis.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

Em Lisboa

Ontem fui a Lisboa apoiar o meu irmão, na sua participação no concurso televisivo da R.T.P. "Jogo Duplo". Foi a primeira vez que participei, claro como figurante, num programa de televisão. Na passado já tinha dado algumas entrevistas televisivas, mas nunca tinha entrado num estúdio de televisão nem feito a experiência da gravação de um programa. Realmente é um mundo muito diferente. O estúdio é pequeno e estamos todos muito próximos. São dezenas de figurantes que recebem 12, 50 euros por dia e têm direito a lanche e, muitos, já fazem disso uma "profissão" ou uma nova forma de alimentarem as suas magras reformas ou uma forma de convívio numa cidade cada vez mais anónima. Ao apresentador, José Carlos Malato, é exigido um sorriso permanente e uma capacidade de diálogo e de comunicação impressionantes que ele cumpre com profissionalismo e com arte. Toda a produção com quem estivemos era disponível, simpática e andava a cem à hora. A nossa gravação começou às 17h, era já a segunda e ainda haveria uma terceira. As pessoas costumam sair pelas 22h e as interrupções na gravação vão-se sucedendo. Mas tudo isto para quem parecia uma menino extasiado com um mundo novo passou rapidamente.
O meu irmão? Na competição fez o que tinha a fazer: trouxe para casa num dia o que ganharia num mês. Nada mau mesmo. Claro que gostaria que tivesse mesmo ganho (e respondido mais acertadamente), mas, pelas regras do jogo, arriscou quando devia e desistiu quando se exigia. Mas onde ele esteve imparável foi na animação televisiva. Para quem conhece o concurso tudo ali se baseia na construção de uma personagem que interage com o apresentador e os outros. Pois ele fez isso com o excesso das caricaturas e a competência de um profissional do entretenimento. A produção e o público estavam muito satisfeitos com ele. Parece que cumpriu o seu papel com distinção. E isso deixa-me orgulhoso. Parabéns.
Ah, o programa passará no dia 7 de Setembro na R.T.P.1. E, prometo, será divertido. A não perder, pelo menos para a família e os amigos.

Durante o dia, fiz companhia à minha cunhada, Sandra, e à minha mãe que tinham ido no dia anterior porque o meu irmão entrava nos estúdios às 9 horas.
Depois da viagem de Alfa (incrível como este comboio esta subaproveitado nas suas potencialidades, numa linha que o estado português há dezenas de anos não foi capaz de modernizar totalmente. Não é admissível que este comboio passe em zonas a menos de 100 km/h e torne mais rápida a viagem de automóvel. Uma vergonha nacional. Mais uma.) fui ter com elas ao hotel e fomos ao Museu Nacional de Arte Antiga ver a exposição Portugal e o Mundo nos Séculos XVI e XVII. Esta exposição foi elaborada e apresentada em Washington, E.U.A., e, mais tarde em Bruxelas, e foi enriquecida, nesta sua edição portuguesa, com peças fundamentais do tesouro nacional (Painéis de S. Vicente, Custódia de Belém (está incrível depois do seu restauro), Biombos de Namban, etc). A exposição é interessantíssima e mostra como os portugueses marcaram, para o bem e para o mal, a história não só dos novos povos com quem entabularam relações como também das nações da velha Europa. É eloquente o texto Holland Cutter, numa crítica à exposição no New York Times: "Um facto pouco conhecido: uma versão da Internet foi inventada em Portugal há 500 anos por um punhado de marinheiros com nomes como Pedro, Vasco e Bartolomeu. A tecnologia era primária. As ligações eram instáveis. O tempo de resposta era glacial. (Uma mensagem enviada nesta rede poderia levar um ano a chegar.) Eles aguentaram tudo isso. Estavam ansiosos por aceder ao mundo." Uma exposição a não perder, aliás como todo o museu (ah, o quadro de Jheronymus Bosch, As Tentações de Santo Antão, que nunca me canso de apreciar!).

segunda-feira, 24 de agosto de 2009

Vale a Pena Ler

A propósito da notícia política, com sabor a Verão, que, na semana passada, fazia manchete no Público, sobre a hipótese de a presidência da república estar sobre escuta, o subdirector do semanário Sol, Mário Ramires escreveu uma deliciosa crónica que reflecte sobre algo que muitos, com certeza, já sofremos na pele. Cito só o seu início, já que depois, o seu desenvolvimento, se fixa no referido caso, que é de muito menor importância.
"Portugal sempre foi um país de bisbilhoteiros e quadrilheiras. Vem de longe. Em cada terra, em cada bairro, em cada prédio, sempre houve alguém cujos olhos, ouvidos e língua iam muito além do que deveria ser considerado normal.
Mas o normal, entre nós, é que seja mesmo assim. A cusquice e a bilhardice - a cuscuvilhice foi ganhando sempre novas designações (em cinco frase, já vão cinco) - são desporto nacional.
Desporto ou trabalho. Sim, porque um dos problemas dos portugueses é que têm mais calos nas orelhas e na língua do que nas mãos. Se, em vez de passarem a vida a xeretar o que os outros andam a fazer, antes fizessem algo de verdadeiramente útil, a produtividade do país era com toda a certeza outra".
Como sei do que Mário Ramires fala. Como tenho pena de não o ter escrito. Como gostaria que alguns lessem este post.
Uma boa semana.

domingo, 23 de agosto de 2009

XXI Domingo do Tempo Comum

"Isto escandaliza-voz?", assim perguntava Jesus a uma número grande de discípulos que consideravam as suas palavras como duras e como impossíveis de aceitar. Mas Jesus não retira nada do que disse, nada tenta negociar, não procura compromissos nem tenta «dourar a pílula». E vai mais longe: diante da deserção de muitos dos discípulos desafia os doze a tomar uma decisão, a que Pedro responde com uma profissão de fé eloquente.
Hoje Jesus coloca diante dos seus discípulos a questão: escandaliza-vos fazer da minha vida a vossa? Escandaliza-vos comer a minha carne e beber o meu sangue? Isto é, escandaliza-vos perdoar setenta vezes sete? Escandaliza-vos amar a todos como Eu vos amei? Escandaliza-vos a bem-aventurança dos pobres, dos que são perseguidos e dos que lutam pela paz? Escandaliza-vos a minha amizade com os publicanos, as mulheres de má vida e a minha predilecção pelos pecadores e pelos convertidos de última hora? Escandaliza-vos a minha denúncia de toda a hipocrisia religiosa e o meu apelo a orardes no silêncio e a fazerdes caridade em silêncio? Escandaliza-vos o meu acolhimento do estrangeiro, o meu diálogo com os ateus e a minha não acepção de pessoas? Escandaliza-vos a minha promessa de que quem quiser ser meu discípulo tem que pegar na sua cruz todos os dias e seguir-me? Escandaliza-vos a minha história de insucesso, que sublinha que quem quiser ser o maior seja o servo de todos? Escandaliza-vos que tenha sido uma aliança do poder político com o poder religioso que me condenou e que, por isso, todos os poderes deste mundo se distanciam de Deus?
Penso que o drama de muitos de nós discípulos de Jesus é não nos sentirmos escandalizados com ele, é não levarmos um «soco no estômago» que nos desinstale desta forma amorfa, ligeira, habituada, rotineira e fácil de ser cristão. Amar é amar como Jesus, perdoar é perdoar como Jesus, ser pobre é ser pobre como Jesus, ser humilde é ser humilde como Jesus, etc, etc. Não há volta a dar: "que a vossa linguagem seja sim sim, não não", dizia Jesus.
Como é isto possível? Quem pode alguma vez seguir isto e viver assim? Pedro dá-nos a resposta: Confiamos em ti Senhor. Tu estás connosco e isso nos basta. Porque esse caminho só em ti e contigo poderemos percorre-lo. Por nós, com as nossas forças é impossível; por isso só podemos repetir a oração dos discípulos de Emaús: "Fica connosco porque cai a tarde e o dia já declina".
Só tu, Mestre, és o caminho para a Vida e só em ti vivemos na verdade.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Deus. A eterna questão.

Acordar e dar de caras com mais um estimulante comentário sobre Deus no meu blog, desta feita escrito pelo meu amigo e saudoso André, precisamente no dia em que acordei com a vontade resoluta de limpar a minha casa, carregada de pó, é uma desafio a que não devo virar a cara. Vou fazê-lo o mais objectiva e sucintamente possível porque não quero fazer deste espaço, local de polémica nem maçar ninguém com longos textos argumentativos. Além disso, não pretendo adiar conversas pessoais há muito prometidas e, por diversas circunstância, sempre adiadas.

Vou responder aos dois desafios concretos colocados pelo André, na segunda parte do seu comentário.

Os predicados tradicionais de eternidade, omnipotência, omnisciência (a infinita bondade, nem tanto) não são afirmações cristãs (Cf. Os dois credos cristãos), mas sim afirmações filosóficas sobre Deus, muitas vezes coladas indevidamente, ainda hoje, ao Deus cristão. E, penso, que a sua não presença nos símbolos de fé cristãos advém da sua difícil compaginação com a fé cristã num Deus pessoal (Cf. Deus trino e uno). Georges Minois, na sua História do Ateísmo, apresenta os descrentes como todos os que não reconhecem a existência de um Deus pessoal que intervenha na sua vida: ateus, agnósticos, cépticos, panteístas, mas também deístas. De facto, embora não se saiba propriamente o que significa Deus enquanto absoluto pessoal, um Deus que fosse menos que uma pessoa, isto é da ordem do neutro, do isso ou do aquilo, que poderia dizer ao Homem? Heidegger dizia que ao Deus causa sui, impessoal, o Homem não pode rezar.

A convicção cristã de que “Deus é amor” (mais uma vez confrontar com o dogma da Santíssima Trindade) leva-a a entender a presença do Deus Transcendente como uma presença fundada num amor pessoal (poderá ser de outra forma o amor?) e criador, não por necessidade deste, mas pela paradoxal constituição humana: uma concretude máxima e uma abertura sem fim à totalidade do real e do possível que o leva a colocar sempre a pergunta por Deus. Ora, é essa dupla realidade que penso sustentar também a convicção cristã num Deus pessoal porque Este permite pensar (e crer) na salvação do Homem concreto e pessoal, e não reduzi-lo a um momento da “Totalidade” impessoal. Entregar-se confiadamente ao Deus pessoal cristão é fruto da convicção que existo não para a Sua glória, mas para a minha realização plena como homem.

Sobre a segunda questão (e como já vai longo este post… paciência a todos os leitores que chegaram até aqui) apelo ao prólogo de S. João (Jo 1, 1-18) que é muito claro: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós; e nós vimos a sua glória…” (Jo 1, 14). A questão está mais uma vez em como se entende esta encarnação, como ela aconteceu no acontecimento histórico Jesus e como se verifica essa união hipostática. É um perigo antigo e vale a pena ler toda essa polémica dos séculos IV, V e VI para percebermos como problemas antigos se tornam novos.

Jesus é a encarnação de um Deus trino, isto é Jesus é a encarnação do Filho de Deus. E se há coisa que o NT afirma é esta realidade. Posso argumentar rapidamente com a praxis de Jesus e a sua subversão de lutar contra deus. Ele é o Deus derrotado e renunciado pelos homens, algo nunca visto nem ouvido. Ele é o Deus do amor, algo radicalmente original. Ele é o Deus dos fracos, das prostitutas, dos pecadores, dos marginalizados pela sociedade, dos ostracizados pelas religiões. Nem antes dele os homens entenderam Deus assim, nem depois dele o acolheram verdadeira e realmente assim (Cf. História). “Na verdade, este homem era filho de Deus” (Mc 15, 39), disse o centurião ao ver como Jesus tinha expirado aos gritos de Eloí, Eloí… É uma argumento pobre filosoficamente? Talvez, mas desconfio que a filosofia tem mais perguntas que respostas. Tal como a fé?

Bem que post enorme! Caro leitor chegou até aqui? É de uma paciência infinita. Tal como Deus?

quinta-feira, 20 de agosto de 2009

Que semana!

Tem sido uma semana muito preenchida. Hoje é o primeiro dia em que estou em casa dedicado às minhas leituras.
Na segunda de manhã reuni com a irmã Aurora, directora do Colégio Luso-Francês. Conhecia-a de vista, mas nunca tinha tido a sorte de conversar pessoalmente com ela. Tolerância cristã, evangelização inclusiva, abertura ao mundo e uma atenção carinhosa pela educação das novas gerações pautaram as suas palavras. Uma verdadeira mulher da Igreja. Fui ainda à Escola Pêro Vaz de Caminha onde reencontrei as dedicadas, atenciosas e amigas funcionárias da secretaria. Foi bom sentir o seu carinho por alguém que apenas ali trabalhou um ano lectivo. Fui ainda almoçar a casa da minha mãe que já não via há muito.
Na terça-feira fui ao centro da saúde pedir análises e um RX requisitados pela médica das alergias. É ridículo este sistema que nos obriga a encher os centros de saúde e a tirar o lugar a doentes reais por causa de um papel que nos dá direito à comparticipação do estado para aqueles exames de diagnóstico. Gostava que me explicassem porque é que o médico privado não pode passar esses exames já com a comparticipação estatal.
Fui ainda à loja do cidadão. É impressionante olhar as dezenas de pessoas à espera da sua vez. A sua maioria ou para as finanças ou para a segurança social. A imagem de um país sempre à espera! A imagem de um estado que aos que o sustentam e aos que mais necessitam trata-os sempre da mesma forma: com sobranceria e distância.
Ainda na terça, voltei ao Porto para tirar uma fotografia de família para a minha mãe levar para o meu tios e os meus primos no Brasil. Tudo terminou com um jantar de família há muito desejado e, claro, com a televisão desligada. Sempre. Foi muito agradável.
Ontem voltei ao Porto para fazer o RX e tive um fim de dia memorável, em Válega. Passei pela sua residência paroquial para trazer algumas coisas que ainda lá tinha deixado em 2005. Foi um momento muito gratificante rever uma casa que ajudei a reconstruir e um amigo que vai edificando uma comunidade, algo de muito mais difícil.
Depois visitei um casal (Manuel e Fernanda) que iam celebrar as suas bodas de prata. Foi uma surpresa preparada pela sua filha Catarina. Foi bom estar com eles e com os seus numa hora tão significativa e sentir que existem coisas que o tempo e a distância não apagam.
Depois, jantei com outro casal (Álida e Carlos), este com quem tenho estado mais vezes , que também celebravam as suas bodas de prata. Eles fazem parte de uma família que me tem acarinhado muito para além do meu merecimento.
Nestes dois convívios reencontrei tanta gente que não via há muito e partilhamos palavras, gestos e afectos sinceros, sinais de que o nosso cruzar de vidas, no passado, nos marcou mutuamente de forma tão profunda que nunca nos esqueceremos.
Só destaco a mesa em que me colocaram, no jantar: a da juventude. Conversamos horas a fio: eu, o Ricardo, a Cristina e a Tatiana. Falamos de tantas coisas. Se calhar monopolizei a conversa (não há maneira de me controlar), mas senti de novo o que sempre gostei no diálogo com os jovens: a sinceridade, o sonho, a transparência de sentimentos, o valor da amizade e da fidelidade.
Obrigado pelos convites, sem eles nada disto teria (re)vivido. Que mais momentos assim se proporcionem. E, mais uma vez, muitos parabéns aos aniversariantes.

domingo, 16 de agosto de 2009

XX Domingo do Tempo Comum

No Evangelho de hoje, Jesus esclarece em que consiste a fé cristã: comer a sua carne e beber o seu sangue. Estes dois actos são factor de vida e de vida eterna, são proporcionadores de uma união Mestre/discípulo idêntica à do Pai/Filho. Só que este comer a carne e beber o sangue não é o gesto sacramental da comunhão que se faz na Eucaristia. Esse momento é um segundo momento que vem depois do momento decisivo: acreditar em Jesus de Nazaré em todas as suas dimensões. Comer a sua carne é assumir como seu o estilo de vida de Jesus. Beber o seu sangue é viver a vida como doação e entrega à imagem do sangue derramado na cruz. Comer e beber o sangue é unirmo-nos a Jesus de forma íntima e única em todas as dimensões do seu ser. É dizer sim à sua forma de viver e morrer...
Se esta comunhão com Jesus for real e não alegórica ou simbólica então tem sentido celebrar a Eucaristia e comungar o seu corpo e sangue. Sem nos unirmos vitalmente e totalmente a Jesus, a Eucaristia é uma caricatura. Se não optarmos pela lei do amor, se não lutarmos pela fraternidade, se não apostarmos na tolerância, se não dermos um alimento novo aos outros então a Eucaristia que celebramos não é a ceia do Senhor, a partilha da sua mesa, o convívio com a sua pessoa, com o seu corpo e sangue.
Neste dia reflicto também em como se celebra hoje a Eucaristia: o rito claramente devorou o símbolo. A postura passiva das assembleias, a repetição exaustiva de palavras, fórmulas e gestos incompreensíveis para as pessoas, a distância fria das presidências (que não se resolve com aproximação física das assembleias, mas com posturas e palavras de proximidade), o próprio pão e vinho são tão pouco pão e vinho, o gesto da comunhão não é de partilha da mesa nem do alimento, etc, etc. Há que trazer de novo às nossas Eucaristias a partilha, a igualdade, a fraternidade, o serviço, o convívio, a comunhão de corações, o encontro. Se não o fizermos a Eucaristia não proporciona o encontro com a pessoa, o corpo e sangue de Jesus e, consequentemente, com os outros.

sábado, 15 de agosto de 2009

Assunção da Virgem Santa Maria

Ao contrário do habitual, hoje a minha reflexão sobre a Assunção de Nossa Senhora não vai partir do Evangelho, mas da formulação do dogma que, em 1 de Novembro de 1950, o Papa Pio XII definiu: "Proclamamos, celebramos, definimos ser dogma divinamente revelado, que a Imaculada Mãe de Deus, sempre Virgem Maria, cumprindo o curso da sua vida terrena, foi elevada em corpo e alma à glória".
Apesar de ser, com a Imaculada Conceição e a infalibilidade Papal, um dogma de definição ex cátedra, isto é um dogma não discutido, elaborado e definido em concílio. Apesar de ser um dos dogmas católicos mais polémicos e dos menos consensuais (teologicamente falando), a minha reflexão partirá mesmo da citação papal acima transcrita porque ela revela uma das dimensões mais bonitas e significativas deste dia e tão esquecida na pregação cristã: a valorização do corpo.
Neste dia celebra-se a estima e o valor do nosso corpo que não se reduz à definição científica de um conjunto de células ou organismos bioquímicos, nem se aceita como algo sem valor destinado a envelhecer e a se desfazer em pó. Ao celebrarmos a Assunção de Maria, celebramos que o corpo é o espaço da minha relação com o outro, com o sujeito das minhas muitas formas de amar, com a natureza e com Deus. Pelo corpo estabeleço relações, pelo corpo celebro a vida, com o corpo vivo a minha fé, no corpo escrevo a história dos meus dias e nele o tempo deixa a sua indelével marca. O corpo humano que acaricia, abraça, beija, conduz, adoece, dói, bate recordes, etc, etc, está junto de Deus porque Deus não ama seres impessoais mas cada um no que é, totalmente. Por isso, no meu corpo me encontrarei junto de Deus, misteriosamente, tal como hoje celebramos com Maria.
Neste dia celebremos o nosso ser todo(na velha, ultrapassada e antiquada afirmação corpo e alma) porque todo ele é objecto do amor carinhoso de Deus. Tal como o foi com o de Maria de Nazaré.

quarta-feira, 12 de agosto de 2009

De Regresso

Eis que estou de regresso: a casa e ao blog. Foram nove dias de descanso, de leituras e de muito dolce fare niente que também é preciso. Apesar da minha arreliante alergia ao sol, que me obriga a estar na praia de mangas compridas e permanentemente à sombra, não a consegui dispensar: chegar ao areal deserto pelas 8,30h, escutar o mar e as gaivotas (que gozam o seu domínio precário antes da chegada em turba dos humanos), saborear a sombra fresca proporcionada pelas belas falésias e sentir o odor intenso da maresia (também a há no Algarve) e mergulhar nas águas cálidas do oceano são prazeres que nenhuma alergia me conseguirá tirar. Foram dias de crescimento interior e aprofundamento relacional.
Aqui deixo algumas fotos da minha triste figura:

Da praia de Vale Centianes:

Da praia de Marinha:

E da Pousada de Estoi onde passei uma noite memorável e requintada:
O Algarve ainda é capaz de nos surpreender...

Depois destes dias digo com Sophia:

Eu em tudo Te vi amanhecer
Mas nenhuma presença Te cumpriu
Só me ficou o gesto que subiu
Às minhas longínquas fontes do meu ser.

Agora há que retomar lentamente o ritmo porque as forças estão retemperadas e prontas para os muitos e novos desafios que se avizinham.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Uma Visita

Eis que as minhas férias chegaram mesmo. Escrevo este post já no Algarve, mais propriamente no alto da arriba que circunda a magnífica praia de Vale Centeanes (foto).
Mas gostaria de recordar a visita que fiz, no sábado passado, à minha antiga paróquia da Reguenga. Já aqui sublinhei várias vezes o carinho que nutro por todas paróquias por onde passei (Lamelas, Refojos de Riba d` Ave, Reguenga e Válega).
Desta vez, soube por amigos que se ia realizar, na Eucaristia vespertina da Reguenga, uma homenagem ao sacristão que serviu a Igreja naquela paróquia durante décadas. O Sr. Agostinho é um homem muito sui generis que dedicou muito do seu tempo e da sua vida à Igreja e à defesa intransigente dos sacerdotes que serviu dedicadamente. Foi com emoção e comoção que lhe dei um forte abraço e lhe ouvi palavras que não são de desistência, mas que são expressão de um sentimento da missão cumprida: "Sabe o que quero? Que chegue a morte". Como muitas vezes digo naquelas paróquias me fiz homem, cristão e padre. Com o Sr. Agostinho aprendi a pedir desculpa e a ser humilde e respeitador do outro. A história conta-se desta forma: numa sexta-feira santa, no final da celebração da paixão, irritado com a prestação do coro (sempre fui excessivamente exigente com a actuação do coro das três paróquias que ensaiava) e enquanto lhes chamava a atenção para erros cometidos, usei palavras insolentes com aquele bom ancião. No outro dia de manhã lá estava à porta da sua humilde casa a pedir desculpas. Como cresci com esse gesto e como nasceu uma mútua relação de verdadeira amizade. Para o Sr. Agostinho, que nunca lerá estas palavras, o meu muito obrigado pelo muito que é e que me deu.
Não posso deixar de referir mais duas coisas que vivi na tarde de sábado passado.
Primeiro, a visita que fiz a amigos que há muito não via. Sei que é injusto visitar uns e não outros, mas não tenho o dom da ubiquidade e não é possível retribuir a tantos tanto amor. Visitei a Natalina e o Ferreira amigos de uma doçura inigualável. Visitei a Gravinda e os seus, amigos de uma sinceridade que sempre admirei e agradeço. Visitei a D. Elsa e a sua casa, amigos de um amor tão afectuoso e tão forte que saio de lá sempre esmagado pela pequenez do meu amar.
Finalmente, que dizer das pessoas no final da Eucaristia de homenagem? Rodearam-me com tanta saudade, reconhecimento e consideração que me reforça uma convicção que tenho desde os tempos em que paroquiei todas as minhas paróquias: as pessoas sabem reconhecer quem lhes faz bem; sabem retribuir cem por um. Foram tantas as pessoas com quem falei que seria injusto destacar alguém em particular e só tenho pena de não ter estado mais um pouco com muitas delas. Para todas um forte abraço de gratidão.

domingo, 2 de agosto de 2009

XVIII Domingo do Tempo Comum

Tal como já tínhamos adiantado no final do nosso anterior comentário, a multidão não entendeu o sinal de Jesus. Em vez de perceber o milagre da partilha, fixou-se no receber; em vez de abrir o coração ao milagre da generosidade, procurou o seu interesse particular; em vez de vislumbrar, na multiplicação dos pães e dos peixes, um Deus gratuito no seu amor doador, agarrou-se a um deus religioso à espera de obras e doações dos seus fiéis, decisivas para a sua bondade.
Jesus desmascara o seu egoísmo e o perigo terrível de uma religião que, em vez de estimular a generosidade, a partilha e a caridade, alimenta o egoísmo do homem que busca simplesmente a sua salvação pessoal, o seu sentir-se bem individualmente, enfim, uma religiosidade capitalista e individualista que busca o seu sucesso individual e a resolução dos seus problemas pessoais. O que Jesus denuncia é uma postura que se fica pelo baptizar os filhos, pela primeira comunhão, pelo ir à missa, pelo casamento religioso e não acolhe o amor generoso de Deus e o coloca ao serviço dos outros. Denuncia os que seguem um materialismo religioso que se fica pelos costumes e as tradições, que procura ou reconhecimento social ou o contentamento dos pais mais velhos. Uma religião vivida por rotina ou descaro de consciência. Uma religião que, tal como a sociedade abastada em que vivemos, somente se preocupa em acumular...
O que vem de Deus não são sinais espectaculares nem exteriores, mas o "pão de Deus", o próprio Jesus que não corresponde às ambições do homem nem lhe resolve os problemas fechando-o sobre si mesmo. O que verdadeiramente desce do céu, como o próprio Jesus nos revela, é o que abre o homem aos outros, arrancando-o de si mesmo, e lançando-o na história e no dia-a-dia. O que desce verdadeiramente do céu é o amor, a simplicidade humilde, a generosidade, a entrega, o ser humano. É Deus que nos faz humanos. E Jesus é o pão que não perece e que alimenta uma vida assim. E o mundo de hoje denuncia que nós os cristãos não nos temos alimentado desse pão.
Termino com uma oração de Rufo González que tudo isto coloca diante do Senhor:
"Em ti, Senhor, vemos a verdadeira imagem de Deus: alheada das nossas imagens mesquinhas, ressentidas e rancorosas; Em ti vemos um Espírito de vida que ama sem medida, que sustenta e respeita a nossa consciência e liberdade de realização plena, que se alegra com a nossa alegria, luta connosco contra os nossos fracassos, que aguenta a nossa rebeldia porque não pode deixar de respeitar a nossa liberdade, que nunca se resigna e continua a chamar e a esperar o nosso regresso ao seu amor: "olha que estou à porta e chamo: se alguém ouvir a minha voz e me abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele" (Ap 3, 20).