sexta-feira, 31 de julho de 2009

Um Livro

Ontem comecei a ler um livro que há muito desejava: "Colóquios Nocturnos em Jerusalém". É um livro em que o cardeal Martini responde a diferentes perguntas feitas, na sua maioria, por jovens e que são colocadas pelo padre jezuíta Georg Sporschill.
Carlo Martini é italiano, tem oitenta e dois anos, é jezuíta e foi bispo de Milão (a maior diocese do mundo) de 1980 a 2002. Aos 75 anos resignou à sua diocese e foi viver para a casa da sua ordem religiosa em Jerusalém. A quando da morte de João Paulo II foi apresentado como um dos potenciais candidatos à sucessão do papa polaco.
O excerto que hoje trago aqui, desconfio, que será o primeiro de muitos porque as respostas do cardeal, como diz o padre Georg, co-autor do livro, "abrem a porta para uma Igreja audaz e credível".

Que perguntas faria a Jesus se tivesse essa possibilidade? Perguntar-lhe-ia se Ele me ama, apesar de eu ser fraco e ter feito tantos erros. Sei a resposta e, no entanto, gostaria de ouvir, dele uma vez mais, que Ele me ama. Perguntar-lhe-ia também se na morte me vai buscar, se me acolhe. Pedir-lhe-ia que nas horas difíceis, no despedir ou no morrer, me envie anjos, santos ou amigos, que me segurem a mão e me ajudem a superar os meus medos. Antes, como bispo e na responsabilidade da Igreja, ter-lhe-ia perguntado: Porque permites que exista um fosso entre numerosos jovens, sobretudo aqueles a quem não falta nada, e a Igreja? Esta tem todos os seus tesouros celestiais que pode oferecer aos homens. Porque é que os dois lados não se podem aproximar mais?

Outras pérolas ficam prometidas.

quarta-feira, 29 de julho de 2009

Assim vivo os meus dias

Na segunda-feira saiu a última nota da época de exames. Terminei esta época com uma média de dezassete valores o que é muito bom mesmo. Valeu a pena a dedicação e o trabalho, quase monástico, de mais de um mês embrenhado em apontamentos e textos de apoio.
Os dias vão passando devagar e a minha impossibilidade em passar uns dias fora e na praia tem contribuído para uma insistente preguiça descomprimida que me impede de começar a trabalhar na minha unidade lectiva para os manuais de E.M.R.C. Vamos ver se o fim-de-semana traz novidades e novas possibilidades.
Da minha casa consigo ver a imensidão do mar (foto) e num desses estados contemplativos recordei e reli o Mar Morto de Sophia e fixei este pequeno poema:

Tive amigos que morriam, amigos que partiam
Outros quebravam o seu rosto contra o tempo.
Odiei o que era fácil

Procurei-me na luz, no mar, no vento.

Assim vivo os meus dias...

domingo, 26 de julho de 2009

XVII Domingo do Tempo Comum (revista e aumentada)

Neste e nos próximos quatro domingos vamos ler, quase na totalidade, o capítulo VI do evangelho de S. João, que abre com uma das cenas que mais deve ter impressionado as antigas comunidades: a multiplicação dos pães e dos peixes. Aliás, é um acontecimento que deve ter contribuído para o espalhar a fama daquele profeta de Nazaré que dava de comer gratuitamente e que tinha todas as condições para ser rei. E que rei! Nem seria preciso trabalhar para comer. Por isso, Jesus foge para a solidão, atravessará o lago e, diante dos seus seguidores políticos, denunciará violentamente esta busca de um deus "tapa-buracos" do nosso egoísmo pessoal.
Do texto do evangelho de hoje queria sublinhar a atitude de Jesus (que é a atitude do Pai) diante do homem. O homem é o amigo de Deus, com quem se senta livremente à Sua mesa ("Mandai sentar essa gente"). O homem com quem Deus faz amizade é um homem adulto, livre e independente ("em número de cinco mil"); o homem com quem Deus cria relação pessoal é o homem concreto, real, que tem muito ou pouco ("cinco pães e dois peixes"), que é muito ou pouco.
E Jesus pega em tudo o que o homem é e tem e dá graças ao Pai e distribui por todos. Isto é, o que temos e o que somos é dom de Deus, logo, mais do que coisas nossas (que possuimos) são oferta e se são oferta temos que as partilhar. O milagre de Jesus é o milagre da partilha: colocando o que somos e temos, por mais pobres e simples que sejam, ao serviço de todos Deus faz muito. Mais, faz abundância ("recolheram e encheram dozes cestos") porque não existe escassez de recursos, mas sim de vontades: vejam o exemplo do "economista" Filipe ("Duzentos denários de pão não chegam para dar um bocadinho a cada um") e do pragmático André ("Que são cinco pães e dois peixes para tanta gente?"), ambos colocam-se de fora, como que não fazendo parte da solução, como que não tendo nada para dar aos outros... Como quem não crê que do pouco, Deus faz muito...
Em tempos de crise quando estamos todos à espera que nos resolvam os problemas, que os políticos, os financeiros, as organizações internacionais concertem o que avariaram com a sua avidez, o apelo "político" de Jesus é só um: não esperem milagres, muito menos dos poderosos. Dai o primeiro passo, esboçai o gesto original (de origem e de novidade) da partilha. Algo está nas vossas mãos, pobre multidão esquecida. Esse algo (seja o que for, mesmo que fruto do meu trabalho ou da herança dos meus pais) não é meu, mas é nosso porque é dom de Deus para todos.
Temos que dar o salto de uma igualdade teórica e racional (Cf. Direitos Humanos) para uma fraternidade universal que só nos vem da fé. Temos que passar de uma proximidade conectada (Homo conectus), que nos vem da globalização, para o encontro entre irmãos que, adultos, livres e independentes, assinam a sua radical comunicação e comunhão. Temos que nos aliar com Deus, o grande aliado da humanidade.
Multiplicando os pães e os peixes Jesus procurou que os homens se encontrassem porque desse encontro nasce a abundância. Como iremos ver, nos próximos domingos, eles não o entenderam (e não entendem) e apenas procuraram a resolução dos seus problemas pessoais. Apanharão uma grande desilusão, como veremos...

sábado, 25 de julho de 2009

Um Comentário

O meu amigo (penso que o posso chamar assim) Alírio, que conheci no espectáculo dos Fura dels Baus no Imaginarius de Santa Maria da Feira, deixou uma série de perplexidades num comentário ao meu último post. São várias questões teológicas estimulantes e magníficos pontos de partida para uma boa conversa de verão com um bom e fresco vinho branco ou rosé (que está agora muito na moda). Fica então prometido um momento assim. Na verdade, é extraordinário como a questão à volta da(s) divindade(s) continua a ser algo de verdadeiramente estimulante e polémico, o que reforça a minha convicção de que estamos sempre a falar de um mistério diante do qual a nossa racionalidade não consegue ficar indiferente. E esse é o primeiro passo da fé que, quando o damos (colocando aquelas e outras questões), abeiramo-nos do abismo magnífico e terrível do sentido da vida e do significado do outro. A inquietude é o estado do homem autónomo, racional e livre. É um estado definidor de humanidade, onde são mais as perguntas que as respostas..., onde se jogo o significado do... homem.
Um dia voltaremos a falar destas coisas...

quinta-feira, 23 de julho de 2009

Surpresa

E quando tudo estava preparado para uma semana de férias (bem merecidas) em Tavira, programadas desde inícios de Junho, tudo se altera pelas contingências da vida. Quando esperava ter mais tempo para dedicar a amigos que há muito não vejo, eis que tenho que ficar confinado, de novo, ao meu apartamento (não, não estou com a gripe H1N1). Quando tive que recusar simpáticos convites para comemorar os vinte e cinco anos do Lar Paroquial de Válega ou para passar uma semana de escrita criativa em Barcelona (pensava nesses dias já estar no Algarve), eis que me encontro limitado pela dedicação e carinho que aqueles são meus merecem e pedem.
É impressionante como a vida, que programamos e pensamos dominar, nos prega estas partidas que nos consciencializam de que afinal não somos senhores do tempo nem dos dias. Então de que somos senhores? De nós próprios, da capacidade de enfrentar as contrariedades da forma que melhor nos faça crescer e ser. Ontem ao deitar li uns versos de Ruy Belo que se enquadram no que sinto:

Somos a grande ilha do silêncio de deus
chovam as estações soprem os ventos

jamais hão-de passar das margens.


Muito me abala, mas nada me abate e derrota. E o silêncio de Deus é eloquente sinal da sua presença e do seu conforto. E assim, de margens gastas pelo bater das vagas, continuarei a passar por aqui, o meu istmo de comunicação com o mundo e com os amigos.

terça-feira, 21 de julho de 2009

Primeiros Dias de Férias

Desde o início das férias, os meus dias têm sido bem preenchidos pela família, pelos amigos e, ainda, por algum trabalho. Ontem tive que enviar para Lisboa mais uns textos para a minha unidade lectiva sobre os novos movimentos religiosos, já em paginação. No sábado, de manhã, estive em reunião com a equipa de elaboração dos referidos manuais: lemos os primeiros capítulos da fascinante unidade lectiva sobre a arte cristã da autoria do José Rui Teixeira. Estou convencido que será um prazer leccionar esta temática tão bem abordada pelo autor.
Na tarde de sábado, celebramos com a família alargada o aniversário da Margarida que, mais uma vez, foi um momento de emoções profundas, de estreitamento de laços e de novidades partilhadas.
Daqui a pouco saio para o Porto onde procurarei bibliografia para a minha unidade lectiva sobre a Igreja, almoçarei com a minha mãe e tomarei um café com o meu amigo José Rui Teixeira.
Nas férias temos que ter tempo para os outros e são muitos os que esperam por um telefonema meu. Vamos ver se para todos encontrarei tempo, já que, no espaço interior, para todos tenho um lugar especial.

segunda-feira, 20 de julho de 2009

XVI Domingo do Tempo Comum

No evangelho de ontem, Jesus procura com os discípulos um local isolado, onde fosse possível descansarem juntos e avaliarem calmamente a missão que tinham realizado. No entanto, tal movimento foi antecipado por muitos na multidão. É contrastante o ambiente dos dois itinerários: a lenta, poética e meditativa viagem por mar dos discípulos com o seu Mestre; e a apressada, peregrina e ansiosa busca, pelos caminhos da terra, dos mais atentos e desejosos membros da multidão. Os primeiros procuram a solidão e o encontro tranquilo consigo e com Jesus; os segundos buscam desenfreada e ansiosamente o encontro com Jesus que definitivamente os mobiliza. Nesta espécie de duelo, um dos grupos vê frustrada a sua intenção. E quem tem que recuar é quem detém o poder de dizer não; é quem pode pura e simplesmente despedir a multidão e impor a sua vontade. Mas não o faz porque, ao ver aquela multidão, as suas entranhas se comoveram, sentiu como que um aperto de coração, um nó no estômago que todos já sentimos quando percebemos que as lágrimas encontram a sua raiz em algo tão cá dentro que nem sabemos exprimir. Assim comovido e afectado, Jesus nada mais pôde fazer senão ficar com eles porque, na verdade, todos são seus e foi para todos que ele veio.
Também hoje são muitos os que ainda procuram o Senhor. E procuram-no na sua Igreja, procuram-no em cada um de nós seus discípulos. E nós não temos qualquer desculpa para os despedir, para os ignorar, para os repelir, para os deixar sós. São muitos os que fazem um esforço enorme para se manterem fiéis; são muitos os que vencem grandes obstáculos para escutarem e celebrarem a palavra; são muitos os que renunciam a outras propostas para virem ao encontro dos Mestre em nós; são imensos os que sem terem dão, sem tempo vêm, sem fé esclarecida procuram-na, sem rumo buscam-o, sem uma vida digna lutam por reconstrui-la. Andamos demasiado virados sobre nós mesmos, sobre as nossas questões internas, sobre as nossas eficácias e funcionamentos pastorais, sobre os nossos anos paulinos, sacerdotais e afins e esquecemos de olhar para aqueles que se abeiram de nós, despidos de posses e orgulhos, pedindo-nos apenas o nosso amor atento e a nossa (d`Ele) palavra de vida.
Definitivamente, ou acolhemos ou não viajamos na barca do Mestre.
Termino com o "santo" D. Hélder Câmara:

"Qualquer que seja a tua condição de vida
Não te deixes aprisionar pelo saboroso cerco da tua pequena família.
De uma vez por todas adopta a família humana.
Procura não te sentires estranho em nenhuma parte do mundo.
Sê um homem no meio dos outros homens.
Que nenhum problema de qualquer povo te seja indiferente.
Vibra com as alegrias e as esperanças de cada grupo humano.
Faz teus os sofrimentos e as humilhações dos teus irmãos na humanidade.
Vive à escala mundial ou, melhor, universal."

sexta-feira, 17 de julho de 2009

Finalmente...

Finalmente de férias e ainda a digerir o inacreditável enunciado de exame ontem apresentado. Mas não quero, para já, falar disso. Por vezes, há que viver o momento, e esta é uma dessas horas.
Sei que tenho pela frente a elaboração de mais uma unidade lectiva para os manuais de E.M.R.C., mas dedicarei estas duas últimas semanas de Julho ao descanso para melhor poder abordar mais este desafio. Mas este início, já começou mal porque o meu portátil pura e simplesmente não arranca. Tive que recorrer ao meu velhinho pc, ao seu minúsculo monitor e ao seu irritante teclado (é uma aventura escrever num teclado que falha várias letras!), que estavam esquecidos no quarto de arrumos. E que agora, do cimo desta mesa, olham com indisfarçavel desdém orgulhoso o preferido e avançado portátil que espero não tenha entregue a "alma" ao criador.
Hoje nada digo de jeito, por isso deixo-vos apenas uma oração pelas férias de Tolentino de Mendonça que estes dias descobri no site do secretariado nacional da pastoral da cultura.

Oração pelas férias

Dá-nos, Senhor,
depois de todas as fadigas
um tempo verdadeiro de paz.

Dá-nos,
depois de tantas palavras
o dom do silêncio
que purifica e recria.

Dá-nos,
depois das insatisfações que travam
a alegria como um barco nítido.

Dá-nos,
a possibilidade de viver sem pressa,
deslumbrados com a surpresa
que os dias trazem pela mão.

Dá-nos
a capacidade de viver de olhos abertos,
de viver intensamente.

Dá-nos
de novo a graça do canto,
do assobio que imita a felicidade aérea
dos pássaros,
das imagens reencontradas,
do riso partilhado.

Dá-nos
a força de impedir que a dura necessidade
esmague em nós o desejo
e a espuma branca dos sonhos
se dissipe.

Faz-nos
peregrinos que no visível
escutam a melodia secreta
do invisível.

José Tolentino Mendonça

terça-feira, 14 de julho de 2009

14 de Julho de 1996

Faz hoje treze anos que fui ordenado presbítero, na Sé Catedral do Porto. Foi o dia mais importante da minha vida. O antes e o depois desse dia imprimiram no meu ser um carácter tal que não me posso entender nem explicar senão em referência a essa opção decisiva e decidida por Jesus Cristo que, ainda hoje, guia e ilumina os meus passos. Por isso, recuso-me a negar esse domingo, recuso-me a alegar qualquer circunstância que me faça olhar para essa opção como um passo em falso, recuso-me a desdizer o que com toda a convicção aí assumi. Sou padre e nunca o deixarei de ser (nem gosto que me apelidem de ex-padre). Se hoje não exerço oficialmente esse ministério, exerço-o numa vida de serviço ao outro muito mais humilde, muito mais pobre, muito mais atenta às angústias e às esperanças dos homens e mulheres do meu tempo, muito mais comprometida amorosamente do que quando estive à frente de diferentes paróquias e de outros serviços eclesiais. Entendo que muitos o não compreendam, que a própria Igreja, que amo, o não aceite e que seja excluído por tentar viver mais verdadeira e radicalmente esse dia catorze de Julho de 1996. Mas não aceito que os murmúrios do Espírito sejam património de alguns, que por falta de oportunidades ou de coragem ou por comodidade passiva na vida, se arvoram em guardiões de uma pureza doutrinal que nega a diversidade da vivência cristã, que omite o mistério vocacional do Espírito, que esquece que é na fraqueza do homem que Ele revela o seu poder.
O que de mais precioso guardo destes anos são os rostos de tantos e tantas com partilhei e partilho alegrias e tristezas, com quem ri, chorei, rezei e fiz festa, com quem celebrei a vida, sofri o impacto da morte, experimentei o imenso amor de Deus. Nesta altura vem-me sempre à memória o salmo 115: "Como agradecerei o Senhor tudo quanto ele me deu? Elevarei o cálice da salvação, invocando o nome do Senhor." Assim vivo o meu sacerdócio: elevo todos os dias o cálice da minha vida, cheio do meu sangue que entrego por amor e deposito n`Ele toda a minha confiança e sei que não serei confundido.
Neste dia, de joelhos diante do Pai e de pé diante dos homens expresso a minha gratidão.

segunda-feira, 13 de julho de 2009


Hoje e amanhã são dois dias históricos na minha vida. Hoje, a minha sobrinha e afilhada Margarida faz um ano de vida. Nesta altura é naturalmente difícil dizer algo de muito substantivo sobre ela, mas é obrigatório deixar uma palavra de gratidão e estimulo aos seus pais, Maria João (minha irmã) e Ricardo. Estou cada vez mais convencido que ter um filho é uma decisão desinstaladora, corajosa e arriscada. Nunca mais aquela família e aquele casal serão os mesmos ao aceitarem no seu seio, no mais íntimo das suas vidas, uma nova pessoa que será sempre uma surpresa crescente, que nunca poderemos dizer que conhecemos e que nunca será de ninguém. Um mistério.
Quanto mais sabemos sobre os meandros biológicos de uma vida, sobre as suas regras concepcionais, sobre os seus mecanismos psicológicos, as suas radicais improbabilidades e os vemos racionalmente mais nos apercebemos como a opção de ter um filho é um incompreensível gesto de amor aberto de par em par, acolhendo o mistério do outro, do totalmente outro.
A Margarida, talvez só quando estiver na mesma situação, perceberá a sã loucura dos seus pais.

domingo, 12 de julho de 2009

XV Domingo do Tempo Comum

Diante do evangelho de hoje assalta-me uma pergunta inevitável: que conselhos daria hoje o Mestre aos seus discípulos enviados ao encontro dos homens e das mulheres hodiernos? Que indicações precisas nos daria sobre como anunciar o seu estilo de vida e a sua forma de se relacionar com os outros, com as forças que nos tolhem e com o Pai?
Penso que pouco mudaria: não diria o que dizermos porque não são palavras que temos que debitar mas uma forma de ser e estar que negue o supérfluo e que afirme uma absoluta confiança no poder de Deus; apostaria no relacionamento pessoal e íntimo porque pretende conversões pessoais e não adesões superficiais; reafirmaria que, diante da recusa do testemunho do amor, nenhuma violência se justifica a não ser de deixar só quem apenas se quer a si.
Assim, a missão para hoje só será eficaz se for pobre, próxima e tolerante.
Mas deixai que sublinhe a ordem para ficarmos em casa de quem nos acolhe.
A casa de cada um, de cada família é o espaço onde cada um é aquilo que é, onde cada um se afirma não pelo que faz, não pelo lugar que ocupa na sociedade, mas pelas relações mais profundas que enceta e que cultiva e que, por isso, é onde a verdade do que é se expõe sem subterfúgios. É aí que Jesus propõe que se dê o verdadeiro encontro com o Pai, é aí que se forjam as grandes opções pessoais, é aí que o crente pode com o seu estar, com a sua palavra irmã, com a partilha das funções e dos sentimentos ser verdadeiro anúncio e presença do amor cristão. Aí nasce a comunidade. Foi aí, nas casas dos discípulos, que surgiram as primeiras comunidades cristãs de que somos todos filhos. O lugar do encontro com Deus, do confronto com a sua palavra, da oferenda que verdadeiramente lhe agrada, da partilha não ritualizada deixou desde da génese do cristianismo de ser um monopólio dos templos e das sinagogas para ter a sua preferencial (não única porque temos as margens do lago, o pequeno monte, o poço de Sicar, etc, etc) expressão no espaço que todo o homem mais valoriza: a sua casa, a sua mesa, a sua família. Estou convencido que será aí que os cristãos se voltarão a reencontrar consigo, com o seu Deus e com o outro. É por isso que a missão proposta por Jesus hoje e para hoje é cada vez mais uma missão de proximidade e cada vez menos uma estação de serviços religiosos.
Logo, é uma missão para todos nós.

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Cansaço...

Peço desculpa aos pacientes participantes deste blog por me abeirar tão pouco desta janela sobre os dias, mas esta época de exames que já vai demasiado longa tem-me ocupado o tempo, o espírito, as forças e a vontade. Na verdade, começo a sentir o peso destes mais de trinta dias de estudo. Ainda ontem o exame de Filosofia de Conhecimento II foi o que me correu pior dos quatro já realizados e, com certeza, não vai estar ao nível dos excelentes resultados que tenho tido. Mas tenho que encontrar forças e entusiasmo para o último exame que é já no dia dezasseis. Por isso, não estranhem se me mantiver algo ausente e conto com a vosso benevolência prometendo depois uma mais efectiva presença porque não me faltam coisas que partilhar com todos os amigos que caridosamente daqui se abeiram.
Hoje deixo-vos uma música (mais uma, eu sei, mas é ela que nos intervalos do trabalho me vai sustentando) daquele que, para mim, é o mais sólido músico português da actualidade e que tem revelado, nos seus projectos pessoais, uma capacidade de se reinventar sem perder personalidade e uma capacidade de penetrar no íntimo melancólico nacional e dele fazer nascer verdadeira música descritiva de movimentos e inspiradora de emoções: Rodrigo Leão. Lançou, há dias, mais um álbum a que chamou "A Mãe" em homenagem à sua, falecida há poucos meses, e, com certeza, às de todos nós. Deixo aqui uma das músicas desse cd: Sleepless Heart. Sem mais comentários: é lindíssima. Para ouvir é só clicar aqui...

domingo, 5 de julho de 2009

XIV Domingo do Tempo Comum

Este é o terceiro domingo em que o Evangelho nos impele a reflectir sobre a fé. E na sua perspectiva caracteristicamente cristã porque coloca os seus actores numa posição optativa diante de Jesus.
Os nazarenos tinham ouvido falar de Jesus, das suas palavras cheias de autoridade e sabedoria, dos seus prodígios e dos poderes que saíam das suas mãos e, por isso, tinham ocorrido em massa à sinagoga da sua cidade para confirmarem se aquele que tinham visto crescer, o filho de Maria (isto é, claramente depreciativo porque os filhos eram-no sempre em referência ao seu pai. Ao dizerem filho de Maria insultavam-no porque não merece, pela sua conduta e pela desonra para a memória dos antepassados, ser chamado filho de um pai), o carpinteiro (o trabalhador manual sem qualificação), o que os seus irmãos procuravam por o acharem enlouquecido (Cf. Mc 3, 21) era mesmo o protagonista daquilo tudo. Os nazarenos estavam scandalizso (verbo grego que à letra se traduz por escandalizados, bem melhor que o perplexos usado na tradução oficial), isto é por quem se toma este sujeito? Quem pensa ele que é? Quem pensa ele que engana? Nós sabemos tudo sobre ele, profissão, família, história, linhagem, como nos pode enganar? E o muito que sabiam dele (que objectivamente era nada) e as muitas certezas que sobre ele tinham impedia-os de ver quem tinham diante de si, de escutar profundamente as suas palavras, de se deixarem tocar, transformar, ressuscitar com a força que emanava de si. E a pessoas assim, tão cheias de si, tão entendidas, tão convencidas do seu saber, da sua perspicácia, da sua familiaridade nada pode Jesus dar nem transformar.
A fé em Jesus não é saber meia dúzia de títulos que fomos acumulando sobre ele. A fé em Jesus não é conhecer momentos da sua vida, pormenores da sua biografia nem tê-lo por grande figura histórica mas que em nada se distingue de todas as outras figuras do passado. A fé em Jesus não é ficar à espera que ele realize mudanças de corações, em corações que não pressentem que o necessitem. A fé em Jesus é algo de muito mais exigente porque é a fé, o encontro pessoal com o mistério que é o outro, qualquer outro; que, neste caso de Jesus, é o encontro com a sua pessoa, que é algo que, quando acontece, revoluciona totalmente a vida. A fé cristã exige muito do crente porque exige que ele se encontre com o Mestre, que ele alimente uma relação pessoal e íntima com ele porque só assim conhecemos alguém, só assim o entenderemos, só assim a sua palavra germina. A fé cristã não se alimenta de conceitos, definições, edifícios teórico-racionais, mas depende vitalmente desta relação pessoal com Jesus. A fé cristã pede uma formulação racional e doutrinal coerente e séria, mas esta só brota, antes de tudo o mais, do encontro pessoal com Jesus de Nazaré. Essa é a condição da sua verdade e da sua vitalidade.
Em Nazaré, muitos sabiam quem ele era e ajuizavam o seu passado, mas não o conheciam nem deixaram transformar o presente das suas vidas.
Hoje, muitos intitulam a sua pessoa e gloriam seu passado, mas nunca o encontraram nem entabularam uma relação entre iguais, entre duas pessoas, uma relação pessoal. Afinal, o grande nome da fé.

sábado, 4 de julho de 2009

Fim da Semana

A semana chega ao fim e, embrenhado no estudo da antropologia e da filosofia do conhecimento, não vim aqui as vezes que desejava. Gostava de ter falado de um telefonema surpreendente de uma amigo que há muito não ouvia, gostava de ter abordado aqueles dois inquéritos pelo ângulo da Igreja Católica e gostava de ter partilhado algumas reflexões sobre o inquietante estudo sobre a democracia portuguesa realizado para a SEDES.
Mas não deu porque tenho esse grande defeito de não conseguir fazer muitas coisas ao mesmo tempo. Assim, deixo simplesmente aqui uma descoberta musical nacional: Virgem Suta. São de Beja e a música Tomo Conta Desta Tua Casa é uma delirante mistura de música de baile popular de uma qualquer festa provinciana de Agosto com a a pop mais refrescante deste Verão.
Para escutar algumas das músicas do álbum de estreia, clique aqui.

quarta-feira, 1 de julho de 2009

A Propósito de Dois Inquéritos

Coloquei ontem em dia a leitura do Público de que sou assinante da sua edição impressa on-line. E, na segunda-feira e na terça-feira, saíram dois estudos muito interessantes sobre os portugueses: um sobre as suas necessidades e satisfação com a vida e outro sobre os seus valores pessoais e sociais.
Sobre este último concluía a jornalista Bárbara Wong: "Ter uma família sólida, amar e ser amado, ser um profissional competente, ser honrado e ter amigos leais são os principais objectivos. Ser famoso e rico são das suas últimas prioridades. Nas tomadas de decisão, o que mais os influência é a consciência e a família. A Bíblia e os líderes religiosos pesam mais do que a ciência ou a comunicação social." É interessante notar, cruzando os dois inquéritos, como a família é a instituição pela qual os portugueses mais lutam, na qual colocam todas as suas forças, pela qual estão dispostos a morrer (87,4%) e na qual encontram o seu espaço privilegiado de entreajuda. A família já não é reduzida ao casamento religioso/civil (65,6% concorda totalmente ou em parte com esta afirmação), mas é indispensável para a educação das crianças (80% entendem que uma criança precisa de um pai e de uma mãe para ser feliz). A solidez familiar é convictamente valorizada (sete em cada dez indivíduos reprovam relações sexuais com vários parceiros ou as relações extraconjugais), e é o espaço social onde os portugueses se sentem mais satisfeitos (7,72 numa escala de 1-10).
Outro dado muito interessante é que realmente os portugueses são pobres financeiramente: mais de metade não tem condições financeiras nem para usufruir totalmente de um período de baixa médica (50,9%), nem para pagar uma semana de férias fora de casa (61,9%) e mais de metade vive com um orçamento familiar abaixo dos 900 euros (57%). Mesmo assim o grau de satisfação (6,6) e de felicidade (7,3) estão acima do ponto médio de uma escala de 1 a 10. Isto é, é a família que amortece o choque da crise económica e que permite que sejam muito poucos os que se sentem excluídos (6,6 sentem-se excluídos e 72,9 não ou raramente) ou deprimidos (10,1% sentem-se muitas vezes e 59% raramente ou nunca).
Se juntarmos a estes dados aqueles que demonstram a maior confiança dos portugueses no ensino privado em relação ao público (76,4% / 66,9% respectivamente), na saúde privada em relação à pública (73.9% / 57,2% respectivamente) e nenhuma confiança nas instituições que nos governam (muita ou alguma confiança - 30,4%; pouca ou nenhuma confiança - 69,6%) penso podermos concluir que o estado tem que repensar verdadeiramente uma política familiar que defenda e promova a família nuclear (pai, mãe e filhos), que a permita alargar-se sem constrangimentos económicos e sociais, que a permita escolher livremente o tipo de ensino e de cuidados de saúde para os seus, que a possibilite integrar no seu seio os mais idosos e doentes, que a trate como o verdadeiro motor de uma sociedade desenvolvida, empenhada e comprometida com a vida e com o país. E, se os portugueses manifestam também pouca participação cívica e pouca vontade de arriscar, é porque o estado sempre os tratou paternalistamente e como incapazes de conduzirem autonomamente a sua vida o que deseduca, infantiliza e aprofunda dependências. E isto acontece desde o Estado Novo.
A família é o grande anseio dos portugueses, é por ela que trabalham, é para ela que vivem. Quanto mais os políticos a ignorarem mais os portugueses os ignorarão, se fecharão no seu individualismo e Portugal continuará irremediavelmente paralisado.