segunda-feira, 30 de março de 2009

O Irmão

O fim de semana passado foi preenchido de acontecimentos e carregado da intensidade que nos vem pelo convívio com amigos há muito saudosos e pela celebração das datas mais significativas da nossa vida.
Uma dessas datas foi celebrada no sábado passado: o aniversário do meu irmão. O que ele significa para mim é do âmbito da revelação divina. Durante a sua geração no seio da minha mãe aprendi a ter esperança. Na nossa infância aprendi a ser amigo e companheiro. Na nossa juventude aprendi a ser confidente porque ele mais do que falar escutava e mais do que propor caminhos caminhava ao meu lado. E depois de tanto me ensinar, eis que hoje me proporciona escutar o seu bom, inquieto e, por vezes, esgotado coração mergulhado na ondulação contraditória dos nossos dias.
Sábado quando escutava o seu discurso (uma tradição familiar) recordei uma música de Sérgio Godinho: É que hoje fiz um amigo e coisa mais preciosa no mundo não há. Meu caro Godinho tas bem enganado: um irmão como o meu é algo que nenhuma escala de preciosidade seria capaz de medir, porque não tem preço, não tem comparação, não me entendo sem a sua história cruzada, por graça de Deus, com a minha.

domingo, 29 de março de 2009

5º Domingo da Quaresma

Se há uma semana percebíamos a dimensão medicinal da morte de Jesus, da Sua forma de viver e de nos transmitir o verdadeiro e único sentido do amor. Hoje é-nos transmitida a dimensão fecunda da forma de Jesus viver a vida e de a entregar.
Jesus sabe que dar a vida é a única forma de a viver em toda a sua plenitude. Está convicto que só assim transformará o rumo violento e marginalizador da história. Avisa os seus seguidores que só o podem ser, se o seguirem como quem nada mais espera senão dar. Mas também sente e está consciente da violência que o espera, da injustiça que lhe preparam. E teme. E perturba-se. E "com grandes clamores e lágrimas" se dirigirá ao Pai. Tal como hoje são tantos que se perturbam pela progressiva perda de qualidade de vida, tal como hoje cresce o caudal dos empobrecidos silenciosos que se sentem incapazes de fazer frente ao desemprego e ao crescente custo do dia a dia, tal como hoje tantos inocentes são despedidos, tantos responsáveis são absolvidos e ajudados, tantos fazem ouvidos moucos ao drama da fome, da miséria, da doença, da falta de tempo para os seus, do cansaço de tantos homens e mulheres perdidos e deprimidos, nos meios desumanos e desumanizastes das nossas cidades, das nossa empresas, do nosso mundo.
Dizia alguém que quando se deixa de acreditar em Deus, passa-se a acreditar em qualquer coisa. Acrescento eu, passa-se a acreditar num estilo de vida que não dá vida, que escraviza, que mata insidiosamente, mantendo-nos vivos. Nisto religiosos e homens do nosso tempo estão mais uma vez muito próximos: nenhum sabe o que é viver. Os primeiros acham que viver é aguentar os sacrifícios e as dores da vida com paciência e resignação porque tudo são dom de Deus. Os segundos, fugindo em frente, tentam viver já tudo como se nunca houvesse amanhã. Aos primeiros Jesus diz-lhes que tudo aquilo é obra nossa, das nossa injustiças, da nossa surdez e desconfiança em relação aos outros, da nossa incapacidade de darmos a vida pela transformação do mundo sem pactos interessados com os poderes deste mundo. Aos segundos Jesus apela que olhem a natureza e que concluam que nada do que existe é possível sem dádiva, sacrifício, morte. Tantos uns como outros vivem o egoísmo nas suas duas faces mais distintas: comodistamente e insensatamente.

Senhor Jesus não quero estabilidade nem compromissos.
Apenas te peço desinstalação.
Toda a minha vida o tenho tentado.
Renunciei a tanto e olhando o futuro, encontro-me sem horizontes.
Não estou parado, bem o sabes,
Nem espero que do céu chova a segurança.
Apenas me entrego nas tuas mãos
Porque sinto valer mais que os lírios do campo e as aves do céu.
Sei que não ficarei envergonhado.
E por isso me deixo, qual grão de trigo,
Adormecer oblativamente, envolvido pela terra que todos os dias percorro com os outros homens

sexta-feira, 27 de março de 2009

Sexta-feira

Dentro de quinze dias é sexta-feira santa...
"O justo, como a madeira de sândalo, perfuma o machado que o trespassa".
Georges Rouault

quinta-feira, 26 de março de 2009

A voz de um não crente

Não tenho consigo manter este espaço actualizado por ainda andar à procura da melhor organização dos meus dias em conjugação com o que a faculdade e outras solicitações me vão pedindo e exigindo. Na verdade deveria ter colocado um comentário à visita do papa a África, mas não gosto de andar atrás da agenda mediática, que coloca no mesmo saco Lucílios, crise económica, vips, Papa, etc. E que não se cansa de sublinhar o assessório esquecendo-se do essencial.
Deixo sem mais comentários, uma transcrição da revista Brotéria tirada desse baú de novidades que é o site do Secretariado Nacional da Pastoral Cultural. Esse texto é uma citação de um não crente, que o autor não identifica. Transcrevo-a porque nela encontro um coração verdadeiramente perto de Deus, um homem a exercer a sua mais nobre missão (questionar), um lutador com Deus porque coloca o olhar sobre os dias. Três atitudes esquecidas pelo homem, pelo crente, pelo irmão que somos.

Nascidos sem o ter pedido, vivendo sem saber porquê, morrendo sem receber desculpa, devemos todos suportar o mesmo percurso sem ter direito à menor explicação. Muitos não se colocam a questão. São provavelmente os mais felizes. Outros têm respostas completamente feitas, bastante lisas, indiscutíveis, que receberam ou elaboraram; acreditam nelas e têm, sem dúvida, razão para se fixarem aí. Enfim, há os que não compreendem nada, os inquietos, os angustiados, os que desde o princípio se perguntam «porquê?», considerando este mundo grotesco e grandioso, e não se satisfazem com nenhuma resposta. (...). Pertencendo a este terceiro grupo, tenho inveja dos que não têm questões e dos que só têm respostas, eu que apenas tenho questões sem respostas.”

domingo, 22 de março de 2009

4º Domingo da Quaresma

Nas suas palavras, Jesus volta a subir: "o Filho do homem será elevado" para nos colocar diante de uma decisão: acreditas no amor?
Esta é a questão decisiva porque só quem entende o que é amar é que pode olhar para o desfigurado crucificado e vislumbrar o comentário de João: "Deus amou tanto o mundo que entregou o seu Filho Unigénito". Nele vemos o poder do nosso pecado, da nossa violência, do nosso desprezo, tal como vemos hoje esse poder nos desiludidos e desanimados, nos maltratados e explorados, nos inocentes e pequeninos esfomeados e usados. Nele vemos o nosso imenso poder, capaz de matar o inocente, o bom, o amigo, o familiar, o próximo, Deus. Mas Nele vemos também o imenso amor de Deus que não faz frente à minha violência, que não responde à infidelidade com castigo, mas que abraça todo o meu pecado e fragilidade porque essa é a única forma de transformar e dissolver toda a minha desconfiança, de expor a serpente que afinal não é exterior a mim, mas que, insidiosamente, me quer transformar por dentro. E o remédio está no amor de que a cruz é sinal.
Escândalo! Dirão os religiosos. Então como pode Deus não castigar tanta infidelidade humana? Não agirá Deus como diz a primeira leitura de hoje: "a tal ponto que deixou de haver remédio perante a indignação do Senhor" (2 Cr 36)? Como pode a salvação acontecer a quem contempla a cruz e acredita?
Loucura! Dizem os homens do nosso tempo. Como pode um vencido da vida dar a salvação? Como pode um homem atirado para as margens do lucro, do sucesso, da boa imagem ser fonte de felicidade? Como se pode pensar que amar é morrer, é dar a vida e não é gozar a vida vertiginosamente como se fosse acabar amanhã?
Este dois (religiosos de sempre e cultura de hoje) têm algo em comum que hoje se desmascara: não acreditam no amor. Para os primeiros, Deus é justiça mais que amor; Deus recompensa já aqui os fiéis e justos e nunca gratuitamente. Para os segundos, amar é viver a vida com sucesso e não morrer pelo outro. Por isso, ao pé da cruz no calvário uns pedem um milagre que resolva todas as injustiças(crentes) e os outros, tão imunes às imagens de violência e tão cínicos, fazem um zapping para o próximo anúncio publicitário.

O teu amor, Senhor, precede-me a transcende-me.
Amas-me antes que te conhecesse.
E, não jogando com as armas dos homens,
ultrapassas sempre em volume e generosidade o meu persistente pecado, perdoando.
Melhor, o teu perdão abraça-me e me envolve descongelando toda a minha solidez fria e presunçosa.
Aos pés da cruz não tenho melhor palavra que a do ladrão:
Lembra-te de mim, Senhor.

domingo, 15 de março de 2009

3º Domingo da Quaresma

Jesus volta a subir. Depois de subir ao deserto e ao monte, hoje presenciamos a sua subida a Jerusalém, onde, mais que purificar o templo (perspectiva dos três sinópticos), vai anunciar categoricamente o fim do templo religioso e de todos os outros templos que o homem gosta de erguer para prolongar no religioso as divisões e as desigualdades sociais, que alimentam tesouros corruptíveis e sonhos de poder.
O seu imperativo é categórico: "Destruí este templo e em três dias o levantarei". Ao pedido de um sinal é este o sinal de escândalo e loucura.
Para os religiosos Jesus afirma o fim do negócio religioso, o fim dos sacrifícios animais ou humanos (humanos porque os animais tinham que ser comprados pelas pessoas, por isso os únicos vendedores a quem Jesus fala são os das pombas, que eram os únicos animais acessíveis às posses dos pobres), o fim de um Deus fechado em quatro paredes, o fim das purificações para entrar em contacto com Ele, o fim de um Deus distante. Jesus é o Templo, o local do encontro do homem com Deus, no qual se entra pelo contacto pessoal, íntimo, pela experiência do encontro com o outro. Neste Templo todos podem entrar por opção e não por tradição, poder ou hábito. A estes ele "expulsa" violenta e escandalosamente.
Aquela frase é também loucura para o nosso tempo porque nos desafia a derrubar com os templos dos cambistas, a deitar por terra os seus jogos de lucro desmedido e não distribuído, a arrasar com o jogo do vencer sem lutar, do ganhar sobre o perder dos outros, do lucro de poucos à custo do prejuízo e da miséria de muitos.
Jesus sempre reagiu violentamente conta o casamento de conveniência do dinheiro com a religião, dos poderosos com os eclesiásticos, dos negócios com a crendice popular. Jesus, nesta quaresma, diz não à religião como negócio e ao negócio como religião.

Jesus é em ti que me encontro com o Pai e me entendo como filho.
Ensina-me a encontrar-te nos templos daqueles que se cruzam comigo, na memória daqueles que me precederam na fé e no sofrimento da vida, na pobreza de saber viver com o essencial sem acumular riquezas e coisas desnecessárias e perecíveis.
Jesus, hoje, vou a uma igreja não porque lá estejas encerrado mas porque lá me encontro com o teu Templo vivo: os teus discípulos do século XXI.

sábado, 14 de março de 2009

D. Hélder Câmara

O artigo de opinião de Anselmo Borges hoje no Diário de Notícias recordava que no passado dia 7 de Março celebrou-se o centenário do nascimento de D. Hélder Câmara, bispo do Recife e de Olinda, no Nordeste brasileiro. Este homem foi um dos grandes profetas do século XX e viveu o seu cristianismo da única forma possível: radicalmente. E por isso foi perseguido politica e religiosamente.
Como escrevia Anselmo Borges: D. Hélder "Queria uma Igreja pobre, ao serviço dos pobres. Ele próprio deu o exemplo: no Recife, viveu 21 anos numa casa pequena e modesta, aberta a todos
". Recusou os palácios, abriu a sua casa como o seu coração a todas as pessoas, recusou ficar fechado e isolado no seu poder ou nas suas angústias. Não tinha medo das pessoas nem do que as outras comentassem.
Sonho e rezo a este grande Santo para que a voz de Cristo nos renove como Igreja. Deixo-vos uma oração/desafio que um dia D. Hélder teve a coragem de dizer. Para ler, meditar e agir.

A Igreja

Por que se fala sempre de prática religiosa
e nunca de prática evangélica, feita de amor e de coragem,
de serviço aos outros?
E tarefa das comunidades cristãs
fazer que andem juntas prática evangélica e prática religiosa
até se tornarem uma só e mesma coisa,
como na tarde da Quinta-Feira Santa.

Fala-se muito de crise de autoridade na Igreja,
e mesmo de crise de fé.
Minha experiência pessoal permite-me afirmar
que há uma crise de autoridade, sobretudo
quando as autoridades não têm a coragem de aceitar as consequências
das opções que estudaram, deliberaram, votaram e assinaram.

O moralismo e o jurisdicismo fizeram muito mal à Igreja.
São gravemente responsáveis pela partida de muitos,
pela indiferença de um número ainda maior de outros,
e pela falta de interesse dos que
poderiam olhar a Igreja com simpatia
mas são tomados de desânimo diante do nosso farisaísmo.

Se não estou enganado
nós, homens de Igreja, deveríamos realizar dentro dela
aquelas mudanças que exigimos da sociedade.

Nós, os excelentíssimos,
estamos necessitados de uma excelentíssima reforma!
Basta! de uma Igreja que quer ser servida;
que exige ser sempre a primeira;
que não tem o realismo e a humildade de aceitar a condição
do pluralismo religioso...

Jesus diz que ele é a porta do aprisco, do cercado.
Então, por que temos a tão frequente tentação
de sermos nós mesmos a porta?
É preciso que se passe por nossa porta,
nossas definições, nossa maneira de falar!
Mas, não! Cristo basta! Basta uma porta, Cristo!

Ah! quando chegaremos a ajudar a Igreja de Cristo a libertar-se...
Pois, para ajudar na libertação do mundo,
é preciso ajudar a libertar o papa, a libertar os bispos, a libertar os cristãos...

sexta-feira, 13 de março de 2009

Debruçar-me

Ontem ao deitar reli estas palavras: "Segundo me pareceu, disse que Marx foi transformando um pouquinho o seu conceito, mas não penso que precisasse de reformá-lo, pois a religião é realmente muitas vezes ópio para o povo. A religião pode realmente ser ópio do povo. Não é uma palavra de insulto. Evidentemente, não é uma palavra ofensiva na medida em não se refere ao Cristianismo nem a Cristo que continua vivo no Espírito. Mas, repito, muitas vezes para o povo a religião no geral não significa nada de transcendente".
Foi com um grande prazer que encontrei estas palavras porque dizem aquilo que há muito tempo venho dizendo: Deus não nos quis religiosos, o Deus cristão não é um Deus da religião. Não pede sacrifícios, não exige ritos, não julga, não castiga, não se fecha num templo nem num lugar de peregrinação, não pede evasões nem é invasivo. Apenas se debruça sobre nós para que nos debrucemos sobe aquilo que nos transcende: o outro e o Outro. Por isso, hoje faço quaresma abstendo-me.
Ah, o autor daquela frase era um homem de coragem, que cada vez mais vai faltando a muitos nestes tempos de crise, em que tantos dela necessitam: era o Bispo (como vão longe esses tempos em que os Bispos eram pessoas de coragem e de esperança!) do Porto, D. António Ferreira Gomes.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Três notas para três dias

Sexta-feira: à noite fui fazer compras ao hipermercado em Gaia e, ao vir colocar os sacos no carro, acidentalmente olhei para uma daquelas bancas minúsculuas que, nos átrios hiper movimentados dos shoppings, nos tentam vender cartões de crédito. O que me marcou foi o olhar entre o hesitante e o aterrado do seu vendedor. Era um homem dos seus cinquenta e muitos anos, alto, de pose nobre e muito digna, no seu fato claro. Ele não sabia, no meio daquele rodopio de gente, se havia de abordar alguém e preparar-se para mais uma daquelas desculpas que todos usamos ou se havia de ficar ali, implorando com o olhar por alguém que dele se abeirasse e o ajudasse a carregar com aquele emprego que era tão necessário como deslocado no tempo. Nada fiz.
Fiquei toda a noite com o rosto daquele homem na memória. Rezei por ele.
Como é terrível sermos indiferentes! Como deve ser duro parecermo-nos invisíveis para os outros!
Sábado: Sexta-feira terminei o meu último capítulo da minha unidade lectiva sobre os novos movimento religiosos. Hoje, já em equipa, estivemos a lê-la e a fazer as correcções e os ajustamentos necessários. Ficamos a meio, mas penso ter atingido o meu fim: está um bom documento de trabalho, tem uma coerente linha de pensamento e é mais um passo na dignificação cientifico-pedagógica da disciplina de E.M.R.C.
Domingo: Almocei hoje com uma família amiga que não via há mais de cinco anos, desde que saí de Santo Tirso. O Sr. Campos fazia ontem o seu aniversário e a sua esposa teve a generosidade de me convidar a juntar-me às filhas Paula e Patrícia, que vieram, respectivamente, da Dinamarca e da Madeira para o celebrar, na sua casa de Vila do Conde.
Conheci esta família no meu estágio em Santo Tirso, no ano de 1995. Tivemos um grupo de preparação para o Crisma e, desde então, a porta da sua casa esteve sempre aberta para mim. Foram muitas as vezes que, já na minha vida paroquial, ali encontrei refúgio, escuta, camaradagem, dois dedos de conversa à volta de um verde branco, sempre fresco, e claro muita amizade. São quatro pessoas que me fazem acreditar que realmente o Espírito do Senhor habita muitos corações humanos. Não sei se eles alguma vez lerão este post, mas sinto-os como família e da mais próxima. Obrigado.

domingo, 8 de março de 2009

Mulheres

Sou absolutamente indiferente aos dias dedicados a isto e aquilo. Nunca sei quando calham nem descortino o mistério de quem os criou e com que legitimidade.
Ao abrir hoje o jornal lá verifiquei que se comemora o dia da mulher. Podia passar adiante como faço na maioria dos casos. Mas vieram-me logo à memória um número infindável de mulheres marcantes e decisivas na minha vida. Sem elas o que tenho de melhor não existiria. Sem elas os meus melhores momentos jamais teriam acontecido. Sem elas as minhas mais decisivas decisões nunca teriam sido tomadas nem compreendidas. A amar? Aprendi com a minha lindíssima mãe, com as minhas irmãs, com algumas esposas dedicadas, com muitas amigas fieis, com imensas e enormes mulheres que fui conhecendo nas minhas paróquias. Como capacidade de trabalho, como espírito de sacrifício, como organização laboral, como dedicação não encontrei melhor, senão em muitas mulheres.
Não sei se são melhores do que os homens. Sei, que as que conheço e que são significativas para mim, são muito melhores do que eu. Para elas e para ela (esta bem sabe quem é) os meus parabéns agradecidos por existirem e por dedicarem o seu enorme coração a este homem, que só o é por elas serem Mulheres.

sábado, 7 de março de 2009

2º Domingo da Quaresma

Nesta quaresma somos sempre chamados a subir. Subimos ao deserto para nos identificarmos com Jesus tentado. Subimos, hoje, ao monte para tentar perceber o significado de uma manifestação, que parece estar nos antípodas da de domingo passado, porque hoje, aqueles que a visualizam, parecem gostar e querer lá ficar para sempre, sentimento não habitual para quem vai ao deserto.
Porque acontece a transfiguração de Jesus? Como pode este acontecimento tão estranho ter algo a dizer-nos hoje?
Mais que uma prova da futura ressurreição gloriosa de Jesus (a leitura habitual), no monte Tabor percebemos que Jesus é a palavra final e definitiva de Deus, é a própria voz de Deus que se nos dirige directamente sem subterfúgios nem linguagens codificadas, é o sinal de que os profetas do passado foram cumpridos e ultrapassados. Nesse monte também percebemos que a lei já não são os dez mandamentos do monte Sinai, mas o próprio Jesus, único e verdadeiro critério de acção ("Amai-vos como Eu vos amei").
Afinal, quem encontram os três discípulos depois de escutarem a voz do Pai? "Olhando em redor, não viram mais ninguém, a não ser Jesus, sozinho com eles". Eis o escândalo para os religiosos: não temos leis, mas Jesus; não temos segredos, mas a limpidez das Suas palavras e da sua acção; não temos mediadores sagrados e distantes mas um Deus que se recusa a ficar no alto do monte teofánico e desce com os seus para regressar ao caminho do outro monte, o da cruz, em Jerusalém.
E aqui surge a loucura para o homem do nosso tempo, que tem como porta-voz Pedro: fiquemos por aqui, isto é tão bom, tão distante dos problemas, traz-me uma paz tão grande, faz-me sentir tão elevado e místico. A esses Jesus lembra que a glória se conquista pela cruz, que a salvação se se contrói no mundo, que a libertação vai acontecendo hoje, no dia em que te encontras, com quem te encontras.

Nesta quaresma quero, Senhor, ter-te como centro e voz, não para me pacificar nem para me fazer fugir de mim e do mundo, mas para, com a Tua Graça, me tornares capaz de caminhar com os homens e mulheres meus irmãos e com eles fazer o caminho da Vida com todos os seus diferentes montes (o das bem-aventuranças, o da transfiguração, o da crucifixão, o da ascensão) e em todos os seus desertos.
E olhando em redor como te encontro e sinto comigo, Senhor!

quarta-feira, 4 de março de 2009

Saudade

Hoje em Antropologia Filosófica estivemos a falar da importância antropológica do tempo e do espaço e da definição de acontecimento. Mas foi sobre o tempo que mais nos debruçamos para melhor entendermos a definição de contemporaneidade, de que um dia vos falarei.
Mas o que mais me marcou e me fez abeirar deste espaço, tão importante para mim, foi a citação de uma frase de Eduardo Lourenço (espero que tenha apontado bem, mas, se não o fiz, a frase é belíssima na mesma): "Na terra da saudade não se morre". Aí estão sempre todos presentes mesmo os ausentes, se calhar principalmente esses. Aí percebemos que os do passado são nossos contemporâneos e os do futuro também porque a sua existência depende do meu presente.
Mas como é verdade que a saudade não nos paralisa mas nos faz sempre regressar ao passado para o reler, para com ele aprender, para nele me enquadrar.
Por isso, recordo com saudade o meu passado. Melhor, recordo tantos amigos, familiares, conhecidos ou simples rostos fechados ou sorridentes com quem tive a sorte de me cruzar, nem que tenha sido há poucas horas. São todos eles que iluminam o meu presente e me projectam para o futuro. Tantos amigos que estão distantes, alguns audíveis, muitos silenciosos, uns poucos com quem convivo. Mas, se algum, um dia, ler estas palavras, quero que saiba que o trago sempre comigo e que não poucas vezes o seu rosto se me aflora nos sonhos, nas reflexões, ao olhar um lugar ou uma foto, ao ler um livro, ao escutar uma música, ao assistir um filme.
Como tudo isto é quaresma!

domingo, 1 de março de 2009

1º Domingo da Quaresma

Começamos a quaresma com o sintético relato de Marcos sobre as tentações de Jesus. É interessante notar como não é um relato fechado e taxativo: nada sabemos sobre as tentações, nem quantas foram, nem sequer se ficaram por aqueles quarenta dias. O que ficamos a saber é que Jesus as experimentou como todos nós as sentimos: as tentações percorrem toda a vida e são a luta entre o animal selvagem que há em nós e que nos quer dominar e a disponibilidade de Deus para nos servir guiando-nos e alimentando-nos. E nesta luta estamos como num deserto: sós, eu e todos os meus fantasmas, egoísmos, invejas, ciumes e... Deus.
É um escândalo para os religiosos porque não entendem como o Senhor pode ter experimentado a tentação, sofrido lutas interiores, hesitado nas dúvidas existenciais, dobrado a vontade do seu eu para amar. Jesus foi tentado. Pensou em voltar para trás, hesitou em desistir, espantou-se com as possibilidades do seu poder, questionou senão poderia ir mais longe politicamente com o seu sucesso. Este escândalo para os religiosos é reconfortante para os cristãos porque percebemos como ele nos compreende e compreende tão bem nas nossas angústias e cedências ao animal selvagem que há em nós.
Mas este Jesus do deserto é também loucura para o niilismo do nosso tempo.
Quem é que hoje gosta de falar em tentações, pecados, sacrifícios, exigência e dureza? Não vivemos um tempo em que tudo é permitido sem olhar a meios, sem olhar a quem fica debaixo dos nossos pés apressados em subir e vencer rapidamente, sem olhar para quem fica à margem da sociedade, do nosso olhar, do nosso sorriso, do nosso amor? Não vivemos uma época em que se quer ter e ser sem grandes esforços, sem grandes exigências, em que amar não é dar a vida e que ser verdadeiro é uma ilusão para idealistas? Não vivemos uma fé, um casamento, um trabalho sem paixão, sem garra, sem luta diária connosco, com a nossa vontade e com a rotina?
Nesta quaresma seguimos este escandaloso Deus que sabe e experimentou o que é ser tentado.
E não temendo que nos considerem loucos afirmamos que precisamos de Deus porque somos pecadores, facilitistas, comodistas, acomodados, cobardes, maus filhos, maus esposos, maus patrões, maus trabalhadores, maus...

Preciso de Salvação e de Libertação.
Preciso de Ti Senhor.
Faço quaresma porque sou o mais fraco dos homens e suplico o teu perdão regenerador.
Livra-me da tentação de querer chegar à meta sem fazer caminho; de querer a vitória sem lutar; de querer a felicidade sem a felicidade diária; de querer o êxito sem o esforço.
Livra-me, Senhor, da tentação de querer fazer o caminho do aplauso e da admiração dos outros; de o fazer só quando os outros me vêem, me reconhecem e me agradecem.
Livra-me, Senhor, da tentação de fazer caminho acomodado aos outros, de o percorrer com a maioria, de não saber ir contra a corrente, obedecendo, sem espírito crítico, às vozes exteriores da moda ou da tradição.
Ajuda-me Jesus do deserto, escândalo para os religiosos de sempre e loucura para os sábios deste mundo.