quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

2009


Não me lembro de iniciarmos um novo ano com tão poucas expectativas positivas sobre o futuro. Existe uma crise de confiança: não acreditamos que os políticos se preocupem com os menos poderosos; não confiamos nas instituições (políticas, económicas, religiosas); os bancos não confiam uns nos outros para emprestar dinheiro nem nós neles para o gerirem conscienciosamente; enfim, não confiamos na evolução da história e que com ela venha o progresso, a igualdade, a paz, a vida com qualidade.
Sem confiança o que é que poderemos fazer? Nada. As relações não são possíveis, o desenvolvimento integral não acontece, a vida não é doada e não nasce, o amor é uma miragem.
Que resposta temos nós os cristãos para este tão entranhado sentimento? Que atitude apresentamos nós ao mundo descrente, sem esperança e temente do amanhã?
Como sempre temos a Palavra que nos inspira e fortalece: “deram-lhe (ao menino de Belém) o nome de Jesus” que quer dizer Deus salva. E isso é o que temos a dar ao mundo de hoje. Deus não é um problema, não é mais uma preocupação a juntar às muitas da vida quotidiana, Deus é a base de onde partimos para um novo ano. Isto é, Ele já nos salvou, Ele é por nós e está connosco, Ele é a garantia que estamos salvos a seus olhos e, por isso, iniciamos 2009 com a certeza mais fundamental e encorajadora: não estamos perdidos no meio dos problemas e das angústias legítimas dos dias que temos mas encaramos os seus dramas e dores com a certeza de que O sentimos a nosso lado não a vigiar as nossas acções mas a inspirá-las, não a censurar as nossas palavras mas a fazer que elas edifiquem, não à espera de uma recaída mas a estender-nos a mão para nos levantar.
Que a alegria profunda e seguradora de nos sentirmos salvos nos empurre a arrancar da amargura quem nela cresce, a amar quem nunca se sentiu amado, a mostrar como se pode viver diferente, a partilhar o pouco que se tem com quem muito perdeu.
Que 2009 nos realize.

domingo, 28 de dezembro de 2008

A Família

Acabo de chegar da eucaristia do domingo dentro da oitava do Natal, em que se celebra a solenidade da Sagrada Família de Jesus, Maria e José. E como sempre lá tiveram os cristãos que escutar os terríveis diagnósticos eclesiásticos sobre o estado da família; as loas ingénuas ao exemplo da família de Nazaré (?); o anúncio carregado de “novidade” sobre a crise da instituição familiar. Enfim, o habitual chorrilho de lugares comuns ou de piedades pífias ou de lições de quem não faz a mínima ideia do que é hoje ser pai e mãe de família.
O que é mais grave é que muitos desses pregadores não se detenham a reflectir sobre o verdadeiro pensamento de Jesus sobre a família, sobre a sua relação com a sua família, sobre o tipo de família que é consequência do discurso cultural e religiosamente revolucionário de Jesus. Isso sim seria muito mais útil, evangélico e, de certeza, mais escutado.
Para Jesus a família é o local onde sou chamado a aprender a viver em família com uma família maior, a humana. Como diz Bento Domingues hoje no Público: “O que Jesus diz aos seus é muito simples: aprendam a fazer família com quem não é da família”. Isto sim é uma nova notícia. Isto sim é cristianismo. Isto sim é novidade de Natal.

sábado, 27 de dezembro de 2008

Aniversário


Hoje a minha mãe faz anos. Este é o dia mais importante da minha vida. Sei que é um lugar-comum um filho elogiar a mãe mas não é comum ter uma mãe como eu tenho. E nós, os seus quatro filhos bem sabemos como é verdade o que acabo de escrever.
Neste dia de S. João Evangelista, que a tradição diz ser o discípulo que Jesus amava, celebro o amor, que não é uma história de encantar, mas que não me deixa de encantar quando o encontro encarnado na minha mãe.
Para ela vai hoje e sempre todo o meu afecto.

quarta-feira, 24 de dezembro de 2008

"Alegrai-vos. De novo vos digo: Alegrai-vos"


Diz Sophia de Mello Breyner Andresen, no seu poema “A Estrela”:

“E eu espantada vi que aquela estrela
Para a cidade dos homens nos guiava”.

Realmente o Senhor encontra-se aí no meio dos homens, nas suas cidades, nos seus prédios, nos seus bairros, nas suas vidas aparentemente tão sem sentido, na crise que monopoliza todas as conversas. É aí nos homens que Ele nasce.
Por isso, com Paulo digo: “Alegrai-vos. De novo vos digo: Alegrai-vos” porque não há distinção entre sagrado e profano, entre Deus e os homens, entre espírito e corpo, entre céu e terra. Desde essa noite o homem não é rival de Deus, mas o grande local da manifestação de Deus; desde essa noite o nosso corpo não é pobre matéria em consumação mas matéria elevada por Deus para ser seu veículo de revelação e local de salvação; desde essa noite a nossa carne não é sinal de pecado mas sinal da profunda “humanidade” de Deus que por isso nos entende, ama e acarinha; desde essa noite o mundo não é oposto de Deus, mas o local onde Deus nasce e caminha com o homem para o tornar, a partir do seu interior (no seio de cada um) mais humano, próximo e irmão.
Ele está tão próximo de nós que nem queremos acreditar.
Onde está o nosso Deus que acaba de nascer? (Cf. Mt 2, 2) Olha à tua volta… olha para os que contigo hoje se sentam à mesa… olha para ti… Aí está Ele, onde tu menos esperavas…

Um Santo Natal

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

Uma Música de Natal

Neste ano, toda a minha reflexão sobre o natal que se aproxima como celebração está assente na necessidade que Deus tem de que cada um com o seu corpo, o seu sorriso, as suas mãos, o seu coração, o seu sim, a sua acção torne possível hoje o seu nascimento nos homens e entre os homens.
E hoje abeiro-me desta janela para vos mostrar um vídeo que não conhecia mas que me veio ter ao computador como um sinal eloquente de tudo o que tenho reflectido. É o relato de Matt Harding, que durante 14 meses viajou por 42 países…a dançar. É nestes que Deus nasce, foi para eles que ele veio e neles que ele vem, é nesta alegria multifacetada que Ele encarna. É por isto que Ele tanto gosta de nós.
Não resisto em oferecer-vos desde já este presente de Natal que para mim já começou há muito. Aí está uma verdadeira música de Natal sem lamechices. É só clicar

ondeElenasce

domingo, 21 de dezembro de 2008

Gero em mim


Depois de vigiar, abrir o meu castelo e deixar que ele seja invadido por todos, o que me falta? O que me falta para que Ele venha e acampe no nosso meio?
Não devo esperar uma vinda esplendorosa, cheia de luz, efeitos especiais e espaciais. Mais. Não devo esperar uma vinda fora de mim, distante do meu castelo interior e longe da minha colaboração, ajuda e decisiva palavra afirmativa.
Leiamos com atenção esse texto a que chamamos anunciação: os verbos das palavras do anjo estão na sua maioria no futuro porque a realização de tudo depende decisivamente da palavra e da acção de Maria, da sua atitude e da sua busca, da sua fé e da sua ajuda. Quando Maria terá percebido que realmente estava grávida do Filho de Deus? Quando ajudava a sua prima Isabel, depois de ter percorrido uma longa e perigosa viagem pelas montanhas.
Neste último domingo de advento compreendo que a possibilidade de Jesus vir à minha vida, à dos meus e à do mundo depende da minha fé-serviço, da minha confiança-ajuda, das minhas palavras-activas. Não somos simples observadores da gestação maternal de Maria. Esse tempo já passou há muito. Hoje em nós ou cresce ou esse menino nunca será realidade, só história. Hoje não é em Maria que se gera o filho de Deus. Ou é em nós, na nossa vida, no nosso serviço, no interior mas recôndito do nosso castelo ou não se gera, não cresce nem nunca nascerá por mais luzes que acendamos, cânticos que cantemos, missas que celebremos, prendas que troquemos. O cristão não anda a recordar e a celebrar um passado, mas a actualizar e a dizer faça-se em mim, em nós segundo o Teu sonho. Não estamos em época de anjos nem de castelos encantados mas no tempo em que a salvação vem e passa por nós ou não deixará de ser um conto de crianças em que já nem elas acreditam.

sexta-feira, 19 de dezembro de 2008

Ao encontro

Hoje inicia-se a minha época de exames. Dia cinco de Janeiro realizarei o meu primeiro exame da licenciatura em filosofia. Devia desde já começar a estudar os filósofos pré-socráticos. Mas não o vou fazer porque existem coisas muito mais importantes. Não, não são as compras de última hora para a noite de natal, mas são os amigos que há tanto tempo não vejo e que recordo todos os dias diante de mim e de Deus.
Hoje é um dia para os amigos. Daqui a pouco conversarei com uma amiga que há anos não vejo mas que não deixou que as pontes caíssem entre nós. Depois rumarei até Santo Tirso onde se situam alguns dos lugares humanos mais dóceis para o meu coração. Pessoas agarradas ao chão da vida e por isso de porta aberta para espalhar o seu amor sem esperar retribuição a não ser a da minha presença, a do meu abraço, a da minha palavra e a da minha pobre e tão distante amizade.
Quem sou eu? Sou os meus amigos.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

Enublaram o meu Advento


Não estou a falar do tempo, que é como é e nunca será grande tema de conversa ou reflexão. Estou a falar da notícia que li sábado passado que demonstra, mais uma vez, o autismo, a insensibilidade, a desumanidade e o desfasamento de uma parte (infelizmente, muitas vezes a mais visível) da Igreja de que faço parte.
A Congregação para a Doutrina da Fé publicou uma instrução sobre diferentes assuntos relacionados com a biotecnologia onde faz uma longa lista de actos condenáveis que mistura tudo com uma linguagem lamentavelmente desfocada e desfasada da melhor teologia moral católica. Coloca desde já imensos casais cristãos que não têm culpa de serem doentes (a infertilidade é uma doença) numa posição de praticantes de ilícitos morais. Atente-se nisto: “é moralmente ilícito usar uma técnica que se realiza fora do corpo dos conjugues, mediante gestos de terceiros” que é usada, por exemplo, nos problemas de fertilidade masculina. Mais: condena o diagnóstico genético (vejam, o diagnóstico!) pré-implantatório para evitar defeitos genéticos dos embriões (são muitos os casos em que mudando o sexo de uma criança se a salva de doenças congénitas ou até que este diagnóstico salva vidas humanas). É triste e contraditório porque, graças ao Espírito, muitos sacerdotes e cristãos adultos já nem ligam a esta surdez e indiferença romana aos gritos de tantos “Bartimeus” que à beira do caminham não deixam de clamar por salvação.
Ponderei muito se havia de escrever este texto, mas é preciso que o mundo saiba que nem todos os católicos são retrógrados e cegos como alguns no nosso meio teimam em ser. Vem-me à memória aquele texto do evangelho (ah o evangelho tão longe de alguns corações!) em que Jesus dizia aos fariseus: “Se fosseis cegos não teríeis pecado; mas dizeis: ‘Nós vemos!’ O vosso pecado permanece” (Jo 9, 41).
É triste mas as nuvens deste advento vieram donde menos se esperava.

domingo, 14 de dezembro de 2008

"Quem és tu?"


Uma casa cheia é uma casa inundada de alegria. O castelo da nossa vida encontra a alegria na sua capacidade de vigiar, de abrir as suas portas e, principalmente, em se deixar invadir por todos os que fazem parte da nossa vida. Que as nossas portadas jamais se encerrem a alguém mas pelo contrário deixemos que todos os recantos do nosso castelo (ameias altivas, pátios interiores, redutos defensivos, etc) se abram a todos os homens.
A pergunta ao baptista hoje se nos impõe: quem és tu? A nossa resposta cristã só pode ser a de João. Não sou o detentor da verdade mas a testemunha humilde e pobre da Verdade; não sou o zeloso defensor de Deus mas a expressão vivida da sua bondade; não sou o profeta iluminado de desgraças e castigos, mas da boa notícia de um amor sem limites; não sou alguém cheio de mim, mas alguém que esvazia o seu castelo interior para deixar entrar os outros pois é no meio deles, é neles que está Aquele que tão mal o conhecendo o julgamos, muitas vezes, fechado em templos, palavras, céus ou dogmas. Neste advento tenho aprendido que quanto mais me esvaziar de mim e me preencher da presença dos outros descobrirei o nascimento real e diário de Jesus em mim e no mundo que me rodeia.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Duas Colunas de Uma Vida


Devo uma desculpa a todos aqueles que pacientemente, ao longo desta semana, procuraram novas neste blog. Só ontem à noite, desde sexta-feira passada, estive em casa e porque foi desmarcada uma reunião do grupo que trabalha na elaboração dos novos manuais de EMRC para o ensino secundário.
Destes dias não posso deixar de destacar a Ceia de Natal dos estagiários da Paróquia de Santo Tirso.
Desde 1979 que a paróquia de Santo Tirso, na pessoa do seu pároco, Padre Celestino Ramos, recebe no seu seio um diácono para aí realizar o seu ano de estágio pastoral antes do sacerdócio. Tive o privilégio de em 1995 começar a fazer parte desse grupo. Depois do ano de estágio fui ordenado sacerdote e continuei a viver na comunidade sacerdotal de Santo Tirso até 2003 porque paroquiei as comunidades de Lamelas, Reguenga e Refojos durante esse período.
Na noite de quarta-feira passada revivi um dos poucos e verdadeiros espaços de fraternidade sacerdotal existentes e recordei os melhores anos da minha vida: foi em Santo Tirso, num contexto de comunidade sacerdotal (éramos três padres de três gerações diferentes e sempre com um estagiário mais novo) e no ambiente simples, feliz e renovador das três comunidades paroquiais que conduzia, que eu não só aprendi a ser homem, padre e amigo como também me libertei dos preconceitos conservadores e alheados da realidade com que tinha saído do seminário.
Foram oito anos em que tentei, penso com pouco sucesso, aprender e assimilar a solidez, a perseverança e a abertura à novidade do Padre Celestino. E a serenidade, a bondade extrema (nunca a encontrei assim em nenhuma outra pessoa) e a amizade fiel do Padre Manuel Torres. A eles daqui presto o meu mais profundo agradecimento e manifesto a minha mais orgulhosa admiração.

domingo, 7 de dezembro de 2008

"Abri... Uma Estrada..."


Com este segundo domingo de advento entendo que não chega ficar a olhar o horizonte vigiando e esperando quem mais desejamos. É preciso fazer algo mais: abrir as portas do castelo, fazer descer sua pesada ponte levadiça que permita transpor o fosso que cavamos em relação aos outros. O apelo é claro: preparai…, abri…, endireitai… Isto é, Cristo só vem pelos caminhos que nós prepararmos. Deus só entra pelas portas que abrirmos. Não é possível que Ele nasça, cresça, irradie sua luz se não abrirmos o nosso castelo a todos os que vêm ao nosso encontro, a todos os que se cruzam connosco, a todos os que esperam o nosso acolhimento.
Não chega vigiar, é necessário abrirmo-nos a todos os que se abeiram de cada um de nós porque será por aí que Ele virá. Nesta semana estarei vigilante ao horizonte mas também disponível à minha porta aberta de par em par porque tenho esperança de que por lá entrarão os sinais, os sacramentos da sua presença…

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

“A vigia desejosa e esperançada pelo amigo que não vemos há muito”

Assim escrevia eu no domingo passado reflectindo no tempo do advento que estamos a viver. Pois nos últimos dias tenho-me cruzado, em diferentes circunstâncias e por diferentes meios, com pessoas com que ao longo dos anos, nas diferentes actividades e terras por onde passei, tive o privilégio de me cruzar. Algumas têm me dito palavras de saudade e admiração que não mereço, outras oferecem-me presentes que me desconcertam e outras sentam-se atenciosa e amigavelmente para escutar a torrencial chuva de histórias que habitualmente os amigos que há muito não se vêem têm sempre para contar.
Nesta manhã chuvosa de Dezembro vivi um desses momentos com o padre Joaquim Santos (meu colega de curso), no Seminário Maior do Porto. Regressar aquela casa, descer aquelas escadas, vislumbrar o rio daquelas janelas e entrar silenciosamente na naquela capela (belamente remodelada) é como que olhar de frente as raízes mais profundas, mais verdadeiras e mais sólidas da minha vida. Muito do que sou devo às pessoas de que cada recanto daquela casa é sacramento.
Foi uma conversa entre dois amigos que há muito não se viam. Foi uma conversa com um dos (poucos) grandes amigos que tenho e de que sinto já saudades. É que como dizia S. Bernardo: “Sabemos que a felicidade que nos vem do facto de termos encontrado o objecto da nossa procura não apazigua os santos desejos, antes os faz mais vivos. A plenitude da alegria não é a extinção do desejo, mas como o azeite ao fogo, o que o faz arder ainda mais. Porque o desejo é uma chama. E é assim que, mesmo sendo completa a alegria, não traz consigo o fim do desejo, nem, por consequência, o termo da procura”.
Por isso, continuo do meu castelo vigiando procurando. Continuo em advento.